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Estão brincando com o futuro da educação brasileira

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Quando da posse de seu segundo mandato, a presidente Dilma trouxe uma nuvem de esperança para o sofrido povo brasileiro ao afirmar: “Ao bradarmos ‘Brasil, Pátria Educadora’ estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades, mas também que devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e um sentimento republicano”. Logo depois, todo esse ufanismo panfletário foi esquecido e as promessas transformaram-se em apenas promessas. A educação foi lançada para o fundo da “lixeira orçamentária”.

Passado oito meses, o Ministério da Educação, em meio a um enorme imbróglio sobre ajuste fiscal, reforma ministerial e processo de impeachment, lançou o documento intitulado “Base Nacional Comum Curricular”

para o debate público sobre a educação básica. Não deixa de ser um pequeno avanço após 27 anos de esquecimento, em se considerando que a Constituição de 1988 prevê um currículo único para esse segmento. Hoje todo o conteúdo curricular é definido pelas escolas, de forma autônoma.

Em 2014, o Plano Nacional de Educação definiu que junho de 2016 é o prazo limite para a construção dessa base. A proposta de agora é que se adote um currículo para a Educação Básica onde 60% do conteúdo a ser abordado em sala de aula, em todas as escolas do país, da educação infantil ao ensino médio, sejam definidos pelo MEC, e 40% pelos Estados e municípios. As escolas ficaram de fora, o que gerou desconfianças e uma surda polêmica entre os educadores.

A professora Maria Marcia Sigrist Malavasi,

doutora em educação diz que essa proposta é prejudicial por engessar um percentual muito grande do conteúdo e retirar a autonomia das escolas num país com tantas diversidades sociais, e afirma: “Essa autonomia para municípios e Estados me parece muito pouco. (...) Os Estados processariam seu projeto de forma mais adequada”, o que não deixa de ser verdade.

Enquanto o MEC nada fazia a respeito e esperava ordens superiores, o aloprado Mangabeira Unger, ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência, levou para debate uma proposta de unificação curricular assentada em quatro eixos: cooperativismo federativo, reorientação curricular e pedagógica, qualificação dos educadores e inovação tecnológica. Ninguém levou a sério essa prosopopeia, a não ser a presidente Dilma que, dessa forma, esvaziou ainda mais o já desacreditado Renato Janine Ribeiro, ministro da Educação.

Como se isso não fosse suficiente, a Presidente cortou R$ 9,2 bilhões do orçamento do MEC, em maio, e mais um R$ 1 bilhão em julho. O ministro Janine,

humildemente agarrado ao cargo, prevê que haverá restrições orçamentárias mais profundas nos próximos anos e que será impossível sair dos atuais 5,7% para 10% do PIB como estabelece o Plano Nacional de Educação. Não resta nem a esperança de uma pequena virada em futuro próximo.

O documento em debate tem 302 páginas e foi elaborado por uma equipe de 116 especialistas, divididos em comissões temáticas por disciplina ou série. O documento estabelece objetivos e conteúdos em quatro áreas: linguagem, matemática, ciências da natureza e ciências humanas. Mesmo assim, não há uma unidade consensual na proposta, parecendo tópicos independentes. Hilda Micarello, coordenadora dos trabalhos, reconhece que o conteúdo definido foi mais extenso que o desejável, mas que se ajustará ao longo dos debates. Eduardo Deschamps, presidente do Consed, complementa: “A base é como o esqueleto do corpo, o que vai deixa-lo de pé. O que compõe esse corpo vem depois”.

Tudo indica que é mais uma quixotesca experiência, um diletantismo teórico dos especialistas do MEC. Têm-se a impressão que os técnicos foram chamados para cumprirem “tabela”, para desviarem a atenção dos protestos que os professores das Universidades Federais estão fazendo há quase três meses. Um país, qualquer país, que não respeita a educação de suas crianças e de seus jovens tende a chafurdar-se no subdesenvolvimento técnico-cultural e na ignorância política.

Mesmo reconhecendo que não será fácil nem simples chegar a um consenso sobre o conteúdo dessa Base, Denis Mizne e Camila Pereira, da Fundação Lemann, apoiam e defendem o documento. Afirmam que a Base Nacional Comum Curricular “se torna uma ferramenta de apoio para escolas e professores, que passam a ter clareza de onde precisam chegar com seus alunos”, e complementam dizendo “que a proposta permitirá alinhar a formação de professores, os materiais didáticos e as avaliações de estudantes”. Também não deixa de ser verdade, porque onde nada existe, qualquer coisa lançada parece ser uma tábua de salvação.

Por outro lado, as péssimas condições físicas, administrativas e operacionais do ensino na “pátria educadora” afugentam os professores do ensino básico (fundamental e médio). Salários aviltantes, desrespeito em sala de aula, desestímulo governamental e insegurança social são as principais causas observadas. Hoje já se verifica uma significativa carência de professor, em quantidade e em qualidade, e a tendência é piorar de forma espiralada e rápida.

Devido às más condições de trabalho e o baixo salário na área pública, a maioria dos professores se aposenta assim que atinge os pré-requisitos exigidos pela legislação. Para os homens é ter 30 anos de contribuição e 55 anos de idade; para as mulheres (61,5% do quadro) é de 25 anos de serviço e 50 anos de idade. Esses profissionais se aposentam ainda em pleno vigor físico e na maturidade técnico-intelectual, representando enormes prejuízos para a nação, em termos de capacidade produtiva. Cerca de 40% dos 507 mil docentes hoje registrados atingirão as condições de aposentadoria nos próximos seis anos. E não há providências governamentais para a reposição gradativa como manda o bom senso, muito pelo contrário, uma vez que a gratificação que ainda segurava alguns professores na ativa agora foi cortada no “pacotaço neoliberal”.

O Censo do MEC mostra uma queda de 16% (passou de 95.550 para 80.582), entre 2010 e 2012, no número de formandos nos cursos de licenciatura em disciplinas da educação básica. E nem todos se tornaram professores. Essa situação se agrava quando analisada por área de conhecimento. Nas disciplinas exatas houve redução de 14% dos concluintes em física (73,2% dos professores que lecionam essa disciplina nas escolas não tem formação na área), 13% em biologia, 10% em química e 21% em matemática. Isso contraria a Meta 15 do Plano Nacional de Educação

que prevê uma política nacional de formação de profissionais da educação básica.

Mas a carência não é só na área de exatas, pois 88% dos professores que ministram sociologia e 78% dos que trabalham com artes e filosofia também não têm formação específica na área. 15.537 professores do ensino médio que lecionam educação física não tem formação na área porque as academias e o sistema de “personal trainer” são financeiramente mais atraentes.

Esses fatos, associado ao “envelhecimento” do quadro de pessoal para o magistério na ativa, é preocupante para o sistema educacional brasileiro. É a seguinte a distribuição dos professores da educação básica por faixa etária: menos de 25 anos – 4,6%; entre 25 e 29 – 13,49%; entre 30 e 39 – 34,67%; entre 40 e 49 – 29,21%; entre 50 e 59 – 15,28% e com mais de 60 anos – 2,75%. Um estudo do MEC conclui que é “iminente” (imediata) a aposentadoria para 26% dos professores, o que repercutirá na qualidade do ensino.

O diagnóstico apresentado pela pesquisa parece não preocupar o secretário de Educação Superior do MEC, que declarou: “Já lidamos com carência de professores”, referindo-se a outras épocas não distantes. Complementando, a presidente Dilma mandou (na prática) aumentar os cortes orçamentários na área de educação, enquanto as Universidades Federais permanecem em greve sem perspectiva de retorno às aulas.

 Nenhum país sai do subdesenvolvimento sem educação de qualidade.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

                                                 https://www.facebook.com/jornaldacidadeonline

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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