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Congresso Nacional arma “arapuca” para inibir o comércio de veículos usados

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A falência do sistema criminal brasileiro reflete nos atos cotidianos da vida civil. O cidadão cumpridor de suas obrigações é sempre tratado pela lei como verdadeiro suspeito, sempre lhe é exigido certidões negativas, declarações, laudos, perícias, vistorias, para a concessão de determinado direito ou mesmo para a prática de meros atos da vida.

No ano marcado pela entrada em vigor da lei nº 13.726, que visa racionalizar atos e procedimentos administrativos do poder público, a sociedade ainda se depara com entulhos normativos. Pior: com projetos de entulhos normativos, como é o caso do projeto de lei 3293/12.

Nesta última semana a Comissão de Viação e Transportes da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 3293/12, de autoria do deputado Roberto de Lucena, a fim de tornar obrigatória a vistoria prévia para a comercialização de veículos usados.

O autor do projeto, na justificativa anexa ao projeto de lei e disponível no sítio da Câmara dos Deputados, defende que:

“A presente proposição tem por objetivo oferecer ao comprador de veículos usados a garantia de que o produto adquirido não é objeto de qualquer delito contra o patrimônio, como os furtos e roubos.
Não são raros os relatos de pessoas de boa-fé que acabam por adquirir um veículo de particular, ou mesmo de agências revendedoras, e posteriormente descobrem adulterações na numeração do chassi e em outros elementos de identificação do automotor.
Essa situação, quando não gera a perda de todo o capital investido no veículo, causa, no mínimo, severos transtornos e prejuízos ao adquirente.
Com este projeto de lei que propomos, toda pessoa ou estabelecimento comercial de revenda de veículos deverá providenciar, previamente, laudo oficial de vistoria sobre a autenticidade da inscrição do chassi e demais elementos de identificação do veículo. Remetemos a regulamentação sobre as características e itens a serem abordados no laudo ao Conselho Nacional de Trânsito–CONTRAN.
Dessa forma, estaremos aumentando a segurança nas transações comerciais envolvendo veículos automotores, visto que os compradores receberão dos vendedores laudo oficial garantindo a integridade dos elementos de identificação dos veículos usados.
Certos de que essa medida contribuirá para reduzir as falcatruas no mercado de autos usados, contamos com o apoio de nossos Pares para aprová-la.”

Em que pese se tratar de um projeto do ano de 2012, não se pode aceitar a sua aprovação. Por melhor que seja a sua intenção, na prática será mais uma barreira à comercialização de bens (veículos usados), verdadeiro entrave na relação privada de compra e venda. Mais uma vez o cidadão terá contra si a presunção de culpa, pagando pelos maus elementos.

Deve ser compreendido, principalmente pelo Congresso Nacional e seus membros, representantes escolhidos democraticamente para recitar a voz do povo, que a maioria da população brasileira é constituída de boas pessoas, cumpridoras de suas obrigações e, portanto, não pode uma maioria pagar pelas más intenções daqueles que escolheram a vida fácil, porém torta.

Em regra, quando um veículo é colocado à venda no mercado possui a presunção de ter origem lícita. Nada impede que o comprador exija do vendedor um laudo, mas daí o Estado obrigar que toda e qualquer compra e venda de veículo seja precedida de tal exigência é uma medida desproporcional, inaceitável. Em suma: abusiva.

Não será mais esta burocracia que irá reduzir as “falcatruas no mercado de autos usados”, conforme disse o autor do projeto em sua justificativa. Mas sim a eficiência do sistema penal brasileiro, com uma pronta resposta do Estado em face de crimes: cumprimento integral de penas e razoável duração do processo, de modo que o infrator ou propenso infrator seja desestimulado.

Foto de Raphael Junqueira

Raphael Junqueira

raphaelfjd@terra.com.br 

Advogado e servidor público, pós graduado em direito penal e em gestão e normatização de trânsito e transporte.


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