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O fortalecimento e blindagem das agências reguladoras federais e algumas sugestões para o presidente eleito

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O presidente eleito anunciou que pretende implementar algumas mudanças nas agências reguladoras federais. A mais radical delas visa unificar as três relacionadas a transporte de modo a melhorar o desenvolvimento da infraestrutura no país. Outra medida que chamou atenção foi a informação que retirará a indicação de um indicado pelo atual presidente Temer para a Anvisa, uma vez que o mesmo ainda não fora sabatinado pelo Senado.

São entidades cobiçadas e altamente disputadas por políticos, pois lidam com setores estratégicos e delegações e respectivas fiscalizações dos serviços públicos.

Em regra os postos mais cobiçados são os de diretores ou conselheiros, que possuem mandatos fixos, e estes por sua vez possuem cotas de cargos dentro da própria estrutura e obviamente o respectivo poder em indicar os ocupantes e ditar os rumos das respectivas setoriais do seu feudo.

Tramitam no Congresso Nacional projetos visando alterar o funcionamento das Agências Reguladoras federais para em regra conferir-lhes maior autonomia e blindá-las de interferências políticas, uma vez que são responsáveis por regular setores econômicos estratégicos para o país.

As agências reguladoras federais possuem natureza jurídica de autarquias em regime especial e, diferentemente das demais autarquias, não possuem em tese subordinação com o órgão superior, apenas vinculação. Foram idealizadas a partir de entidades semelhantes da Europa e América do Norte.

Voltando no tempo, cabe lembrar que inicialmente eram previstos empregos públicos, regidos pela CLT, para o quadro de funcionários das agências reguladoras federais e por determinação do Supremo Tribunal Federal, em ação de inconstitucionalidade, mudou-se então o regime, passando a serem cargos regidos pela lei nº 8112/90.

Decisão sábia da Suprema Corte brasileira, uma vez que para o bom desempenho das atribuições, as agências necessitariam de servidores detentores de estabilidade no cargo para atuar com independência e imparcialidade. Além disso, estariam investidos do poder de polícia, sendo este também incompatível com o regime celetista.

Cabe observar que tal estabilidade, conferida pela lei nº 8112/90 aos servidores por ela regidos, em que pese ser propositalmente difundida como privilégio para o servidor, nada mais é que um respaldo para que este desempenhe suas funções sem que haja receio de retaliações como a demissão sumária por desagradar ou ofender interesses alheios.

O sistema jurídico brasileiro ainda amadurece a ideia de agências reguladoras legislando, através da competência delegada pelo Congresso Nacional, e criando obrigações e punições através de resoluções – fato questionado rotineiramente perante o poder judiciário, onde não é incomum se deparar com decisões absurdas. Aos poucos se solidifica e reconhece a existência e competência destas entidades.

O cenário ideal é que sejam, um dia, referência para a sociedade e principalmente para o poder judiciário se amparar quando diante de ações judiciais acerca dos respectivos setores econômicos por elas regulados.

O conceito de fortalecer e blindar as agências reguladoras deve ir além de mero mandato fixo de diretores – ou conselheiros –, quarentenas para ex-gestores, vedações de atividades privadas com setores regulados, e sabatina pelo Senado.

O maior risco à existência e funcionamento das agências é o que a doutrina denomina teoria da captura, onde o setor regulado captura agentes dentro da estrutura para beneficiar-lhe – geralmente protegendo-o com reservas de mercados, editando normas questionáveis e atos fiscalizatórios direcionados.

Antigamente quando algum poderoso queria interferir na estrutura do poder público, simplesmente indicava apadrinhados para ocupar cargos estratégicos e assim ter seu representante em meio às engrenagens da máquina pública, seja praticando ou deixando de praticar atos em seu favor, seja obtendo e repassando informações privilegiadas.

Mas com o fortalecimento das carreiras dos servidores e dos órgãos de controle externo, que cada vez mais impõem que cargos de confiança sejam ocupados por servidores de carreira, a teoria da captura se fortalece. Além de atuar obscuramente dentro dos meios políticos para emplacar o seu servidor de estimação, geralmente ainda o presenteia com viagens, carros de luxo, entre outros. Tudo isso em troca e fazer o serviço sujo.

Diante do quadro, sugerem-se algumas medidas para aperfeiçoar e blindar as agências reguladoras federais de malfeitores e seus capachos, de modo que a sociedade tenha um serviço público de qualidade, que o Estado interfira o mínimo possível e ainda que o setor regulado possa investir e desempenhar o serviço em um ambiente seguro e transparente.

A primeira é vincular todas as agências reguladoras federais diretamente à Presidência da República. Mesmo a doutrina e a lei afirmando que as agências reguladoras federais são entidades independentes, na prática os Ministérios aos quais estão vinculadas insistem em querer interferi-las.

O ideal seria se fossem entidades desmembradas, mas o sistema jurídico administrativo brasileiro não permite, ao menos sob a vigência da atual Constituição, criar novas entidades sem vinculação a qualquer dos poderes, tal como é o Ministério Público. O próprio Supremo Tribunal Federal já se manifestou quanto a esta impossibilidade numa situação semelhante.

A segunda seria conferir aos atos das agências – resoluções, que são normas criadas pelas próprias agências e aprovadas pelo colegiado de diretores – uma espécie de foro especial perante os Tribunais Regionais Federais. Ou seja, impediria que qualquer juízo de primeira instância prolatasse decisões liminares ou definitivas acerca dos atos das agências, o que termina causando insegurança jurídica a todos.

As interferências jurídicas diminuiriam, uma vez que a consolidação de entendimentos ocorreria de modo mais fácil dentro do tribunal, onde as decisões são em regra colegiadas. O leque de entendimentos diametralmente opostos diminui consideravelmente. Segundo o sítio do Conselho da Justiça Federal, atualizado em 31 de dezembro de 2016, há no Brasil 766 varas federais, vinculadas a cinco tribunais regionais federais.

Ou seja, enquanto podemos ter, por exemplo, 766 entendimentos diferentes sobre uma mesma matéria quando julgada na primeira instância, o quadro teoricamente cai para até cinco entendimentos diferentes caso seja julgado pelos Tribunais – por determinada câmara específica ou mesmo o colegiado.

Não se pode interpretar esta sugestão como algo ofensivo aos magistrados de primeira instância, os quais vêm protagonizando verdadeiras revoluções no Brasil, país sedento de justiça. Ao contrário, a medida termina até diminuindo o volume de ações judiciais tramitadas na primeira instância da justiça federal, além de livrar o magistrado de exposições e desgastes desnecessários quando diante de ações por vezes tecnicamente complexas.

Para que isso ocorra, é necessário que as entidades estejam de fato blindadas de indicações políticas e que os diretores ou conselheiros sejam pessoas isentas de dever favores. Cabe dizer que não se está afirmando que todos os diretores ou conselheiros atuais das agências reguladoras federais não são pessoas íntegras ou que eventualmente devam favores a políticos ou a mercados regulados.

A terceira diz respeito à cota nas vagas de diretores para servidor de carreira da própria entidade. É de suma importância o assento de servidor da casa escolhido por votação aberta de todos os servidores ativos da entidade. Neste caso o Presidente da República estaria vinculado quanto à nomeação do servidor que fora escolhido pelos seus pares.

É uma forma de o servidor que almeje ser diretor não buscar apoio político externo e virar as costas para seus pares e para a sua entidade. Ao contrário, deve ser privilegiado aquele que se dedica à entidade para que seja reconhecido por seus pares e assim logre o êxito na votação para indicação a diretor.

A quarta é possuir um departamento jurídico próprio sem subordinação com o órgão jurídico que defende a União judicialmente. Semelhantemente à estrutura da Advocacia do Senado. Isto porque a agência reguladora não pode ser vista como integrante do governo, ao contrário, deve estar fora da relação triangular do governo, mercado regulado e sociedade. E assim, pode terminar havendo em algum momento conflito interesses entre governo, que chefia a sua advocacia pública, e a entidade reguladora.

A quinta se refere à desobrigação das agências em atender demandas individuais relativas a direito do consumidor. Atualmente as agências perdem muita energia nessas ações. Já existem entidades que detém essa competência no âmbito administrativo (PROCON) e quando há crimes na relação de consumo, as delegacias do consumidor – unidades policiais especializadas em investigar crimes contra o consumidor.

Uma vez a agência livre do encargo de atender demandas individuais relacionadas à relação de consumo, pode se dedicar e concentrar esforços em criar normativos robustos e eficientes, de modo que sejam o norte de atuação dos Procons e principalmente do poder judiciário quando for apreciar demandas envolvendo relações de consumo entre indivíduos e prestadores de serviços públicos delegados.

Por fim, cabe ainda lembrar que quase todas as agências reguladoras federais possuem em suas competências a obrigação de reprimir as atividades praticadas sem preencher os requisitos que estabelecem. E quase todas são atividades praticadas por milícias, tal como transporte clandestino de passageiros; venda clandestina de combustível e gás; sinal de internet e de televisão fechada (gatonet); rádio pirata; etc.

Sabiamente o legislador incumbiu tais entidades a coibir os respectivos ilícitos, uma vez que possuem o know-how para conseguir enxergar e detectar ações ilícitas dentro das atividades que regulam, o que em muitos casos não é visto ou entendido até mesmo por órgãos de persecução criminal – como a polícia e o próprio Ministério Público.

Dessa forma, na esteira dessa realidade, é extremamente importante que os servidores que atuam nessas áreas de repressão possam ter direito a portar arma de fogo para se defender, caso assim queira. E obviamente, desde que preencha os requisitos legais, ou seja, ter aptidão em testes de tiro e ser submetido a reciclagens e avaliações psicológicas rotineiramente.

Não se quer com isso usurpar a competência policial, mas apenas permitir que o servidor que queira e obviamente esteja apto a manusear uma arma exercite uma eventual legítima defesa em condições similares ao agressor. Quando não há paridade de meios, não há legítima defesa. Ou seja, se o servidor conquistou um desafeto em nome de uma atividade que desempenha em nome do Estado, é no mínimo obrigação deste fornecer segurança.

Portanto, a sexta sugestão é a previsão legal de porte de arma para os servidores das agências reguladoras federais que desempenham atividades de regulação e fiscalização, uma vez que em determinadas ações o servidor fica demasiadamente exposto a riscos por contrariar interesses externos. A insegurança é uma realidade no dia a dia destes servidores.

E a sétima e última sugestão é a criação efetiva da escola nacional de regulação, onde todo servidor aprovado em concurso ou nomeado para cargo em comissão, deve receber capacitação para atuar naquela matéria.

Estas são algumas das medidas que podem extrair mais eficiência das agências reguladoras federais, de modo que atuem verdadeiramente como entidades de Estado tal como ocorre em outros países, e deixem de ser objeto de desejo de políticos mal intencionados.

Foto de Raphael Junqueira

Raphael Junqueira

raphaelfjd@terra.com.br 

Advogado e servidor público, pós graduado em direito penal e em gestão e normatização de trânsito e transporte.


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