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Precondições para alavancagem do desenvolvimento

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Após as crises econômicas é preciso recomeçar de um ponto zero (ou quase zero) para recompor o aparelho produtivo e a própria reorganização social. Para tanto, uma das precondições para a arrancada do desenvolvimento sistemático é a reconstrução do capital social básico da nação (ferrovias, portos, rodovias, usinas geradoras de energia, etc.). Por outro lado, é preciso saber lidar com as políticas públicas de formação de capitais em função da renda nacional agregada, não podendo haver desvios de objetivos no decorrer do processo.

Percebe-se que a crise econômica se aprofunda quando a renda nacional não é suficiente para cobrir o consumo agregado da população e os investimentos necessários para a expansão da produção. Tal situação requer novos investimentos sociais fixos que, então, assumem três características diferentes das do investimento em geral apresentados nos clássicos modelos macroeconômicos.

Os períodos de gestação e remuneração do capital investido são longos, como é o caso da implantação de uma ferrovia, de um porto marítimo ou de uma usina hidroelétrica com suas linhas de transmissão. Depois, os volumes financeiros são altos e concentrados no tempo, ou a obra se inviabiliza operacionalmente, tornando-se um “elefante branco” (uma ferrovia que vai para lugar nenhum, ou uma hidroelétrica inacabada, por exemplo). Finalmente, é da natureza intrínseca desses empreendimentos que a maior parte dos lucros oriundos do capital social fixo, retorne à comunidade como um todo (por vias indiretas) ao invés de irem integralmente para os empresários que o puseram em movimento.

Esses motivos justificariam subsídios governamentais que normalmente são concedidos, principalmente nas formas de concessões territoriais, operacionais e fiscais, todos socialmente justificáveis. Infelizmente algumas vezes ocorrem desvios financeiros devido à dispersão de objetivos, ou na forma de corrupção passiva de políticos que deveriam zelar pela lisura dos empreendimentos. O governo brasileiro, inexplicavelmente, abre mão de 4% do PIB em tributos (incentivos tributários), mais que o dobro de seu déficit de caixa.

Os países hoje desenvolvidos se preocuparam com a formação de seus capitais básicos para sustentação de seus aparelhos produtivos. Os EUA, a Rússia, o Canadá e os países europeus sãos exemplos clássicos porque todos se empenharam na construção e manutenção de vias de transporte, portos para escoamento da produção, usinas geradoras de energia, eficientes e seguras. Essas condições atraem e sustentam investimentos na educação, no desenvolvimento tecnológico, na agroindústria, na indústria e na prestação de serviços apropriados às necessidades nacionais.

O Brasil, infelizmente, não seguiu essa trajetória da lógica econômica. As ferrovias precariamente instaladas no final do século XIX e início do século XX foram quase totalmente destruídas pelos governos de JK e de FHC para implantação de um sistema rodoviário caro, ineficiente e grande consumidor de petróleo. Os portos marítimos são alimentados por caminhões movidos à óleo diesel e as rodovias são ruins e altamente “pedagiadas”, tornando o “custo Brasil” um dos mais altos do mundo. As empresas automobilísticas, de autopeças e distribuidoras de combustíveis estão satisfeitíssimas com o resultado. Os políticos corruptos e as empresas de engenharia rodoviária, que enriqueceram e enriquecem com os desmandos desses, setores também não reclamam.

Entretanto a economia e o povo brasileiros vão de mal a pior, e a crise tende a se aprofundar no curto e no médio prazo. Agora, para redirecionar o desenvolvimento econômico-social brasileiro serão necessários grandes esforços e profundas mudanças, principalmente no sistema político-partidário. Vejam-se algumas consequências dos desmandos administrativos. A economia, em 2017, cresceu 1%, em ritmo trimestral lento (1,3%, 0,6%, 02% e 0,1%), enquanto que a média anual de desocupação cresceu de 6,7 milhões em 2014 para 13,2 milhões em 2017. A taxa de pobreza nacional se ampliou consideravelmente, aumentando as desigualdades de renda e a capacidade de investimento do aparelho produtivo.

O endividamento público, por sua vez, se encaminha para 80% do PIB e o déficit das contas públicas, para 2019, está previsto em R$ 254 bilhões. As taxas de juros continuam muito altas, enquanto os banqueiros usufruem de fartos lucros. Não haverá sobras para investimentos na recuperação do capital social básico, a não ser que se extinga a corrupção e os esdrúxulos privilégios dos políticos nacionais.

Do ponto de vista (teórico) da sociologia política, esse panorama conjuntural e estrutural é extremamente preocupante porque quando se percebe um sentimento crescente de que o modus comportamental de importantes segmentos sociais deixou de funcionar adequadamente, é porque está ocorrendo uma “crise paradigmática”. Significa que o modelo até então vigente se esgotou e são necessárias mudanças, que poderão ocorrer de modo pacífico ou de forma violenta, mas que acontecerá mais cedo ou mais tarde. A história universal está cheia de exemplos.

As grandes e pequenas revoluções, assim como as revoltas e os golpes de estado, de direita ou de esquerda, sempre estão baseadas em injustiças e insatisfações sociais. Elas acontecem porque as elites políticas exageram no desfrute de privilégios e se esquecem de que os pagadores de impostos, que sustentam as mordomias e as corrupções, necessitam de um mínimo de renda para sobreviverem.

A história política brasileira está cheia de exemplos que deveriam ser lembrados pelo establishment dominante, tais como: as revoltas tenentistas da década de 1920, a revolução de 30, a revolução de 32, a intentona comunista de 1935 e o levante nazifascista de 1938 que culminaram com a deposição de Getúlio Vargas em 1945; o suicídio de Vargas em 1954, a tentativa de golpe contra JK em 55, a renúncia de Jânio Quadros em 1961 e a implantação de um parlamentarismo capenga contra João Goulart levaram ao golpe militar de 1964, às lutas da oposição armada e aos porões do DOI/CODI. São fatos que marcaram negativamente a trajetória da Terra da Santa Cruz e não podem ser esquecidos pelos donos do poder na atualidade.

O retorno à normalidade democrática (sic) negociado (ou imposto) de forma autoritária pelos que “deixavam” o poder levou José Sarney (proprietário do Maranhão e ex-presidente da ARENA) e, depois, Fernando Collor de Mello, o caçador de marajás, à presidência da República. Entre os dois mandatos construiu-se uma Constituição (paradigma ético da organização social do país) nitidamente parlamentarista para um regime presidencialista, gerando privilégios sem a devida contrapartida de compromissos. A reestruturação dos três poderes (Executivo, Judiciário e Legislativo) veio ao mesmo tempo em que se construíam as fações partidárias e se processava a reorganização do aparelho produtivo nacional.

Os banqueiros e os especuladores internacionais assumiram o comando do sistema econômico, para felicidade dos políticos que se viam beneficiados pelos sistemas daí decorrentes. A corrupção aos poucos foi se infiltrando em todos os meandros do poder constituído (e não constituído), dando exemplos negativos para o restante da população. A criminalidade se robusteceu e se associou com o próprio sistema político-partidário, tornando-se incontrolável.

O endividamento público e as mazelas tributárias também se tornaram incontroláveis, mas os dirigentes do país levaram muito tempo para se conscientizarem (se é que se conscientizaram) do enorme rombo que se ampliava espiraladamente. A saída encontrada, em primeiro momento, foi a briga interna entre as fações partidárias levando à defenestração de Dilma Rousseff e à ascensão de Michel Temer, com a prisão (e a libertação) de alguns corruptos, de forma seletiva, de tal forma que não se mude a estrutura do sistema político.

Ocorre que os desmandos administrativos levaram a nação a um impasse de geração de renda, concentrando excessivamente, fato que levou a um assustador desemprego, com diminuição da renda e do consumo. Consequentemente, tais fatos provocaram a retração na demanda e, consequentemente, uma profunda diminuição da oferta.

O ciclo auto alimentador da crise econômica e social escancarou a “crise paradigmática”, que requer tempo e reformas de profundidade, principalmente no sistema educacional e no sistema político partidário. Isso demanda tempo, muito tempo, e o perigo é que apareçam os salvadores da pátria.

Foto de Landes Pereira

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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