O modelo político brasileiro se esgotou

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Os planejadores, no processo de “planejamento estratégico”, recomendam que se construa um modelo teórico (os economistas chamam de “modelo econométrico”) que represente o conjunto de fenômenos complexos que compõe o objeto de estudo (uma empresa, um estado, um país, um sistema econômico, um sistema social ou um sistema político), de tal forma que se possa compreendê-los (os fenômenos) e prever-lhes a evolução. Depois do diagnóstico chega-se ao prognóstico (identificação das tendências do que deu certo, das distorções e dos pontos de estrangulamentos). A fase de planejamento (elaboração abstrata do que deve ser feito) trará a produção dos programas, planos e projetos.

A política adotada pressupõe a implementação (alocação de recursos e providências administrativas) para execução das prioridades definidas no processo de planejamento.

Essa metodologia é, na prática, o artifício para se encontrar a melhor forma de se explorar as condições favoráveis para que se alcance os objetivos determinados. Pressupõe eficácia e seriedade na aplicação dos recursos disponíveis. Nos países democráticos esse processo é explicado e exaustivamente discutido com a população. Nos países ditatoriais ou autocráticos os tecnocratas definem todo o processo nos gabinetes e os governantes decretam sua execução.

Ocorre uma crise econômico-social (fase de transição entre um surto de prosperidade e outro de depressão ou recessão) quando um determinado modelo se esgotou e ainda não se encontrou um novo para substituí-lo. A oferta fica abaixo da demanda, os salários caem e o desemprego aumenta, os banqueiros e especuladores financeiros se locupletam, os setores produtivos são pressionados pelas elevadas taxas de juros e exorbitante sistema tributário e os políticos sugam os cofres públicos em troca de apoio parlamentar.

Em 2002 a conjuntura internacional era favorável ao Brasil e a população estava satisfeita com a política neoliberal implantada por Fernando Collor/Itamar Franco e ampliada por Fernando Henrique Cardoso. Entretanto, as “esquerdas” queriam mais e conseguiram atrair o fisiológico PMDB para a tomada do poder. O projeto de reformas políticas e econômicas contidas no “Programa Democrático e Popular” do PT, por sua vez, desagradava o mercado financeiro nacional e internacional. Lula foi pressionado pelos aliados e, pragmaticamente, trocou a proposta petista pela “Carta aos Brasileiros” prometendo dar continuidade às diretrizes do Consenso de Washington.

A estratégia deu certo. Lula se elegeu, mas sua vitória não significou um “estelionato eleitoral” porque, previamente, tinha anunciado que o tripé macroeconômico vigente no governo FHC permaneceria, mas que os programas sociais seriam ampliados. Como garantia do compromisso assumido com o mercado, e para que o PT não se considerasse traído, Antônio Palloci foi nomeado ministro da Fazenda, Joaquim Levy (indicado pelos banqueiros) diretor do Tesouro e Henrique Meirelles (do Banco de Boston) presidente do Banco Central.

A militância petista assimilou bem a proposta porque a lógica (o compromisso subentendido) do “novo” modelo adotado foi a de que banqueiros e empresários ganhariam muito e sempre, mas que os assalariados e os excluídos do mercado também ganhariam alguma coisa.

Esse modelo de política econômica e social funcionou, aos trancos e barrancos, por doze longos anos, mas os especuladores internacionais trouxeram grandes volumes de capital financeiro.

A partir de 2008, com as adversidades internacionais crescentes (crise nos EUA e na União Europeia), o aparelho produtivo interno iniciou um crescente e espiralado desgaste operacional, enquanto o sistema político partidário se deteriorava e se envolvia em um enorme lamaçal de corrupção ativa e passiva. O processo saiu de controle no período de 2013/2014 devido a vários fatores importantes, mas principalmente pela necessidade de se manter o poder pela reeleição da presidente da República.

Os marqueteiros da coligação PT-PMDB convenceram os eleitores brasileiros que o modelo político-econômico-social vigente estava sobre controle, necessitando de pequenos ajustes. Mas que, em hipótese alguma, medidas de “arrocho” que prejudicassem os trabalhadores, os aposentados e as pessoas de baixa renda seriam adotadas. Também acalmou os empresários prometendo que os banqueiros não continuariam mandando na política nacional, e que a indústria e o agronegócio receberiam atenção especial. Prometeu ao povo que a educação e a saúde seriam as prioridades do governo, e que combateria a corrupção, inclusive na Petrobras, e que os culpados seriam punidos.

Antes mesmo de tomar posse para a nova fase administrativa, a presidente reeleita anunciou Joaquim Levy para o ministério da Fazenda (sob os aplausos dos banqueiros) e Katia Abreu para o ministério da Agricultura (por indicação da bancada ruralista). O restante do ministério foi cooptado na base do fisiologismo para manter a maioria parlamentar, em nome da governabilidade.

Ato contínuo vieram o aumento da taxa de juros, da alíquota de energia elétrica e dos combustíveis. A desvalorização do real e o arrocho tributário também contribuem para o aumento da inflação e a recessão econômica. As contas públicas de 2014 não fecharam (o déficit orçamentário é enorme e os gastos parlamentares aumentaram assustadoramente). Os cortes orçamentários foram profundos (incluindo recursos para o PAC) e o “pacote econômico” anunciado representa um verdadeiro “estelionato eleitoral” porque contém tudo o que a candidata à reeleição disse que não aconteceria.

Finalmente, ressalte-se que a conjuntura nacional e internacional é desfavorável para o Brasil. Os protestos vieram pesados, os investimentos fugiram e a corrupção continua acontecendo, apesar da prisão dos empresários corruptores (considerando que os políticos e seus prepostos na corrupção passiva continuam em liberdade).

O Executivo e o Congresso Nacional estão desgastados e tentam acalmar a população prometendo mudanças, enquanto trabalham para que tudo permaneça como está. Ou bem pior do que estava em 2014 uma vez que as mordomias parlamentares aumentaram.

Foto de Landes Pereira

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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