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A PEC do sistema previdenciário

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Henrique Meirelles (ministro da Fazenda e responsável pela reforma da Previdência), Michel Temer (presidente da República), Eunício Oliveira (presidente do Senado) e Rodrigo Maia (presidente da Câmara dos Deputados) sabem que nem tudo é paz e no amor, em se considerando a temida “base aliada”, e que a reforma da Previdência proposta na PEC 287/216 custará muito caro aos cofres públicos. A ganância e o oportunismo de suas excelências os parlamentares são insaciáveis. Em editorial a Folha de S. Paulo diz que “metade dos 36 integrantes do colegiado (que analisa a proposta governamental) se opõe à fixação da idade mínima de 65 anos para aposentadoria; a maioria discorda da equiparação de direitos entre homens e mulheres, do novo cálculo do valor dos benefícios e das regras de transposição para quem já está no mercado de trabalho”. Enquanto isso a comprometida oposição (sic) não sabe o que fazer.

A tendência é o povo ir para as ruas rejeitando a PEC, e em 2018 haverá eleições, o que complica a vida de quem pretende a reeleição. Os senhores parlamentares (em todos os níveis) venderão caro suas “convicções”, uma vez que seus custos junto aos independentes cabos-eleitorais também crescerão. O Comitê Estadual de Defesa da Previdência Social, de Mato Grosso do Sul, por exemplo, já anunciou que divulgará em outdoors, faixas e cartazes, as fotografias e os nomes dos parlamentares do Estado que votarem favoravelmente à proposta de reforma.

A Constituição de 1988 determina que os brasileiros sejam iguais perante a lei, portanto, quando a PEC for aprovada pelo Congresso Nacional deverá trazer em seu artigo primeiro que o seu conteúdo é valido para todos os cidadãos de Pindorama, incluindo os parlamentares (vereadores, deputados estaduais, deputados federais e senadores), prefeitos, governadores, presidente da República, juízes, desembargadores, ministros, funcionários públicos (municipais, estaduais e federais), militares (polícia militar, exército, marinha e aeronáutica) e o povão em geral.

Somente assim se cumpriria os preceitos constitucionais em sua integridade republicana. Entretanto, não é o que se vê no texto em discussão na Comissão Especial instituída pela Câmara dos Deputados.

Para concretização dessa fantástica reforma, o governo convocou dois renomados juristas de ilibada reputação e reconhecido saber para comandarem a mudança da estrutura da previdência brasileira. Na presidência ficou o deputado Carlos Eduardo Xavier Marun (PMDB e apaixonado defensor de Eduardo Cunha), que ditará os rumos do processo; ele é formado em direito pelo Centro Universitário de Campo Grande (MS) e nunca exerceu a profissão de advogado. Para a relatoria nada menos que o deputado Arthur de Oliveira Maia da Silva (PPS, linha auxiliar do PSDB), que tem um escritório de advocacia no município de Guanambi-BA, onde já foi vereador; ele responde por vários processos criminais.

A proposta eixo assenta-se na elevação da idade mínima de 65 anos para a aposentadoria de homens e mulheres, com um mínimo de 25 anos de contribuição, tanto para o INSS quanto para os servidores públicos (excetuando os políticos, os juízes e os militares, é claro). Segundo consta, Michel Temer se aposentou com 55 anos e salário de R$ 30,613 mil, e Henrique Meirelles com 57 anos e salário de R$ 250 mil. Outros que se aposentaram bastante jovens foram os ex-presidentes Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. E na época nenhum deles protestou contra o sistema.

Destaque-se que pela regra de cálculo prevista na PEC, o aposentado receberá 51% da média anual de todos os seus salários de contribuição e mais 1 p.p. por ano de contribuição. Essa regra faz com que, para se aposentar com 100% do seu salário médio de contribuição, o trabalhador terá que contribuir por 49 anos. Consequentemente, para que alguém se aposente na idade mínima de 65 anos, os 100% do salário médio de contribuição só serão atingidos se o “aposentado” começar a trabalhar aos 16 anos de idade, e documentar todo o período. Uma pessoa que curse uma universidade (graduação) e depois faça uma pós-graduação, se tudo correr bem, começará a trabalhar com 25 anos, informam as estatísticas. Nesse caso, só atingirá os 100% sobre a média do salário de contribuição aos 74 anos.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, e seus auxiliares para a área previdenciária, dizem que isso é justo e adotado pelos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico que reúne os países mais industrializados do mundo e alguns países emergentes (como México, Chile, Coréia do Sul e Turquia), uma vez que é preciso considerar a “taxa de reposição média do sistema previdenciário”. Esse conceito cabalístico é definido como sendo a mediana do benefício bruto dos aposentados com idade entre 50 e 59 anos dividida pela mediana das rendas brutas das pessoas com idade 55 a 64 anos. Portanto, a tal taxa de reposição é uma aproximação estatística de quanto o aposentado ganha em relação ao nível dos salários na economia nacional. Simples assim.

Entretanto, considerando que as estatísticas brasileiras, às vezes, são manipuladas segundo as conveniências dos mandatários do momento, não há transparência no sistema. O representante do capital internacional no governo de Michel Temer justifica dizendo que o atual sistema previdenciário foi estruturado nos anos 1980 (a década perdida) quando um brasileiro com 60 anos tinha expectativa de sobrevida de 15 anos. Agora, um brasileiro com 70 anos viverá por mais 15 anos. Portanto, estatisticamente, ter 70 anos hoje equivale ter 60 no início dos anos 1980.

E tem mais, será instituída uma alíquota, a ser definida e regulamentada, para o trabalhador rural e o pescador artesanal. Também haverá mudanças na assistência social, atendimento aos idosos pobres que atualmente recebem um salário mínimo. O benefício será desvinculado do salário mínimo e a idade será aumentada de 65 para 70. Os responsáveis pelo sistema, “generosamente”, reconhecem que é necessário dar uma atenção especial aos desempregados nas faixas etárias elevadas, mas ainda não definiram em que base estatística isso será feito.

As tais regras de transição entre um sistema e outro ainda não foram definidas. É claro que existem, mas são tratadas como segredo de estado, o que é extremamente preocupante, em se considerando o que já foi proposto para os outros itens.

Na propaganda governista divulgada em quase todos os órgãos da mídia nacional, Meirelles e Temer trombeteiam que em 2016 ocorreu um déficit de R$ 149,7 bilhões na Previdência Social. Além de haver contestações técnicas quanto a esse valor, o que chama a atenção é que o governo esconde que os devedores (mais de 500 nomes de empresas públicas, empresas privadas, fundações, governos estaduais e prefeituras) da Previdência Social acumulam uma dívida de R$ 426,08 bilhões aos cofres públicos (como não há transparência nesses números, o valor real poderá ser maior).

Apenas para citar alguns devedores: Varig (faliu em 2006) – R$ 3,713 bilhões; Vasp (faliu em 2008) – R$ 1,683 bilhão; JBS (da Friboi) – R$ 1,8 bilhão; Banco do Ceará (Bancesa) – R$ 1,418 bilhão; Caixa Econômica Federal – R$ 549 milhões; Bradesco – R$ 465 milhões; TV Manchete – R$ 336 milhões; Vale – R$ 275 milhões; Banco do Brasil – R$ 208 milhões; Itaú Unibanco – R$ 88 milhões.

Que há necessidade de uma reforma no sistema previdenciário ninguém nega, mas não nos termos em que está sendo colocada. Também é fundamental uma reforma tributária e outra monetária. Sobretudo, é imprescindível uma profunda reforma na estrutura eleitoral. Isto sem falar em uma reforma moral e ética na política nacional.

LANDES PEREIRA. Economista com doutorado; é professor de Economia política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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