STF perde tempo para decidir o óbvio, mas o voto de Barroso foi arrasador

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Conforme previsto nos dois artigos aqui publicados dias atrás, em 13 e 19 de Setembro, Temer sofreu a segunda e fragorosa derrota no Supremo Tribunal Federal (STF).

No primeiro julgamento, o escore foi de 9 a 0. Na sessão plenária desta quarta-feira (20/9), o resultado provisório é de 7 a 1.

Como o julgamento termina hoje e ainda faltam colher os votos de três ministros (Marco Aurélio, Celso de Mello e Cármen Lúcia), votos que serão proferidos na sessão desta tarde, quinta-feira (21/9), o resultado final contra Temer será de 10 a 1. Este 1 é o voto do ministro Gilmar Mendes, que dispensa consideração e que não é o objeto deste artigo. 

Aborda-se dois fatos. O primeiro diz respeito à perda de tempo. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) precisou de três sessões plenárias para discutir o que era indiscutível e decidir pelo que é óbvio: a) que a prerrogativa de apresentar denúncia-crime contra o presidente da República é da exclusiva competência do procurador-geral da República (PGR); b)  que a denúncia, antes de ser recebida ou não pela Corte, e tal como apresentada pelo PGR, bem ou mal redigida, suficiente ou insuficientemente aparelhada de provas, inepta ou não, obrigatoriamente deve, antes, ser enviada pelo STF à Câmara dos Deputados para que, por dois terços de seus integrantes, autorize ou não o seu processamento pelo STF.

Ora, meu Deus, são dois ordenamentos, duas disposições que estão na Constituição Federal! Gastar três sessões para examinar essa questão, tão simples e primária, é perda de tempo. E gastança do dinheiro público à toa.

O outro tema, que diz respeito à validade ou não das provas obtidas por meio de delações premiadas dos irmãos Batista, nem deveria ser objeto de exame pelo STF. A uma, porque somente após a autorização da Câmara dos Deputados é que a denúncia e as provas que a instruem serão objeto de exame de julgamento pelo STF. Além disso, a Corte não pode se antecipar e se pronunciar sobre validade ou não de provas de uma denúncia-crime contra o presidente da República, denúncia esta que, a rigor e em obediência à Constituição Federal, nem deveria ter sido lida antes pelo STF, porque ao STF foi entregue apenas para seu imediato encaminhamento à Câmara.

Bastaria o relator assim despachar: "Encaminhe-se à Câmara dos Deputados". A duas, porque "a maioria dos elementos da denúncia não foram tiradas da colaboração (dos irmãos Batista)...", como ressaltou o ministro Luis Roberto Barroso no seu voto. Portanto, o povo brasileiro e a comunidade jurídica do país assistiram a um desastrado procedimento ritual do STF. E que poderia ter sido muito pior, se os ministros dessem razão a Temer.

Agora, o segundo fato. Passou despercebido dos jornalistas aquela parte do objetivo voto de Barroso em que o ministro fez recair toda a responsabilidade, tocante ao caso em questão, sobre os ombros dos deputados federais. Ou sobre seus colos colocou a(s) bomba(s). Com seu jeito didático de expor e explicar (Barroso era professor da UERJ antes de ser ministro), com seu suave tom de voz, fronte sempre erguida, olhar sereno, e ampla visão social, Barroso disse:

"caberá à Câmara admitir ou não a acusação para que se possa, efetivamente, apurar se, de fato, integrava organização criminosa o ex-ministro de estado acusado de guardar R$51 milhões em apartamento em Salvador".

Que bomba, hein! Se a Câmara não admitir, a desmoralização será total e apanha todos os deputados. Barroso ainda fez outras afirmações desconcertantes para os deputados, pondo-os contra a parede. Barroso atribuiu à Câmara a oportunidade do autorizar a Suprema Corte de dizer se dinheiros públicos do BNDES, da Petrobras, da ANAC ( e o ministro citou muitas outras instituições públicas federais que tiveram seus cofres saqueados ) foram utilizados para a corrupção, para pagar campanhas eleitorais...E Barroso terminou seu voto com esta verdadeira e inteligente afirmação: "A palavra está com a Câmara e não com o STF".

Para encerrar, voltemos ao início. Quanto tempo perdido pelo STF! Três sessões para decidir o óbvio! É oportuno lembrar aqui o que, ao longo dos 45 anos de exercício contínuo da advocacia, me ensinaram notáveis magistrados e experientes advogados, tais como Bezzera Câmara, Antonio Sebastião de Lima, Eliézer Rosa e seu irmão Eliazar, Carlos David Santos Aarão Reis, José Carlos Barbosa Moreira, Alyrio Cavalieri. Sérgio Cavalieri Filho, Luis Fux, Luis Felipe Salomão, Hélio Rocha...:

"O juiz que sentenciou nem deve ler o conteúdo da apelação contra a sua sentença. Se o recurso estiver no prazo, chame a parte contrária para respondê-lo e encaminhe logo os autos ao tribunal, a quem a apelação é dirigida".

É o caso desta denúncia do procurador-geral da República contra o presidente Temer e outros denunciados. A denúncia é apenas entregue ao STF. E a Corte e seu relator sabem muito bem que, primeiramente, destinatário dela é a Câmara dos Deputados, a quem deve ser a denúncia encaminhada, imediatamente, sem delongas e até mesmo sem antes ter sido lida pelo ministro-relator e/ou seus pares. E não tendo sido obedecido este rígido protocolo processual-legal, deu do que deu: perda de tempo e gastança desnecessária de dinheiro. Mas ainda assim, trouxe bom proveito, que foi o voto-bomba de Luis Roberto Barroso.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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