O sinal de Caim

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É a fúria da barbárie, a antecipação do fim dos tempos ou o Armagedon como registrou Nostradamus, cuja profecia foi obcecadamente procurada por Isaac Newton? Como é possível a prática de tantos crimes numa sociedade como a brasileira em tempos de paz? Será mesmo que vivemos numa sociedade civilizada ou é falácia que o povo brasileiro é pacífico, sendo assim cantado em prosa e verso? Essas perguntas incômodas motivam necessariamente uma intensa discussão sobre os rumos que estamos tomando.

Penso com tristeza que já vivemos um estado de violência costumeira que não nos surpreende mais, bastando ligar a televisão para ver o que está acontecendo em todo Brasil. Essa situação de violência do cotidiano não é nenhuma novidade para quem vive nos morros cariocas vivenciando uma verdadeira guerra civil, um desafio frontal e desmoralizador do poder público. Isso não é um exemplo único. Em todo o país ocorrem matanças por esquadrões da morte, assassinatos de jornalistas, massacres e latrocínios a cidadãos comuns, para citar alguns. Muitos dos pesquisadores que se debruçam sobre a criminalidade e a violência na história brasileira pontuam crimes horrorosos desde os idos do período colonial. Muitos desses trágicos acontecimentos ficavam restritos pela precariedade de comunicação a poucas pessoas, caindo no esquecimento. As ocorrências de crimes chegam até nós através do esforço de documentos antigos, jornais, inquéritos e processos judiciais esquecidos em arquivos empoeirados. Isso comprova que a história brasileira, como a história de muitos outros lugares, construída com muito sangue, é minimizada. 

Com a globalização e a revolução recente nos meios de comunicação, as notícias sobre acontecimentos criminais chegam em tempo real em cada canto do país. Em vista disso, vem horrorizando os brasileiros os odiosos crimes recentes motivados por ódio ou simplesmente pela total ausência de parâmetros de civilidade, moralidade e de caráter. São crimes de dimensões alarmantes, acontecendo muito próximos de nós e sem precedentes na vida brasileira. 

Um caso exemplar ocorrido há algum tempo refere-se ao  casal criminoso que jogou uma menininha do alto de um prédio. Foi um prato cheio para a imprensa sensacionalista que traumatizou a sociedade de fato.

Outro caso, que periodicamente aflora nas páginas da imprensa especializada em tragédias, foi o caso de uma garota cuja família vive em Mato Grosso do Sul, envolvendo um jogador de futebol famoso, de um time igualmente famoso. Aqui mesmo, há pouco tempo também uma arquiteta foi queimada viva pelo seu marido. Os noticiários de todas as mídias reproduzem insistentemente esses episódios, relembrando os horrores e seus requintes que atraem as atenções de todos.

E assim caminha a humanidade, com violência e mais violência. O escritor português Gonçalo Tavares, que é conhecido por obras que retratam a sordidez humana deu uma entrevista, quando esteve no Brasil, que ajuda a entender um pouco essa violência explícita. Disse de forma brilhante este mestre: “O ser humano é potencialmente uma máquina da maldade. Mas também é uma máquina de bondade. Temos dois motores em funcionamento, o de fazer atos maldosos e um para atos bondosos”. É preciso alimentar mais o nosso melhor lado.

Como muitos escritores dizem, de forma metafórica, a humanidade carrega desde os seus primórdios o sinal de Caim. E, ao meu ver, só existe uma solução: construir uma sociedade fraterna e humanista, baseada na educação para a cidadania e para a paz. Isso leva tempo e muito sacrifício, mas não é um sonho impossível.  

Valmir Batista Corrêa

Foto de Valmir Batista Corrêa

Valmir Batista Corrêa

É professor titular aposentado de História do Brasil da UFMS, com mestrado e doutorado pela USP. Pesquisador de História Regional, tem uma vasta produção historiográfica. É sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de MT, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de MS e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

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