O retorno dos que não foram

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O jornalista Vitor Sartori em uma de suas análises políticas da atualidade fala a respeito dos políticos que sempre estiveram no comando do país, e que sempre se apresentam como renovação, como salvadores da pátria. Refere-se ao parlamento brasileiro e às intolerantes manifestações de ruas onde o “próprio discurso liberal é visto como comunista”. A sorte está lançada e as mudanças estão acontecendo, para que tudo permaneça como sempre foi nesta Terra da Santa Cruz.

O poder político, novamente, está mudando das mãos. Sai do desgastado PT de Lula e Dilma e vai para o PMDB de Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros, Romero Jucá e Jader Barbalho, partido que comanda este país desde 1985 quando José Sarney assumiu a presidência da República. Depois veio Itamar, que foi substituído por FHC (que fazia parte dos autênticos do PMDB). Lula e Dilma chegaram ao Planalto, mas os peemedebistas não saíram e continuaram no comando.

Agora, entre os novos governantes que retornaram sem terem partido, encontram-se personagens históricas tais como José Serra, Aécio Neves (que acompanhava o avô), Fernando Collor, José Sarney e tantos outros que orgulhosamente disseram ser constituintes de 1988, quando da votação do impeachment de Dilma. Até André Puccinelli está falando em nome do grupo, posicionando-se como herdeiro do território sul-mato-grossense. No momento do voto, muitos jovens deputados homenagearam pais, avós, tios e sogros que participaram de eventos políticos no passado recente.

As peças do tabuleiro político estão definidas nos bastidores, faltando alguns ajustes de última hora, mas as mudanças não serão profundas porque é preciso acomodar todos os segmentos aliados. “Jogo! Jogo feito!” deve estar dizendo o croupier que comanda o processo de formação do novo governo, já de olhos abertos para as eleições municipais que acontecerão no segundo semestre.

Entretanto, a grande cartada só acontecerá em 2018, que não está longe, quando estará em disputa a presidência da República, os governos estaduais, as vagas para o Senado, para a Câmara dos Deputados e para as Assembleias Legislativas estaduais. Aí os candidatos terão que beijar as mãos dos proprietários das siglas partidárias, por enquanto 35, ou não receberão grana para a campanha.

Até lá o país terá que continuar existindo, e sangrando, enquanto no planalto central se distribuirão cargos e gordas benesses em nome da salvação nacional. O povo terá que continuar trabalhando ou procurando emprego, a inflação continuará corroendo as parcas rendas dos assalariados, a recessão irá se aprofundando, o fundo partidário continuará recheado e os eleitores reelegerão os mesmos políticos de sempre. Haverá pequenas alterações no sistema financeiro, mas os banqueiros e os rentistas nada perderão, e os industriais receberão algumas quirelas do butim.

A vida continuará sendo a mesma, com esperanças renovadas. Mesmo assim, ficam algumas dúvidas. O Congresso que cassou a Dilma e expulsou o PT e a corrupção, fará as reformas previdenciária e fiscal, reduzirá as escorchantes taxas de juros e disciplinará a política fiscal no curto prazo? Os novos governantes, os que sempre governaram, farão as mudanças nas políticas educacional, de saúde e de segurança pública atendendo, efetivamente, às necessidades dos que mais precisam? O empresariado conseguirá, no médio prazo, reconstruir e ampliar a capacidade infraestrutural do aparelho produtivo? O consumismo continuará insano ou haverá algum disciplinamento no setor? E a infraestrutura urbana, principalmente no que diz respeito ao saneamento básico e ao transporte, será reconstruída e ampliada na proporção em que cresce a demanda?

Entretanto, essas questões são irrelevantes frente aos verdadeiros problemas que a nação brasileira enfrenta no momento, e que poderão se agravar a partir da posse do novo presidente da República (que terá Eduardo Cunha como vice-presidente). Ambos nunca estiveram fora do poder.

O primeiro problema é o consenso político, não só da cúpula partidária, mas de toda população. Uma pesquisa do Instituto Vox Populi, às vésperas da sessão da Câmara dos Deputados, registrou que 57% da população eram favorável ao impeachment, 38% contra e 5% não tinha opinião formada; 61% da população desaprovam a atuação política de Michel Temer (que tem ações no TSE que poderia resultar em sua cassação, se os homens da Justiça quisessem julgar), 33% consideram que ele está preparado para o cargo de Presidente, e 6% não tem opinião formada a respeito.

O segundo problema é a altíssima concentração da renda que sufoca o povo brasileiro: 1% da população mais rica detém mais riquezas do que 99% do restante da população. O Brasil é o 14º país mais desigual do mundo, e as distâncias entre as classes sociais são assustadoras.

Agora que o caminho está aberto, o povo poderá ir para as ruas exigir que o Congresso Nacional inicie as reformas dos sistemas partidário, educacional e tributário. Combater a corrupção os deputados e senadores se comprometeram a fazer, quando da votação do impedimento de Dilma Rousseff. Será que esses luminares da moralidade cassarão Eduardo Cunha e prenderão Lula?

Em Pindorama acontecem coisas que nem Carl Gustav Jung, um dos pais da psicanálise, conseguiria explicar. Uma delas é a esdruxula estrutura partidária com 35 siglas registradas no STE e mais dez em fase de estruturação, sustentada por um inexplicável fundo partidário e “doações” empresariais não muito transparentes; e outra é a hipocrisia em face da corrupção, sem falar na impunidade, das classes dominantes que comandam os parlamentos e os governos executivos.

No contexto de um paradoxo ético “nunca antes visto neste país”, Eduardo Cunha (PMDB), presidente da Câmara dos Deputados, réu em vários processos no STF, por enquanto cinco, transformou-se em herói nacional quando da votação do impeachment de Dilma Rousseff. Passou a ser amado, idolatrado, odiado e execrado, tudo ao mesmo tempo. Os deputados Carlos Marun e Paulinho da Força, seus principais defensores, e muitos outros o qualificaram como sendo um mal necessário, um bandido do bem. E aí por diante.

Uma destacada professora universitária, ex-militante do PPS e do PSDB, no facebook, fez uma verdadeira declaração de amor ao presidente da Câmara: “Adoro esse bandido! Sem ele o PT continuaria roubando”. Outra professora, também formadora de opinião, disse que para se combater uma quadrilha forte e bem estruturada, é preciso um bandido malvado cercado por uma gangue tão competente como a primeira. Citou como exemplo os destemidos xerifes do velho oeste norte-americano.

Ao anunciar seu voto na histórica sessão da Câmara que aprovou o impeachment, Eduardo Cunha, que é líder e pregador evangélico (na Assembleia de Deus do chefe Malafaia), pediu que “Deus tenha misericórdia desta nação”. O povo concorda plenamente: Deus poderia nos dar melhores políticos porque este país não merece o parlamento que tem.

Marcelo Freixo descrevendo o deprimente e medíocre espetáculo apresentado na votação do impedimento da presidente, disse: “Eduardo Cunha, estrela do gangsterismo político, no papel principal de profeta da moralidade. Obreiros da chantagem estrebuchando bênçãos e misericórdias ao microfone. Vendilhões do templo condenando cinicamente a corrupção”. Entretanto, os grandes partidos da antiga oposição, agora situação (base de apoio dos novos governantes, os que nunca saíram), preparam sua anistia no Conselho de Ética da Câmara, como recompensa pelos serviços prestados.

Carlos Marun, Osmar Serraglio e Paulo Pereira da Silva (da Força Sindical) são os guerreiros responsáveis pelo empreendimento do resgate do presidente da Câmara. Já circula pelas redes sociais várias versões em torno da seguinte mensagem: “Eduardo Cunha não deverá ser cassado porque, primeiro: ele foi democraticamente eleito pelo voto direto; segundo: ele não inventou a corrupção; terceiro: porque só um plenário corrupto (influenciado pelo PT) cassaria seu mandato; quarto: tirá-lo do parlamento não vai acabar com a corrupção e enfraquecerá a luta contra os PTralhas; quinto: quem assistiu à sessão do impeachment conheceu o seu valoroso trabalho pela extirpação da corrupção no país”.

Em 1982 Cunha foi cabo-eleitoral de Eliseu Rezende, então candidato ao governo de Minas Gerais pelo PDS (substituto da ARENA). Em 1986 foi cabo-eleitoral de Moreira Franco (PMDB), candidato ao governo fluminense. Em 1989 filiou-se ao PRN e aproximou-se de Paulo César Farias, operador financeiro de Fernando Collor de Mello, sendo nomeado para a presidência da Telerj, de onde saiu por suspeitas de irregularidades em licitações.

Depois da renúncia de Collor, filiou-se ao PPB do ex-governador do Rio Anthony Garotinho, sendo nomeado presidente da Companhia Estadual de Habitação, depois foi secretário estadual de habitação. Em 1998 candidatou-se a deputado estadual, ficando como primeiro suplente. Em 2002 se elegeu deputado federal, se reelegendo em 2006, 2010 e 2014. Foi aliado do governo petista onde desfrutou de muitas benesses.

Sua vida nunca foi um exemplo de ética na administração pública, mas conseguiu angariar a admiração dos grupos mais conservadores (ou radicais de direita) porque depois que se tornou pastor passou a pregar contra o aborto e a homossexualidade.

Segundo a revista Veja Eduardo Cunha “só decidiu dar andamento ao processo de impeachment de Dilma por seu instinto de sobrevivência. Investigado no petrolão, concluiu que, se partisse para cima de uma presidente impopular, seria poupado pela opinião pública”. E assim aconteceu.

Agora pressiona o Senado para que acelere o processo de impeachment e anuncia seu plano de trabalho para depois da posse de Michel Temer na presidência, e a sua condição de vice-presidente: “Vamos aprovar uma agenda rápido para mostrar a diferença”. Na verdade, apesar de ter o total apoio do Parlamento, tem medo do STF.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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