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Interceptação telefônica e as garantias constitucionais

O alarido dos envolvidos e o suposto erro do Juiz Sérgio Moro

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Desde a primeira revelação de conversas captadas por meio de interceptações telefônicas autorizadas pelo juiz federal Sérgio Moro no âmbito das investigações da operação Lava Jato conduzidas pelo Ministério Público Federal, integrantes do governo e outros envolvidos têm se esforçado em desqualificar a decisão judicial de levantamento do sigilo dos diálogos captados, acusando-o, inclusive, de ter cometido crime; é Dilma Rousseff quem o diz mais enfaticamente.

Muito bem. Parece-me natural a rebeldia daqueles que se sentem violados em seus direitos e garantias constitucionais, porém, a bem da verdade, é imprescindível fazer uma leitura honesta e desapaixonada de modo a alcançar as verdades dos fatos e das formas que deram origem às gravações e suas divulgações.

O instrumento único, neste caso específico, em abstrato, capaz de explicar o que acontece é o arcabouço jurídico pátrio.

A lei 9.296, de 14 de julho de 1996 regula o inciso XII, parte final, do artigo 5º da Constituição Federal. O que lá se lê?

Da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (GRIFEI)

Ocorre que, nem todos os direitos consagrados na Carta Política têm caráter absoluto. E tal se explica quando há colisão entre dois ou mais direitos.

Observe que está expresso no mandamento descrito no inciso XII, do art. 5º o que destaquei sublinhando e negritando. A palavra salvo já indica a exceção, portanto, não há que se falar em direito absoluto, mas sim, relativo.

Voltando a lei 9.296/96 – Interceptação telefônica – tem-se logo no artigo primeiro o comando genérico:

Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para a prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça. (GRIFEI)

A ciência da interpretação dos textos legais liga-se ao exercício da hermenêutica e da exegese, significando dizer que aquela interpreta o sentido das palavras e esta a interpretação sistemática dos textos legais. Portanto, o operador do direito deve se valer dessa ciência para interpretar o real sentido do mandamento legal.

Muito se tem falado acerca do art. 8º da Lei de Interceptações Telefônicas, especialmente sobre o sigilo.

O que nele se contém? Transcrevo:

Art. 8º A interceptação de comunicação telefônica, de qualquer natureza, ocorrerá em autos apartados, apensados aos autos do inquérito policial ou do processo criminal, preservando-se o sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas. (GRIFEI)

Observo que da mera leitura gramatical/literal do artigo 8º resultará indução ao erro de interpretação, quando prescindir da leitura sistemática de mais outros dispositivos legais.

Veja que tomando apenas o artigo 8º chega-se a conclusão precipitada de que o sigilo do material produzido pela interceptação telefônica deve ser mantido. Ou, por outra, não revelado a não ser às partes do processo. Mas quando interpreto o art. 8º combinando-o com o inciso IX, do artigo 93 da Carta Maior, mudo à conclusão. Lá está:

(...)

IX – Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a Lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo NÃO PREJUDIQUE O INTERESSE PÚBLICO À INFORMAÇÃO;(GRIFEI E DESTAQUEI)

Portanto, o ordenamento jurídico interpretado de forma ordenada e sistemática revela a possibilidade da não vedação a divulgação dos dados processuais, pela imprensa, exclusivamente em razão do interesse público que venha a estar em foco, sobrepondo-se ao interesse particular/privado.

Trato aqui do reconhecimento da consagração do princípio geral da publicidade do processo como alhures citei.

Da lavra do eminente jurista Guilherme de Souza Nucci:

“(...) que o magistrado, ao autorizar a interceptação telefônica, deve sempre se manifestar, claramente, quanto ao segredo de justiça, do inquérito ou do processo, apontando haver interesse público ou garantia à intimidade alheia, de modo fundamentado, com o fito de evitar o contraste com o direito à informação, constitucionalmente consagrado, sopesando os direitos em conflito. Em outras palavras, o sigilo previsto de maneira genérica para todos os casos de interceptação telefônica no art. 8º da Lei 9.296/96 não é mais suficiente para contrapor, ao menos diante dos órgãos de imprensa, o segredo acerca da prova colhida (gravação ou transcrição), pois há expressa norma constitucional excetuando o sigilo quando envolver o direito à informação. Porém, fazendo-se uma interpretação sistemática, é viável deduzir que o juiz é o responsável pela ponderação e harmonização dos princípios constitucionais, confrontando o direito à informação ao interesse público e, também, ao direito à intimidade.[1]

Por fim, reafirmo que não estou a defender o juiz Sérgio Moro ou qualquer outro interesse dele ou meu, mas apenas trazer alguma luz para a discussão das circunstâncias em que se desenvolvem as mais variadas opiniões, favoráveis e contrárias, à decisão daquele juiz neste caso em particular.

Lembro ao leitor que minha abordagem grassa pelo ordenamento jurídico vigente e não coteja a qualidade das decisões judiciais no caso concreto da “Operação Lava Jato”.

JM Almeida 

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[1] Nucci, Guilherme de Souza | Leis penais e processuais penais comentadas / Guilherme de Souza Nucci – 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2008

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JM Almeida

João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas. 

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