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Amor, meu frágil amor...

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Eu te amo porque não amo

Bastante ou demais a mim.

Porque amor não se troca,

Não se conjuga nem se ama.

Porque amor é amor a nada,

Feliz e forte em si mesmo.

  Carlos Drummond de Andrade

(trecho de “As sem-razões do amor)

Discutindo os tempos modernos e tão solenemente à cultura do individualismo e do objeto, dos tempos do resultado e dos números. Atormenta-me os amores frágeis que atualmente vivenciamos: do perdido romantismo sereno a moderna paixão efêmera.

Começo pelas ideias e provocação sobre o amor por Erich Fromm¹: “é o amor uma arte! Se o é, exige conhecimento e esforço. Ou será o amor uma sensação agradável, que se experimente por acaso, algo como que se “cai” quando se tem sorte!”

Normalmente as pessoas pecam ao tentar entender o problema do amor (se há problema), consternam-se ante a figura do amado, e não julgam a sua própria capacidade de amar, ou o que nos leva a amar, aliás, em uma época em que a informação passa por nós de forma rápida e até agressiva, onde o tempo se tornou um artigo de luxo, vide nossa necessidade de estar sempre correndo, ou vide nossa determinação a cumprir metas, onde não paramos por nada e por ninguém, como poderíamos refletir?

Nesta aceleração do cotidiano, a comodidade e praticidade são tudo! A vida hoje é fracionada, resumida, e racionalizada, contribuinte a um empobrecimento nas relações humanas. Em nossa realidade socioeconômica, onde só sobrevive o mais qualificado, precisamos sempre estar um passo ou dois a frente do outro (o concorrente!). Estamos sempre disputando uma posição, um lugar, o espaço, e isso em todas as lacunas da vida: de um emprego a um assento no ônibus, estamos sempre em luta!

A construção da nossa personalidade basicamente passa pela formação do nosso temperamento e do caráter sendo daquilo que essencialmente é dos nossos genes e do que nos constitui da nossa formação ontológica (a essência do ser e existir), os quais concorrem à adaptação e/ou significação positiva para a vida interna e em sociedade, vida que formaria o cidadão saudável, mas que em prática nos tempos pós-modernos é insalubre. A vida moderna nos intoxica de energia (a pressa, o movimento, e ação), depois suga a mesma energia como diria Zygmunt Bauman, mas não para satisfazer nossas necessidades, nos anulamos no intuito de apenas gerir à necessidade de buscar uma maior potência produtiva, e é nesse momento que percebemos o que realmente somos: seres puramente frágeis.

Claro que desenvolvo aqui uma alegoria... Bauman afirma que o meio ambiente é a sede da ambigüidade, da ambivalência, do equívoco e das oposições. Será que essas características ambientais não seriam refletidas nas nossas relações interpessoais? Mais precisamente: nas nossas relações amorosas? Neste complexo estaríamos suscetíveis a verdadeiras desventuras na relação com o outro, um verdadeiro teatro das causas e dos efeitos, de estímulos traiçoeiros e de respostas mal adaptadas.

“Eu te amo porque não amo / Bastante ou demais a mim...”, no poema “As Sem-Razões do Amor”, e claro que a princípio, Drummond não se refere as nossas desventuras, mas acredito ao que o poeta entende sobre amar, ou sobre o significado como já citei: sereno do amor mais romântico. Sutilmente amar por não amar pode ser a idéia do amor sem identidade, ou bastar em si, pode ser demais a mim (a nós), afinal, na pós-modernidade nada realmente é o bastante.

Mas, o amor não deveria ter razão, mas o tem! A racionalidade é a luz da lógica que os sentimentos nunca tiveram, é uma matemática fina que formula equações que nunca realmente foram exatas, pois, o ser humano e suas paixões nascem de um princípio impreciso de suas marcas singulares.

“O amor não se troca / Não se conjuga e não se ama...”, será que para nós o amor não seria mais um objeto ao consumo? No dia dos namorados temos mesmo o presente como expressão do verdadeiro amor? Quando no Natal questionamo-nos sobre o significado da data, por que não nos questionamos sobre o significado do namoro?

Sempre presos a figura física da relação objetal e do desejo, esse amor, frágil amor, é mais próximo ao que motiva as paixões, do que aquilo que motiva a serenidade. Para Bauman², “o desejo é vontade de consumir. Absorver, devorar, ingerir e digerir – aniquilar”; já o amor: “é a vontade de cuidar, de preservar o objeto cuidado. Um impulso centrífugo, ao contrário do centrípeto desejo”.

Então, no ímpeto de nossa vontade o amor se transfere a figura do sentido mais palpável – o outro, e se transforma no desejo de consumir, o amor então se torna uma ameaça ao que é impetuoso. O que não percebemos é que o ímpeto do que é a paixão destrói o que se transfere e como destrói a nós mesmos. O amor não, este visiona o futuro – é uma pulsão de equilíbrio e estabilidade sem prazo de validade; a paixão é sempre a impetuosidade, o momento e o impulso do gozo e do imediato, “morrer de amor” (finitude!).

Acredito que depois de tanto dito, as palavras de Drummond por si bastam. O problema do amor é a fragilidade com que envolvemos nossas relações e quando se estabelece por fim, em nossa atual incapacidade de olharmos para nós mesmo, ora, conhecendo-nos a nós mesmos, no cuidar em-si a essência para podermos ponderar sobre o outro e ao outro refletir aquilo que tanto almejamos à nós-mesmos, “Porque amor é amor a nada / Feliz e forte em si mesmo...” é sem medo, feliz e sereno.

Robson Belo

Psicólogo, Psicopatologista e Psicoterapeuta

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¹ERICH, F. A arte de amar. Coleção Perspectivas do Mundo. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia Limitada, 1991, p. 19

²BAUMAN, Z.  Amor Líquido – Sobre a Fragilidade dos Laços Humanos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007, p. 12-13.

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Robson Belo

Psicólogo

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