Cidade das crianças de Corumbá

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A colonização do Novo Mundo pelos exploradores ibéricos, espanhóis e portugueses, veio acompanhada da atuação de ordens religiosas. A participação desses religiosos foi tão importante que se tornou, de forma estratégica, a linha de frente da colonização. Foi a fase de “amansamento” e cristianização dos nativos, em especial pelos jesuítas, e que teve continuidade com outras ordens, depois que o ministro português Marquês de Pombal expulsou a Companhia de Jesus de todo o império lusitano.

O avanço dos súditos espanhóis na América do Sul pelo rio Paraguai, em direção às minas de Potosi, deixou suas marcas por onde passou, e onde depois seria território de Mato Grosso do Sul. Os jesuítas fundaram a missão de Itatim nos pantanais de Corumbá.

Bem mais tarde, a chegada de um grupo de padres salesianos, em 1894, representou outra etapa da presença de missões religiosas em Mato Grosso. Esses missionários partiram do Rio da Prata, subiram o rio Paraguai, passaram por Corumbá e instalaram-se definitivamente em Cuiabá. Na capital centraram os seus maiores esforços conforme seus objetivos de catequese de tribos indígenas da extensa região norte. Passaram a agrupar os índios em aldeamentos, chamados Colônias, onde ministravam ensino religioso, acompanhado de alfabetização, trabalhos manuais e hábitos “civilizados”, como o de vestir roupas. Ainda em Cuiabá, instalaram o Liceu Salesiano, exercendo grande influência na educação de crianças e jovens e construíram o Observatório Meteorológico Dom Bosco, entre outras atividades.

Em Corumbá, a segunda cidade do estado no início do século XX, e a mais importante região portuária da fronteira com uma extraordinária movimentação de navios mercantes, os salesianos fundaram o Colégio Santa Teresa. Em 1908, um documento registrava o seu funcionamento, com internato e externato, cursos elementar e comercial, e uma média de 150 alunos.

O Colégio Santa Teresa tornou-se um marco da educação na fronteira oeste, formando muitas gerações de jovens, incluindo pessoas que adquiriram projeção nacional como, por exemplo, o ex-Ministro do Planejamento Roberto Campos, o ex-embaixador Mario Calábria e o herói socialista Apolônio de Carvalho. Até hoje, a escola centenária cumpre o seu papel de contribuir para a educação dos jovens corumbaenses.

Porém, houve um fato novo nos projetos salesianos com a implantação de uma escola diferenciada e marcadamente humana e solidária, projetada por um jovem padre idealista, transformando-se numa das mais significativas experiências educacionais do Centro Oeste brasileiro. Esta experiência, tão cara aos corumbaenses, é a Cidade Dom Bosco, e não pode ser dissociada do seu idealizador, o padre Ernesto Sassida.

Ainda jovem, esse seminarista italiano chegou ao Brasil para completar seus estudos em Cuiabá e em São Paulo. Em 1940 dirigiu-se a Corumbá como professor do Colégio Santa Teresa, onde trabalhou por alguns anos. Nesse período, extrapolando os muros da escola, interagiu, através da organização de atividades esportivas e festas religiosas, com a população pobre da periferia da cidade, marcadamente na região fronteiriça com a Bolívia. Mais tarde, em 1950, instalou-se de forma definitiva em Corumbá como sacerdote e professor, fundando a União dos Ex-Alunos Salesianos de Dom Bosco. A partir de então participou de várias atividades de organização comunitária, como escolas, organizações solidárias de jovens carentes, entidades femininas, centro esportivo entre outros.

No final da década de 50, o Padre Sassida fez um amplo levantamento da população e de suas miseráveis moradias na região da Cidade Jardim (onde hoje se localiza o Bairro Dom Bosco), constatando a necessidade de uma escola com funções educacional e assistencial. Em abril de 1961, implantou a escola num barracão cedido por uma moradora, constituindo-se na gênese da Cidade Dom Bosco que, 7 anos depois, se transformou em ginásio estadual. Por essa época, carente de recursos para atender a dimensão educacional e social do seu empreendimento, Sassida empreendeu um arrojado projeto no exterior chamado “Adoção à Distância”, uma ideia simples que deu muito certo. Significava convencer pessoas no exterior para “adotar” um estudante carente com uma bolsa que suprisse sua sustentação na escola, incluindo roupas e alimentos. Hoje, a Cidade Dom Bosco está consolidada, com inúmeras atividades sociais, como um dos patrimônios mais significativos da cidade de Corumbá.

Segundo o jornalista corumbaense Schabib Hany, esta “obra social ... atravessou cinco décadas sem perder a ousadia, sem perder o pioneirismo, sem perder a idéia-motriz de sua gênese: o amor como instrumento de integração social de expressiva parcela da população de uma das mais ricas regiões do planeta”. O padre Ernesto Sassida, acima de críticas e sem esperar por reconhecimento pessoal, fez com ousadia a diferença na vida de inúmeras crianças de Corumbá.  Morreu aos 93 anos, em 13 de março de 2013.

(Vou tirar umas férias. Voltarei em breve)

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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