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De quem é a culpa?

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O caos da infraestrutura de transporte retratada pela greve dos caminhoneiros não é culpa de Michel Temer e sua obscura equipe de assessores e ministros; não é culpa do atual Congresso Nacional ou do confuso Poder Judiciário. Nem também é culpa do PT e dos petistas. Mas, ao mesmo tempo, todos são culpados porque foram incompetentes para corrigir o sistema quando podiam, e não o fizeram.

Em uma semana ficou claro que quem manda no País dos banqueiros é a Petrobrás (a mesma do “temerário petrolão”) e os especuladores internacionais que manipulam as Bolsas de Valores.

A greve derreteu o restinho de credibilidade de algumas eminências governamentais, entre elas a de Michel Temer, Pedro Parente (presidente da Petrobrás), Henrique Meirelles (ex-ministro da Fazenda, ex-presidente do BankBoston, ex-presidente do Conselho de Administração da J&F, ex-presidente do BC e candidato temerista à presidência da República) e Ilan Golfajn (presidente do Banco Central). As Forças Armadas também foram chamuscadas.

Criminalizar as empresas de transportes de cargas e de passageiros, que sempre foram aliadas dos políticos no processo de dilapidação das finanças públicas, não levará ao equacionamento do problema. Que elas são culpadas e são as impulsionadoras dos protestos, ninguém tem dúvidas, mas o fato é que os protestos são justos e recebem o apoio irrestrito da espoliada população.

A causa primária do caos está no governo de Juscelino Kubistchek, quando ele fez um acordo com a indústria automobilística e iniciou a destruição do sistema ferroviário e do sistema de transporte de cabotagem. O segundo responsável pelo caos é o governo de Fernando Henrique Cardoso e seu programa de “privataria” que deu o golpe de misericórdia nas ferrovias e no sistema de transporte fluvial.

O terceiro culpado são os constituintes de 1988 que produziram a Carta magna que abriu as portas para a construção e consolidação do sistema político que pariu as facções partidárias. Facções essas que nasceram contaminadas com o vírus da corrupção que, por sua vez, contaminou a política nacional. Os corruptos de todas as facções e de todos os níveis governamentais levaram sessenta anos para empurrar o País para o “fundo do poço”. Agora, para reverter esse quadro, primeiro será necessário extirpar o “vírus da corrupção” e da impunidade para depois mudar a mentalidade dos eleitores brasileiros e, aí sim, reformar a infraestrutura da malha viária. Isso levará pelo menos cem anos, se começar em 2022 porque as eleições de 2018 já estão contaminadas, sem antídoto.

Mas a tragédia não para por aí: ela é mais dramática como mostram as estatísticas brasileiras, zombeteiramente deturpadas pelas explicações do presidente Michel Temer e seus obscuros ministros. Entre os quais se destaca o irônico Carlos Marun como sendo o mais inteligente e dinâmico entre todos.

Roberto Campos, o poderoso ministro do planejamento de Castelo Branco, costumava dizer que as estatísticas são como os biquínis: mostram tudo, menos o essencial, e que justificam tudo o que um bom economista queira justificar. Mario Henrique Simonsen, também poderoso ministro dos governos militares, zombava dos comentaristas de rádio, televisão e jornais, dizendo que eles eram especialistas em “análise de elevador”: subiu o dólar, caiu a bolsa; subiu a bolsa, caiu o dólar, e assim por diante, sem perceberem (ou escondendo) o que realmente estava acontecendo no país e no mundo, longe das resenhas governamentais.

Na atualidade os comentaristas da grande imprensa, todos altamente qualificados, inexplicavelmente (a não ser pelos altíssimos salários) continuam fazendo “análise de elevador” e concordando com as explicações governamentais. Afirmam, seguindo o discurso de Michel Temer, que o Brasil saiu da recessão e está em plena recuperação econômica. As assustadoras estatísticas divulgadas pelo IBGE são lidas da mesma forma, na mesma entonação de voz, que as notícias policiais das grandes metrópoles. Para eles o País está em plena normalidade e haverá renovação na política nacional após as eleições, e que a “greve dos caminhoneiros” é um fato isolado de um grupo de radicais (a Rede Globo abriu um enorme espação para que o irônico porta-voz do governo explicasse a conspiração dos proprietários das empresas de transportes).

Sem adentrar na complexidade conceitual das “contas nacionais” usada pelo órgão responsável pelas estatísticas, vejamos alguns números preocupantes. O número de subocupados é de 27,7 milhões, sendo 13,7 milhões de desempregados, 6,3 milhões de desocupados por insuficiência de horas, 4,6 milhões de desalentados e 3,1 milhões que buscam trabalho, mas não estavam disponíveis por outras questões. Nos 12 meses encerrados em março, o investimento federal totalizou uma queda de 54%, o que paralisa o País. A taxa Selic caiu para 6,5, mas os bancos (impunemente) mantêm altíssimas taxas de juros: crédito imobiliário (10,78), crédito às empresas (21,19) e crédito livre ao consumidor (57,21).

Mesmo com esse quadro recessivo, o governo e as redes de televisão propalam para o povo de Pindorama, o paraíso invadido pelos portugueses, que o país saiu da recessão e marcha firme para a recuperação econômica. Justificam que a retomada do desenvolvimento está lenta devido ao baixo consumo familiar e que a culpa é exclusiva dos governos petistas. Na realidade isso ocorre devido ao baixo nível de renda, consequência dos desmandos administrativos de todos os governantes que alimentaram a corrupção das facções partidárias. Os macroeconomistas ensinam que “renda é igual a consumo mais investimento”. Quando a renda baixa a tendência é reduzir o investimento, depois a redução é do próprio consumo.

O establishment político, hoje representado por Michel Temer, sem saber o que fazer para equacionar os problemas que se tornaram maiores que o próprio governo, determinou que as Forças Armadas desbloqueiem as rodovias de todo o território nacional e, se necessário, prendam os grevistas. As Forças Armadas, que já exerciam as funções de forças auxiliares das Polícias Militares e dos agentes penitenciários (antigos carcereiros), agora foram elevadas a auxiliares das Polícias Rodoviárias.

Caxias, Tamandaré e Eduardo Gomes não tiveram esses problemas.

Foto de Landes Pereira

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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