Teoria da evolução, liberdade religiosa e Damares Alves

Ler na área do assinante

Parece mesmo que Damares Alves estará nas manchetes dos grandes veículos de comunicação durante todo o mandato de Jair Bolsonaro. Como sabemos, são veículos que se opõem ao novo governo.

O UOL traz hoje a manchete:

“Damares disse que Igreja ‘perdeu espaço’ com teoria da evolução nas escolas".

Não conheço a ministra pessoalmente e não ganho nada para defendê-la. Mas sabemos que praticamente todo o cristão já foi confrontado com essa questão e há também muito sensacionalismo e argumento falacioso nesta seara. A manchete claramente visa jogar a polêmica sobre a teoria evolucionista no colo da ministra para atingir o governo.

Primeiro, é importante destacar que a ministra falou isso antes de ser nomeada, em um programa sobre fé e teologia, um programa de TV dedicado aos cristãos evangélicos.

Portanto, não cabe levianamente atribuir ou suscitar que essa frase afetaria a forma de governar ou alguma política educacional, além disso, ela não é ministra da educação. A menos que ela se posicione sobre o caso, deve-se ver como algo de debates particulares, opinião pessoal da ministra.

Liberdade religiosa

Um dos problemas dessa tática de obter vídeos antigos da ministra, que é também pastora, e confrontar com o cargo que ela ocupa hoje, é que pode-se atentar contra a liberdade religiosa. É perfeitamente compreensível que uma pessoa tenha crenças e opiniões e saiba separá-las de sua atuação como político ou gestor público e não tente implementá-las via Estado.

Confrontar o que uma pessoa falou dentro de uma igreja ou em um programa dedicado a discutir sua fé, com sua postura e projeto de governo, é de certa forma um meio de reprimir a liberdade religiosa.

Afinal, se isso se torna prática, as pessoas terão de ter uma autocensura sobre temas polêmicos até mesmo quando estiverem dentro de uma igreja ou grupo de fieis, discutindo suas crenças e visões de mundo, pois caso um dia ocupem cargo público, terão de dar explicações.

Isso é um ataque à liberdade religiosa. Deve haver inúmeras outras falas dela enquanto pastora que não poderão ser traduzidas em políticas públicas. Obter cada uma delas e criar uma manchete tentando induzir a população a pensar que "acabou o estado laico", é no mínimo, uma prova de que o objetivo não é fazer jornalismo mas apenas oposição ao governo.

Em segundo lugar, o formato da notícia, sua manchete e a reação de alguns diante dela mostra que há mesmo um dogma científico sobre a teoria da evolução, compartilhado por cientificistas e ateus. Como o nome diz, é uma teoria e não uma verdade absoluta. Mas segundo pesquisas, quase metade dos brasileiros e 34% dos americanos não aceitam a teoria da evolução.

Não há conflito entre a teoria da evolução e o cristianismo

Em terceiro lugar, busca-se fomentar o dualismo, a oposição entre ciência e fé. Algo que é completamente irreal. Para os católicos, o Papa Francisco declarou que Deus não é ‘um mágico com uma varinha mágica’.

Não há uma incompatibilidade entre a teoria de Charles Darwin e a fé cristã. Na verdade, desde 1950, o Papa Pio XII por meio da Encíclica Humani Generis deixou claro o "magistério da Igreja não proíbe o estudo da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente". Por outro lado, em muitos estados americanos os materialistas ateus proibiram que a teoria do Design Inteligente seja estudada e ensinada nas escolas.

O que ela disse estava errado?

A polêmica envolve a frase de que "Nós [cristãos] perdemos o espaço na ciência quando nós deixamos a teoria da evolução entrar nas escolas, quando nós não questionamos, quando nós não fomos ocupar a ciência".

Existem outras teorias, mas muitos professores utilizam da teoria da evolução sempre com a premissa de que todo o processo de evolução teria ocorrido de alguma forma regido pelo puro acaso. Explosões e mutações que resultam na maravilha de uma natureza perfeita e harmônica, sem qualquer Inteligência anterior.

Como é ensinado para crianças e adolescentes e é a principal (ou única) teoria apresentada como explicação para a origem do planeta, as crianças chegam em casa achando que os pais, seus pastores e padres, são todos burros. Muitas vezes, eles até já foram ateus cientificistas como seus professores e deixaram de ser, algumas vezes, eles têm "mais estudo" do que os professores. Existem interpretações de que a evolução teria sido regida por um Ser Inteligente. Existem várias outras formas de ver essa questão e o evolucionismo está longe de ser uma verdade absoluta, tal como meu professor tentou ensinar.

Finalmente, em muitas áreas da ciência é fato que há uma única visão sobre determinados temas e isso é fruto da ausência de cristãos na academia. Existe sim uma hegemonia materialista ou progressista em muitos campos. O ambiente é hostil para um cristão, muitas vezes. Conheço inúmeros cristãos que saíram da academia por isso.

Na bioética e saúde pública, por exemplo, existem diretórios acadêmicos inteiros em grandes universidade federais do Brasil, em que todos os professores e 99% dos alunos são pró-legalização do aborto, pois em geral, são radicalmente esquerdistas, progressistas e ateus. Os alunos que têm opinião contrária precisam fingir e se calar para não caírem no ostracismo e serem perseguidos. Com as questões religiosas ocorre da mesma forma.

Falar que se crê em Deus ou se duvida da teoria evolucionista é um tabu criado pelos adeptos do "quebra dos tabus". O resultado disso é a fuga dos cristãos da ciência por isso falou muito bem a advogada Damares Alves, que no programa de TV falava como pastora, antes de ser ministra. Nem que seja em nome do pluralismo de ideias, é benéfico que os cristãos ocupem seus lugares também na ciência e os ateus respeitem suas concepções, sem discriminação.

Foto de Marlon Derosa

Marlon Derosa

Co-fundador do site e da Revista Estudos Nacionais. Pesquisador atualmente dedicado em temas como bioética, saúde pública, direitos humanos e geopolítica. É pós-graduado em administração e gestão de projetos. Organizador e coautor do livro Precisamos falar sobre aborto: mitos e verdades (2018).

Ler comentários e comentar