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Corrupção: Malandro é malandro, mané é mané

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Como disse Shakespeare através de seu personagem: “... há algo podre no reino da Dinamarca”. E há mesmo. E o que é pior, abunda no nosso território. É claro que a ladroeira e a corrupção não são hábitos recentes no Brasil, pois tais descalabros vêm se arrastando desde os tempos coloniais. Então, por que nos parece que somente agora acontecem tantos casos escabrosos de corrupção.

A resposta simples está na liberdade de imprensa e na extraordinária capacidade de informar o cidadão em tempo real. Apesar de todas as mazelas da nossa democracia, mesmo com imperfeições, ela garante o direito do cidadão, muito mais que as instituições, organizações não governamentais, poder judiciário ou até mesmo partidos políticos. Por tudo isso, o direito à informação deve ser defendido pelo cidadão brasileiro a qualquer custo.

É através da imprensa que os brasileiros têm acompanhado com tristeza e horror a ação de grupos políticos e partidos em conluio com empresários que tomaram de assalto este pobre país tropical. Refiro-me aos bandidos de colarinho branco, que não podem ser perdoados e devem ser punidos com rigor, doa a quem doer. Alguns casos que frequentam as páginas policiais e as manchetes principais estão presentes nas operações do Mensalão e da Lava Jato, só para citar os maiores e mais impactantes, e aqui bem perto de nós, a da Lama Asfáltica.

Lembro-me de um caso de corrupção em Dourados (MS)

ocorrido há alguns anos e noticiado por aqui com grande estardalhaço. Entretanto, se comparado à corrupção dos tempos atuais, foi apenas caso de trombadinhas desastrados. Foi através da imprensa que o sul-mato-grossense acompanhou a ação saneadora da Polícia Federal nos delitos de corrupção local, abusivamente praticados pelos ordenadores políticos do Incra e da Prefeitura de Dourados. Nos dois casos, os malandros metidos a espertos transformaram-se em manés, sujeitos à execração pública e à prisão. No caso do Incra, esses desonestos cidadãos tiveram seus cargos indicados pela classe política (apesar de ser uma prática ainda muito usada, entendo que a classe política não é a mais apropriada para a designação desses servidores). Mas, no caso do referido município, esses bandidos, em sua maioria, assumiram seus cargos pela prática democrática, ou seja, através das eleições municipais. Sem ofender os douradenses (aliás, tenho grandes amigos na Universidade Federal da Grande Dourados e na Universidade Estadual do MS) foram os pacatos cidadãos que elegeram esses políticos pouco confiáveis. Por isso penso que muitos eleitores desavisados também são manés.

Tudo isso leva a uma triste constatação: a despeito de tanta informação ser veiculada pela mídia, uma grande maioria da população brasileira não se dá conta do que acontece de fato e não exerce a sua cidadania plena. O leitor/expectador recebe a informação, mas não a processa integralmente por não ter espírito crítico. Basta ver os programas eleitorais gratuitos transmitidos pela TV e pelas rádios para verificar as pesquisas de intenções de voto. Só Deus sabe o que se gasta, e como se gasta, para produzir essa propaganda e viabilizar as melhores mensagens e imagens.

Parece piada pronta, mas aconteceu tempos atrás na capital paulista. A coisa estava tão complicada que a própria polícia usou de estratégias de malandragem para cumprir a sua missão e apelou para a desinformação geral sobre as eleições então em desenvolvimento. Para entrar desapercebida numa favela de S. Paulo, a famosa Heliópolis, coalhada de bandidos e traficantes, a polícia (GARRA) de S. Paulo infiltrou um “candidato” a deputado estadual com nome fictício, um tal de Cosme da Vila. Esse Cosme “tornou-se” candidato pelo falso partido PLM, cujo número foi escolhido propositalmente: 70.171. Não existe legalmente nenhum partido com esse número e além disso 171 é o número do artigo do Código Penal Brasileiro que se refere ao delito de estelionato. E, pasmem! 171 é também a gíria, sinônimo de falsário, dos próprios malandros.

A matéria, que colhi numa edição da Folha de S. Paulo, conta os detalhes que parecem cômicos se não fossem trágicos. O candidato “fake” (falso) tinha cabos eleitorais, cartazes, santinhos, carro de som e tudo mais a que tinha direito. Sua campanha durou apenas 60 dias, tempo suficiente para os policiais disfarçados conseguirem driblar o sistema muito bem montado de segurança do tráfico nessa favela. Assim fizeram e mapearam todos os pontos e pessoas responsáveis pela bandalheira da droga que corria solta em Heliópolis.

Resultado: o GARRA e seu eficiente serviço de informação prendeu 25 pessoas suspeitas e desferiu um belo golpe na bandidagem da maior favela da zona sul de S. Paulo. Também tirou um “sarro” nos malandros com o candidato 70171, sem dúvida.

Moral da história: malandro que é malandro não passa por mané, a não ser em época de eleições...

Valmir Batista Corrêa

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Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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