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‘Nemo potest ad impossibile obrigari’

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O emérito jurisconsulto Michel Temer, católico e professor de direito na conceituadíssima USP, com certeza é profundo conhecedor de Direito canônico e, portanto, deveria refletir sobre as palavras do papa Bonifácio VIII: “Ninguém pode ser obrigado a fazer algo impossível”. Os demais privilegiados governantes, dos quatro poderes (três constitucionais e o Ministério Público), também deveriam refletir sobre a sentença do político e jurisconsulto romano Publius Juventus Celsus quando afirmou: “Além do que pode, ninguém é obrigado”.

Assim, os brasileiros, de fato, estariam dispensados de cumprir os disparates aprovados pelo Congresso Nacional neste final de ano. Muitos deles estão acima das possibilidades reais e suportáveis pelo espoliado povo. Ao que parece está faltando bom senso e sensibilidade social para os defensores do povo.

Necessárias e fundamentais reformas eram esperadas e foram anunciadas. Entretanto, quando aprovadas, ou encaminhadas, trouxeram em seu bojo verdadeiras e inaceitáveis aberrações jurídicas. Todos querem o controle dos gastos públicos, mas que ele inclua as mordomias e os “entretantos” proporcionados aos homens públicos (de todas as esferas do poder), e não só as crueldades contra os contribuintes. Um teto para as despesas que inclui investimentos com a saúde e a educação, mas que mantém intactos os pagamentos de juros e serviços da dívida pública é inaceitável, para dizer o mínimo e não se perder o que resta de respeito aos governantes eleitos pelo povo.

O superministro Henrique Meirelles, representante do mercado financeiro no governo, o homem do JBS, comemorou feliz a aprovação da PEC do Teto. No dia seguinte anunciou um pacote de medidas para desburocratizar e facilitar negócios e, também, para impulsionar a tomada de crédito. Só o empresariado, ou parte dele, poderá ser beneficiado, mesmo assim tudo ainda depende de regulamentação. Os consumidores e os assalariados pagarão a conta.

Candidamente o superministro da Fazenda pediu aos banqueiros que baixassem a taxa de juros, se possível. Recebeu um sonoro não como resposta e se calou.

Com a PEC aprovada, nos próximos 20 anos, o governo poderá usar o mesmo valor gasto no ano anterior, corrigido pela inflação oficial (o IPCA). O pagamento dos juros e dos serviços da dívida pública está excluído dessa restrição. Entretanto, antes que a famigerada lei entrasse em vigor, distribuíram-se obesos aumentos salariais para as categorias que poderiam causar problemas futuros. É o velho jeitinho brasileiro aplicado em defesa da classe dominante.

Enquanto isso o desemprego aumenta, a inflação cresce, os juros sobem e a corrupção continua célere. Mas os governantes dizem que não, que tudo está sobre controle e que a economia dá sinais de estabilização. O articulista Marcos Coimbra desabafa inconformado: “Aconteceu o que era previsto: tudo piorou, a economia patina e a política perdeu a legitimidade”. E os indicadores econômicos e sociais demonstram que as coisas não melhorarão no curto prazo.

Renan Calheiros, o incorruptível presidente do Senado – ex-líder de Fernando Collor na Câmara dos Deputados e ex-ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, mostrou para o mundo que está acima do Supremo Tribunal Federal (composto de onze ministros nomeados por políticos) e da lei. Romero Jucá, Jader Barbalho e Eliseu Padilha continuam intocáveis e poderosos. Até o super Meirelles faz deferências a eles, ou nada acontecerá na política econômica. A nomeação de cargos passa por suas mãos. A delação premiada dos empreiteiros fez uma devassa na base aliada do governo, mas Lula continua sendo apontado como o maior de todos os bandidos. Walter Fanganiello Maierovith sintetiza a questão: “A mitológica Têmis, deusa da Justiça, está sobrecarregada e a sua velha balança dá sinais de desgaste de material”.

Como se isso não fosse suficiente, os Poderes da República deixaram pronto, e em “banho maria”, a maior de todas as maldades contra os trabalhadores brasileiros e suas famílias: uma truculenta “reforma previdenciária”. Os políticos e os militares continuarão com os privilégios, o setor empresarial também não será afetado, mas o povão sentirá na pele todo o peso das futuras medidas legais. Enfim, a classe dominante, como sempre fez desde os tempos coloniais, transferirá todo o ônus dos desmandos econômicos para as classes trabalhadoras.

O ideal para a salvação do Brasil seria uma isonomia previdenciária que igualasse os políticos (vereadores, deputados estaduais, deputados federais, senadores, prefeitos, governadores e presidente da República), funcionários públicos, militares e trabalhadores em geral, tendo como referência a Previdência Parlamentar.

Mas isso só aconteceria se houvesse uma renovação de 100% dos políticos brasileiros nas próximas três eleições consecutivas. Não sou incrédulo e vendo os milagres praticados pelo bispo Edir Macedo, pelo missionário R. R. Soares, pelo bispo Silas Malafaia, pelo profeta Valdemiro Santiago e demais bispos, pastores e padres de todas as seitas religiosas em ação, creio que Pindorama poderá ser salva.

Circula pelas redes sociais uma proposta muito interessante que é mais ou menos a seguinte: que todos os agentes públicos que tenham processo na justiça, ou que foram citados nas delações premiadas por ato de corrupção (passiva ou ativa) renunciem a seus mandatos ou cargos até o dia 29 de dezembro de 2016 – e que se comprometam em nome de tudo o que há de mais sagrado que durante 15 anos não participarão da vida política do País.  E que seus suplentes, em nome da moralidade não assumam em seus lugares. Dessa forma haveria eleições gerais saneadoras.

Os políticos que, demagogicamente, se aproximam de todas as igrejas e de todas as seitas em épocas de campanhas eleitorais, deveriam se lembrar das palavras do filho de Davi, rei em Jerusalém, e que se encontram no Eclesiastes, livro do velho testamento: “Vaidade de vaidades! É tudo vaidade!”. A vaidade está associada à ganância e ao egoísmo, de onde decorrem a inveja, o ciúme, o consumismo generalizado e a corrupção generalizada.

Também está no Eclesiastes: “Uma geração vai, e outra geração vem, mas a terra para sempre permanece. / E nasce o sol, e põe-se o sol, e volta ao seu lugar donde nasceu”. Mas o ser humano não é imutável nem imperecível como o sol e a terra, e um dia chegará a velhice, os órgãos materiais se desorganizarão e a vida orgânica se extinguirá. De que adianta, portanto, estocar bens materiais, joias, imóveis, máquinas, equipamentos e contas bancárias recheadas, se nada será transportado para o depois da morte. Tudo ficará para que os herdeiros se digladiem pelo espólio.

Diz ainda o texto bíblico: “Lembra-te do teu Criador nos dias de tua mocidade, antes que venham os maus dias, e cheguem os anos dos quais venhas a dizer: não tenho neles contentamento. / (...) / E o pó volte à terra, como era, e o espírito volte a Deus, que o deu”. As vaidades pessoais desaparecerão, não terão mais sentido prático e, talvez, a consciência sofra pelos desmandos praticados na luta para mais acumular riquezas materiais, muitas vezes sem respeitar a propriedade dos contribuintes.

E o Eclesiastes, muitas vezes citado, mas poucas vezes levado a sério, diz: ”Porque Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto, quer seja bom quer seja mau”. Será o juízo final, implacável, incorruptível, ou haverá uma nova chance, um jeitinho dado pelo STF divino?

Se não existe nada depois da morte, não há com o que se preocupar, é um convite à bandalheira total, à corrupção desenfreada e à roubalheira plena. Por que alguém se preocuparia com as injustiças sociais? Suas excelências, os parlamentares, estariam cheios de razão em massacrar os eleitores que os elegem, contanto que possam usufruir nababescamente de todas as benesses de seus cargos. Haveria impunidade plena nesta vida, e nada existiria depois dela.

Se isso é verdade, por que se combater e condenar os ladrões comuns, os traficantes, contrabandistas e demais criminosos? Também eles querem desfrutar das riquezas materiais, querem acumular patrimônio para deixarem aos seus descendentes. Entretanto, as leis protegem os legisladores e massacram os que não são poderosos ao ponto de se associarem aos políticos.

Alguma coisa está errada nessa linha de raciocínio, e é preciso corrigir com urgência. Aproveite-se o Natal para pedir à espiritualidade superior (se é que ela existe) inspiração no sentido de se encontrar o caminho para não mais eleger político corrupto, para não mais sermos coniventes com a impunidade.

Não reeleger nenhum governante em 2018 e em 2020 é uma solução preliminar. Mas até lá, como sobreviver com a bandalheira que foi implantada em Pindorama? É difícil, muito difícil, acreditar que o Brasil é o “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”.

Entretanto, sou otimista e “Deus é brasileiro”. Se os políticos criarem juízo, e se os eleitores também criarem juízo e não reelegerem nenhum dos atuais governantes em 2018, as contas públicas poderão se reequilibrar a partir de 2019. E se houver total renovação nas eleições de 2020 e de 2022, o país poderá chegar refeito em 2030, podendo, então, dizer que chegou ao primeiro mundo.

Por que não? Poderá acontecer um milagre!

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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