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Justiça poderá obrigar Flamengo a pagar de R$15 milhões a R$ 20 milhões de indenização

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Contêiner é para transporte ou guarda de mercadoria. Sua utilização para qualquer outro fim é imprópria. Para servir de morada, abrigo ou dormitório para animais e/ou seres humanos, aí mesmo é que pode vir a caracterizar uma das muitas modalidades de crime de perigo comum.

Mas, desgraçadamente, contêiner serve para a perigosa improvisação de tudo: Unidades de Pronto Atendimento (UPAS), Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), Escritórios de canteiro de obras...e muito mais. O alojamento que o Clube de Regatas do Flamengo improvisou para meninos que o clube hospedava e abrigava na formação de suas equipes de base, por si só já era humilhante. E não bastasse a humilhação, os contêineres pegaram fogo: 10 meninos mortos. Tragicamente mortos. Todos queimados vivos.

Não existe a mais mínima excludente ou atenuante de ilicitude, civil (e penal), que possa aliviar a integral responsabilidade do clube, na reparação do dano. Este é o assunto em pauta.

O clube estava para com aqueles meninos que abrigava numa situação análoga à do pai com relação aos filhos menores. Do tutor com relação a seus pupilos-tutelados. Do curador com relação àqueles que lhe são curatelados...

Todos, rigorosamente todos (meninos vitimados, filhos, tutelados e curatelados), enquanto perdurar a dependência dos infantes com seus protetores, estão aqueles sob o poder, guarda, zelo, proteção e comando destes.

Destes, chamados adultos!!. Qualquer dano que menores e interditos causarem a terceiro, pela indenização respondem seus representantes legais. Ou seja, os adultos.

Assim como qualquer dano que sofrerem os infantes, em razão do mau exercício do dever de proteção, zelo, guarda, vigilância e garantias do fundamental direito à vida, à saúde, ao saber e muitos outros mais, responde o representante legal. Responde o guardião deles. E este, no caso do incêndio do Centro de Treinamento do Ninho do Urubu, tem nome e endereço mundialmente conhecidos: Clube de Regatas do Flamengo, Rio de Janeiro.

Dinheiro não indeniza nem paga a morte de ninguém. Mas é com dinheiro que a lei determina que o dano seja reparado, se é que a dor tem preço.

Advoguei 40 anos seguidos exclusivamente nesta área (Responsabilidade Civil). Sempre e sempre em defesa dos vitimados. Milhares e milhares de ações patrocinei de tragédias rumorosas ocorridas aqui na Cidade do Rio de Janeiro. E cada cliente, cada família que me procurou no escritório foi uma lágrima derramada. Daí porque, de tanto absorver o luto e a dor do próximo, parei. Acumulei dor, muita dor. Mas acumulei, também, muita experiência com tragédias de pequeno e grande porte.

Geralmente, nos primeiros dias, o responsável civil logo anuncia que dará todo amparo às vítimas. É só nos primeiros dias. Depois contesta as ações na Justiça e faz arrastá-las por décadas e décadas até.

Agora, arranjaram uma locução só para impressionar os inocentes e incautos: gabinete de crise. Conversa fiada. Pura enganação Demagogia para fazer o tempo passar.

E aqui vai um importante alerta às famílias das vítimas: o prazo para pedir indenização na Justiça contra o Flamengo é curtíssimo. É de 3 anos apenas, a contar do dia da tragédia.

Veja o que diz o artigo 206, parágrafo 3º do Código Civil:

"Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil".

Se este prazo for ultrapassado e a vítima (ou seus familiares) não deram entrada na Justiça com a ação indenizatória, a pretensão torna-se prescrita. E uma vez prescrita, a ação não pode mais ingressar na Justiça. E o dano resta sem ser reparado e as famílias abandonadas.

Conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça o valor do dano moral por morte gira em torno de 500 a 1000 salários mínimos. O arbitramento fica sempre ao prudente arbítrio do Judiciário que leva em conta a posição econômica do ofensor e o sofrimento experimentado pelos parentes da vítima.

Estão legitimados a pedir indenização contra o Flamengo os pais e irmãos dos atletas mortos.

A ação pode ser proposta perante a Justiça do lugar onde a família reside. Tomemos a média de 750 salário mínimos: R$750 mil reais. Considerando que foram 10 vitimados mortos, o total apenas a título de dano moral vai girar em torno de R$7.500.000,00 (Sete Milhões e Quinhentos Mil Reais).

O ofensor também fica obrigado a pagar pensão mensal enquanto os pais da vítima viverem. Se não houver prova de ganho, o valor referência passa a ser o salário mínimo.

E o Flamengo ficará obrigado a imobilizar capital que a juros de 6% ao ano, produza pensão mensal de R$1 mil (valor aproximado do salário-mínimo). E o valor a ser imobilizado será de R$200.000,00 (Duzentos Mil Reais). Considerando que são 10 mortes, o total a imobilizar será R$2 milhões.

Conclusão: sem levar em conta verba de jazigo, luto, funeral e a eventualidade de ganho maior do que o salário-mínimo. Sem levar em conta os sobreviventes, acometidos de incapacidade laboral e danos psicológicos. Sem levar em conta que os valores aqui sumariamente apurados podem ser quadruplicados ou até mais, se vê que por muito menos de R$15 milhões o clube poderia ter investido no Ninho do Urubu e preservado a vida de seus meninos e futuros ídolos.

Má administração, ganância, falta de sabedoria e falta de respeito ao próximo dá nisso.

Estima-se que a indenização que o Flamengo suportará fique entre 15 a 20 milhões de reais.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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