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O grupo J&F e a economia sul-mato-grossense

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A agropecuária é um componente fundamental para a economia de Mato Grosso do Sul porque ela impulsiona os setores industrial e de serviços. Quando o agronegócio vai bem não há crise regional, ao contrário de outras regiões do País. A composição do PIB estadual é a seguinte: agropecuária – 15,8%, indústria – 16,7% e serviços 67,5%, mas tudo gira em torno da agropecuária. O Estado detém o segundo maior rebanho bovino do País e é o segundo exportador de carne.

O Grupo J&F surgiu de uma pequena empresa goiana fundada em 1953 e se transformou em uma poderosa holding multinacional com 273 mil funcionários, faturamento de R$ 185 bilhões e uma dívida bruta de R$ 70 bilhões. Henrique Meirelles (PSDB) se elegeu deputado federal por Goiás, mas não exerceu o mandato porque foi nomeado por Lula para ser Presidente do Banco Central, onde ficou por oito anos. Em 2007 o estatuto do BNDES foi modificado para que o banco pudesse financiar a expansão do Grupo J&F, para que ele pudesse fazer aquisições de ativos no exterior.

Ao deixar o BC Henrique Meirelles voltou ao sistema financeiro internacional e, pouco depois, assumiu a presidência do Conselho de Administração da J&F. Deixou essa função para assumir o ministério da Fazenda a convite de Michel Temer, por exigência dos banqueiros.

Entre as empresas que compõem o conglomerado J&F, no Brasil, estão 92% da JBS, do ramo de alimentos (lucro de R$ 0,4 bilhão, em 2016, e dívida de R$ 56,2 bilhões) – os Irmãos Batista têm participação de 44% na empresa; 2,8% da Vigor (lácteos com lucro de R$ 0,01 bilhão e dívida de R$ 1,4 bilhão); Alpargatas - dona da marca Havaianas, (calçados com lucro R$ 0,3 bilhão e dívida de R$ 0,6 bilhão); 1,7% da Eldorado (celulose com lucro de R$ 0,3 bilhão e dívida de R$ 9,1 bilhões); 0,5% do Banco Original (lucro de R$ 0,04 bilhão); 0,5% da Flora (do ramo de higiene e limpeza que acumulou prejuízos nos últimos anos e tem uma dívida de R$ 0,03 bilhão); tem 0,3% da empresa de energia Âmbar (faturamento de R$ 550 milhões em 2016).

O delator Ricardo Saud, executivo do grupo, disse que o JBS pagou propina para assumir empresas de saneamento de cinco Estados (Rio Grande do Norte, Alagoas, Mato Grosso do Sul – o governo concedeu um incentivo fiscal de R$ 1 bilhão para a JBS, Minas Gerais e Santa Catarina). Para tanto, a empresa teria patrocinado a campanha dos atuais governadores, que negam terem recebido propina. Devido à crise das empresas empreiteiras em decorrência da Operação Lava Jato, o grupo desistiu do projeto do setor de saneamento.

Uma investigação da PF em Mato Grosso do Sul, antes da delação de Joesley Batista, havia enviado à Justiça Federal um conjunto de planilhas da JBS que indicam o pagamento de R$ 34 milhões em propinas para políticos e para o PMDB do Estado. Os documentos foram apreendidos durante a Operação Lama Asfáltica que investigava um suposto superfaturamento de obras e desvios de recursos públicos. Um dos investigados é o ex-governador André Puccinelli (PMDB). Uma auditoria feita nas planilhas apontou correspondência entre os benefícios obtidos pela JBS na área tributária e os valores anotados como pagamentos, na proporção de 20%. Pelas anotações R$ 5 milhões foram pagos ao PMDB, R$ 9,2 milhões para João Amorim (empreiteiro) e R$ 2 milhões para a Gráfica Alvorada. Wesley Batista, no acordo firmado com a PGR, afirmou que o esquema de corrupção começou na época do ex-governador Zeca do PT. Afirmou, também, que a JBS pagou R$ 150 milhões como remuneração pelos decretos, tanto na gestão de Puccinelli quanto na do atual governador Reynaldo Azambuja (PSDB). Como todos os políticos delatados por corrupção, os três negam.

Os irmãos Joesley e Wesley Batista, pelo acordo fechado com o Ministério Público, pagarão R$ 220 milhões e a JBS pagará R$ 10,3 bilhões. A J&F se comprometeu pagar a multa imposta à JBS, que enfrenta uma crise de credibilidade e está sendo pressionada pelos bancos (Caixa Econômica Federal é o principal credor, com cerca de R$ 10 bilhões, o segundo credor é o Banco do Brasil com R$ 4,7 bilhões) que querem novas garantias para rolar os empréstimos. Além do mais ela deve responder a outros processos de outros órgãos. A JBS já responde a 34 mil ações trabalhistas, e a tendência é triplicar esse número até o final de 2017.

Os pecuaristas que venderam a prazo para o frigorífico JBS estão com dificuldades para descontarem as NPRs porque os bancos que realizam operações rurais não estão recebendo Nota Promissória Rural emitida pela empresa. Mato Grosso do Sul tem trinta plantas (instalações de abate e preparação de carnes), das quais as oito maiores são da JBS e são responsáveis por 44,8% dos abates realizados no Estado.

As coisas estão ruins para os pecuaristas desde o advento da Operação Carne Fraca. Em março foram abatidas 132.827 rezes e em abril apenas 73.641, registrando uma queda de 44,55% em MS (na unidade de Nova Andradina os abates caíram de 14.655 em março para 3.271 em abril; nas unidades de Anastácio e Naviraí, que abateram 13.408 e 20.875 cabeças, respectivamente, em março, nada abateram em abril; a unidade de Coxim foi fechada em fevereiro; as unidades de Ponta Porã, Naviraí, Nova Andradina e Anastácio deram férias coletivas de 30 dias para os funcionários). Os dados de maio ainda não foram divulgados.

Por determinação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica a JBS fechou os frigoríficos de bovinos de Santa Fé do Sul (SP) e de Cachoeira Alta (GO). As plantas eram arrendadas do Rodopa. Os funcionários poderão ser transferidos ou demitidos, de acordo com os interesses da empresa. A Folha de S. Paulo noticiou: “Pressionada por credores, a JBS vai vender sua operação na Argentina, no Uruguai e no Paraguai por US$ 300 milhões (R$ 1 bilhão) para o rival Minerva. O valor está abaixo do pago pelas instalações que passou dos US$ 360 milhões”.

A crise em andamento no grupo JBS, que tende a se aprofundar, se reflete diretamente nos preços da arroba do boi gordo e, consequentemente, no preço dos bezerros (mercadoria de reposição para os invernistas). Essa situação, além de gerar situações difíceis para os produtores, impactam o mercado futuro e toda a economia de Mato Grosso do Sul. Em março passado, a diferença entre a dívida da JBS e a disponibilidade em caixa era de R$ 48 bilhões, de lá para cá deve ter aumentado significativamente.

E ainda tem gente que acredita no discurso desses políticos “cara-de-pau” e seus financiadores travestidos de empresários.

LANDES PEREIRA. Economista com doutorado; é professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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