O dia em que o general falou e fez a pequena Janaininha chorar sem parar

27/01/2019 às 10:18 Ler na área do assinante

Augusto Heleno (general da reserva e ministro- chefe do Gabinete de Segurança Institucional da presidência da República) é hoje outro homem. Mudou muito. Mas muito mesmo. No passado recente, quando era o consultor a quem o jornalismo da Tv Bandeirantes recorria para ouvi-lo sobre a violência urbana no Rio, ele se expressava com vigor, mas a serenidade era a tônica. Falava pausada e didaticamente. Era a voz da ponderabilidade, da razão cheia, da sensatez, mas sempre sem rancor. Era um mestre.

Agora, além de ter envelhecido em tão pouco tempo, a arrogância passou a ser a sua marca. Na entrevista coletiva no final deste sábado, Augusto Heleno tratou os jornalistas em tom desafiante. Se mostrou ríspido, propenso a um bate-boca, parecia que queria briga, que estava dialogando com inimigos, quando, na verdade, os jornalistas só queriam saber as novidades, saber notícias para divulgar à população sobre a tragédia de Brumadinho.

Seu tom de voz se tornou insuportável. Estava assistindo à entrevista na casa de uma vizinha e sua pequena filha de 1 ano e meio, de repente, começou a chorar, chorar muito enquanto o general falava. Foi quando o pai da criança teve a ideia de tirar o som da tv. Aí a criancinha parou de chorar. Quando ligou o som outra vez, o berreiro voltou. Sem dúvida, era o tom da voz do general, tom agressivo que fazia a Janaininha (nome dado em homenagem à Janaína Paschoal) que fazia a criança chorar.

Nem com a tropa um comandante fala daquele jeito que Augusto Heleno tratou os profissionais da imprensa. E aquilo também tirou o meu sono, que só veio após eu tomar um Frontal de 2 mg.

General, volte a ser aquele homem que dava entrevista à Band tendo a Rocinha como cenário de fundo: voz enérgica, mas educada. Cabelos muito bem penteados e sempre muito bem vestido de paletó e gravata. Quem viu e ouviu o senhor no passado recente, e vê e o ouve agora, a transformação é nítida, em todos os sentidos. Parece que o senhor em 2 ou 3 anos envelheceu 30.

Por que o senhor respondeu aos repórteres em tom raivoso e desafiador?

Eles estão no seu ofício. O senhor precisa deles e eles precisam do senhor. General, o senhor não é o dono da razão nem dono do Brasil. O senhor é um brasileiro como todos nós somos. Com uma diferença: o senhor foi chamado pelo presidente que o povo elegeu para um cargo de comando do Estado Brasileiro. Logo, deve ser muito mais civilizado e fidalgo do que o senhor já era antes, quando consultor da Band para assuntos de segurança.

Cuide da sua saúde, general. Todos precisamos do senhor, da sua experiência, da sua honestidade, do seu alto saber no combate aos inimigos da pátria. Mas desse jeito, externando raiva e rancor, sua saúde vai para o brejo.

Esse estresse, que sua postura causa ao senhor mesmo, pode lhe custar a perda da saúde e até da vida. Os AVCs estão aí. Não os desafie e nem dê causa para tê-los.

Não seja frouxo. Não seja santinho nem bonzinho como o senhor nunca foi. Seja enérgico como o senhor sempre foi. Mas sempre educado, principalmente com os jornalistas que estão trabalhando para bem informar à população. Dê-lhes atenção e toda cortesia. Retorsão adequada a qualquer deslize que deles partam, o que é raro acontecer. Ou quase nunca acontece porque são eles credenciados nos palácios e à mínima falta de urbanidade a credencial é cassada.

Bastam os graves e criminosos deslizes da Samarco e agora em Brumadinho.

E por falar em cassação: general, convença o presidente a cassar a concessão que a União deu à Vale S/A para explorar as minas que pertencem à União. Leia o artigo 176 da Constituição Federal.

O que está faltando para a cassação, general?

Tal como no Direito Privado, que dá ao locador o direito de rescindir o contrato de locação se o locatário (inquilino) destrói o imóvel, com muito mais razão no Direito Público não é diferente.

Diz-se com muito mais razão porque as minas (nas Minas Gerais ou em qualquer outra parte do território nacional) são propriedades da União. Do povo brasileiro, portanto. E se o concessionário (locatário) não cuida do bem a ponto de arruiná-lo, matar centenas de pessoas e devastar e destruir grande parte do chão e dos rios nacionais, o poder-concedente (locador) que é a União deve agir imediatamente rescindindo o contrato. E no Direito Público essa rescisão se chama cassação da concessão. E a extinção da concessão por este justo motivo está previsto na lei das concessões, de nº 8987 de 13.2.1995.

General, use todo o seu prestígio, sua energia, sua autoridade, sua história de vida e a confiança que o presidente da República deposita no senhor para convencê-lo, já, a assinar decreto cassando a concessão que a União deu à Vale. Só o presidente pode ser o autor desse ato.

General, se o presidente não tomar essa atitude, saiba o senhor que qualquer cidadão-eleitor pode agir ante à inércia presidencial. Basta dar entrada na primeira instância da Justiça Federal com uma Ação Popular contra o presidente da República, a União e a Vale S/A, e pedir que a Justiça decrete a rescisão.

O motivo? O motivo é público e notório. O Brasil conhece. O mundo inteiro viu e sabe: desvio de finalidade, imprudência, imperícia, negligência e má exploração no uso e na exploração comercial da coisa pública, que teve como consequência a matança de centenas de brasileiros e a destruição de terras e rios por onde a lama passou.

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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