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Uma escola solidária e desafiadora. Sonhar é preciso

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A educação é matéria diária estampada nos jornais brasileiros, em seus diversos veículos. A maioria dessas notícias, infelizmente, não é positiva e, de um modo geral, há um consenso de que a educação anda muito mal das pernas entre nós.

Mato Grosso do Sul e nossa capital, Campo Grande, não fogem à regra. A cidade tem uma população de mais de 800.000 habitantes e quase a metade dela (aproximadamente 40%), corresponde ao universo de estudantes da educação infantil, básica e média. Este percentual corresponde a um dos alvos prioritários do sistema de educação pública, municipal e estadual, visando a preparação de crianças e de jovens para o mundo do trabalho e para a cidadania. E, como é sabido, as diretrizes e bases da educação determinam que as crianças desde a mais tenra idade sejam, de fato, a meta primordial da educação formal ou não formal promovida através de políticas públicas.

A realidade da escola pública, de um modo bem geral, é complicada, para dizer o mínimo. Sua crise é profunda e estrutural, arrastando-se por longos anos e não será solucionada em curto espaço de tempo. 

A começar pela situação de desprestígio e má remuneração dos docentes e dos operadores da educação infantil que, por outro lado, nem sempre estão em situação tão difícil quanto os do sistema estadual. 

É sabido, também, que alguns poucos municípios sul-mato-grossenses conseguem oferecer melhores condições de trabalho (entenda-se condições estruturais e salariais) aos seus docentes do que o estado.

As questões mais relevantes da educação básica, entretanto, não se confinam dentro dos muros da escola, embora nestes limites muitas coisas devam ser mudadas ou aperfeiçoadas. Diante de tantas mazelas expressas nas avaliações de alunos (o fraco desempenho de crianças em leitura e raciocínio matemático, por exemplo) e no descontentamento crônico dos professores, para citar apenas alguns dos problemas, uma solução a ser desenvolvida em curto prazo é a política de redução de danos.

No nível interno da escola, a mudança fundamental e viável a ser realizada é a valorização do professor enquanto eixo fundamental do processo da educação. Esta valorização não passa necessariamente por melhorias salariais imediatas, planos de carreira e capacitação, concursos para ingresso ou gestão democrática, tais como são discutidas e realizadas hoje nas escolas públicas.  Tudo isso é importante e necessário, a começar pela formação/capacitação do docente. Mas, o foco deve ser outro: a valorização do docente pode ser alcançada através da transformação do professor em protagonista real da educação, constituindo-se também em objeto da educação continuada. Esse docente precisa de tempo e capacitação específica para atuar em ações educativas fora de sala de aula e dos muros da escola. 

Os alunos, crianças e pré-adolescentes, são os alvos primordiais deste agente educador e solidário, mas o seu trabalho necessita estender-se pelas famílias dos alunos e por todo o bairro a que pertence a sua escola. Se o coração da escola é o aluno, o professor solidário é a sua alma e a família, o seu corpo

Como protagonista, o professor necessita apresentar um perfil de competências e de habilidades, permanentemente treinadas e avaliadas, no âmbito de sua sala de aula, no âmbito de sua escola e no âmbito da sua sociedade. Na sala de aula o alvo é a formação adequada ao mundo real do aluno, bem como o combate à desmotivação para os estudos e ao fracasso escolar que desembocam na repetência e na evasão. Na escola, o docente deve protagonizar a denominada (e mal compreendida) gestão democrática, compartilhando todos os problemas e soluções para o funcionamento da sua unidade, cumprindo metas da proposta político-pedagógica da escola e participando de forma integrada e integral de tudo que se relaciona a este lugar: da limpeza do prédio aos critérios de seleção de novos docentes e funcionários.

Todavia, considerando que a escola é parte de uma trama social muito mais ampla e complexa, a atuação dos docentes da educação básica acaba por substituir as famílias que já não desempenham mais o papel clássico da formação das crianças. As carências detectadas vêm sendo transferidas para a escola que, além de ser um conveniente depósito de crianças, passam também a fazer o papel de pai e mãe (ou avós, ou responsáveis) no processo de transmissão de valores e de princípios de convívio humano e de cidadania. E a escola faz isso de forma mal-ajambrada, posto que os cuidados da família são insubstituíveis.

Na perspectiva de uma política de redução de danos, dos portões para fora da escola, o docente protagonista da educação deve representar a escola cidadã-solidária e dirigir seu trabalho em direção à família de seu aluno, integrando e articulando a educação em sentido mais amplo e abrangente. Dessa maneira estará formada uma rede articulada à economia solidária, que tem por metas gerar emprego e renda às famílias, capacitar adultos trabalhadores, crianças e jovens para as mais diversas formas alternativas de organização do trabalho, promover a cidadania e a solidariedade e manejar de forma responsável os recursos da natureza. Parece utopia, não é mesmo?

Não se trata de uma política educacional voltada aos pobres (não se trata de assistencialismo), mas para toda a sociedade que deveria poder contar com uma educação pública, gratuita e de qualidade para todos, indistintamente.

Uma escola solidária é uma escola teoricamente sem muros, aberta e comprometida com as necessidades do bairro em que se situa. A escola cidadã é concebida como um pólo articulador e irradiador de ações que promovam a discussão, o conhecimento e a solução criativa para os problemas de violência e segurança dos alunos e de sua família, da necessidade de prevenir o tráfico (e a dependência) de drogas e, mais recentemente, da difusão pelas redes sociais de estímulos ao suicídio, através de jogos perigosos e perversos. Este perigo (o nefasto jogo da Baleia Azul) ronda crianças e jovens, aliciando os que se encontram em vulnerabilidade social, psíquica e afetiva. 

Esta escola dos sonhos deve ser também responsável pela difusão permanente dos valores éticos que fomentam a solidariedade e a tolerância, promovendo uma vida social compartilhada e com respeito a multiculturalidade de raças e etnias que formam o povo brasileiro e sul-mato-grossense. Assim serão formados cidadãos do futuro e líderes que atuem na política como deve ser em uma democracia de verdade.

Por fim, vale ressaltar que qualquer reforma ou intervenção do estado na legislação e nas políticas públicas para a educação, por mais questionadas e imperfeitas que sejam, podem visar a redução dos danos atuais. Como está, não pode ficar.

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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