A criminalização da homofobia e a ideologização e decadência judiciárias

Não há como revogar a biologia, assim como não há como revogar a lei da gravidade para evitar que as pessoas caiam

Ler na área do assinante

Há algum tempo penso que já não temos, excetuando raras exceções, nem ensino Superior nem um tribunal Superior. Pelo menos não no sentido em que entendo “Superior”, a saber: como uma esfera de excelência, de uma superioridade moral e intelectual.

Nesse momento, por exemplo, nosso “superior” tribunal federal está discutindo a criminalização da homofobia. Não há dúvida de que ninguém pode ter seus direitos violados em virtude de sua orientação sexual (e outras particularidades, como cor da pele, doutrina religiosa, etc). Não obstante, uma primeira questão que poderia ser colocada diante dessa discussão é a seguinte: é útil, relevante, uma lei contra a homofobia? Afinal, já não está previsto no Código Penal Brasileiro (ao qual estamos todos submetidos) vários tipos de crime que podem ser cometidos contra todo cidadão, seja ele homossexual ou heterossexual? Não está prevista condenação para aquele que ofende a dignidade ou decoro de outra pessoa (Artigo 140), ou seja, injúria (“ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro”)? Não há também a previsão de condenação em casos de agressões corporais (Artigo 129 – “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem”)?

Na verdade, nosso Código Penal oferece várias alternativas para a punição de crimes contra os indivíduos e sua dignidade.

Afinal, tais leis se aplicam ao indivíduo enquanto pessoa, independentemente de suas particularidades e preferências. Não seria apenas o caso de aplicarmos duramente o Código Penal em situações que justifiquem sua aplicação?

Uma questão ulterior que poderia ser levantada concerne às implicações temerárias dessa iniciativa, uma vez que ela criaria uma “elite” de cidadãos de ‘primeira classe’ (nesse caso, os homossexuais), para os quais haveria uma legislação especial, o que traria incontornáveis e nefastas consequências para a democracia (por exemplo, para as liberdades de expressão, consciência, religião, etc, pilares da civilização Ocidental – aliás, muito provavelmente um texto como o que estou escrevendo seria criminalizado se a homofobia fosse criminalizada: afinal, se os homossexuais se tornarem ‘mais iguais do que os outros’, como poderei afirmar, sem os ofender, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”?).

Outra questão, ainda (e, talvez, mais perniciosa), concerne aos fundamentos débeis desse debate desde o ponto de vista dos defensores da criminalização da homofobia. E aqui chegamos a um dos flagelos de nosso tempo, qual seja: o predomínio do abjeto sentimentalismo tóxico e da decorrente vacuidade intelectual.

Dito de outra forma, sejam bem vindos às choças do debate humanístico, o qual contaminou outras áreas para além das ‘humanidades’ (de onde saíram as ideias mais ridículas e contrárias ao bom senso e à ciência). Isso inclui, inclusive, o judiciário, especialmente se levarmos em consideração seu evidente “ativismo”, o qual se baseia não em razões, fatos, conhecimento objetivo, ciência, etc, mas em ideologias muitas vezes oriundas de mentes torpes. E nesse ponto entra em ação especialmente o apelo emotivo, frases assignificativas, etc.

Por exemplo, enquanto escrevo esse texto militantes de grupos LGBTs estão em mobilização no STF para defender a criminalização da homofobia. E como se dá tal “mobilização” e “defesa”? Com gritos, por exemplo. O propósito é claro: intimidar (não argumentar). Tal comportamento se assemelha muito ao da criança que se joga no chão, grita, chora, esperneia, etc, para ganhar o que deseja. Essa tem sido, aliás, a tradicional estratégia dos defensores da “inclusão”, da “diversidade”, do “multiculturalismo”, etc. Afinal, parece não lhes restar muito além do apelo emotivo (uma vez que a razão e a ciência não estão ao seu lado).

Dessa maneira, o que podemos depreender do comportamento desses grupos de ativistas, dos “justiceiros sociais”, é o predomínio de um emotivismo exacerbado, segundo o qual mesmo nossa sexualidade é, como todo conhecimento (segundo eles), algo “construído” (sim, para eles não há fatos objetivos: tudo é uma questão de perspectiva, de como nos sentimos, etc). Em suma, nossa sexualidade dependeria de “como nos sentimos”. Tornamos-nos ou homem, ou mulher, ou temos “fluidez sexual”, etc.

Não obstante, e nenhuma decisão judicial vai mudar isso, nem tudo depende de nossos estados mentais (das atitudes proposicionais, como diriam os filósofos da mente), de nossos ‘desejos’, ‘temores’, ‘anseios’, etc.

Dessa forma, nossa sexualidade envolve, também e sobretudo, aspectos biológicos (físicos) que independem absolutamente de como nos sentimos com relação a isso. Além do dimorfismo sexual (das diferenças físicas entre homens e mulheres, as quais podem ser disfarçadas de forma impressionante, como o fazem muitos travestis, os quais muitas vezes se assemelham a mulheres), há um aspecto mais profundo das diferenças entre homens e mulheres: o dimorfismo cerebral, o qual é muito mais complexo e envolve questões ainda estudadas de forma incipiente por endocrinologistas.

Sim: não basta se vestir e maquiar como mulher para ser mulher: há aspectos endocrinológicos complexos difíceis de serem alterados, os quais fazem parte de um campo que começa a ser explorado pela endocrinologia. Noutros termos, não há como revogar a biologia, assim como não há como revogar a lei da gravidade para evitar que as pessoas caiam. Tendo como base o dimorfismo cerebral, um homem vestido de mulher (que passou inclusive por cirurgia de redesignação sexual) não seria, então, uma mulher, mas um simulacro de mulher (o mesmo valeria para uma mulher travestida de homem).

Em suma, embora exista certamente uma zona cinzenta (na qual estão aqueles que realmente sofrem de ‘disforia de gênero’, os quais dificilmente fazem parte de grupos ativistas e realmente precisam de ajuda médica), em geral as coisas são ou pretas ou brancas.

Foi ao reconhecer esse fato que o zoólogo evolucionista Matt Ridley, em seu estudo “Nature via Nurture”, por exemplo, esclareceu que “hoje ninguém nega que homens e mulheres são diferentes não só na anatomia, mas também no comportamento (...) há diferenças mentais e físicas consistentes entre os sexos”. Outro autor fundamental para esse debate é Simon Baron-Cohen, o qual demonstrou (de forma consistentemente documentada) as diferenças existentes até mesmo entre nenéns de sexos diferentes. Ou seja: a biologia atua em todos os momentos da vida, marcando as diferenças entre os sexos mesmo em nenéns. Outro estudo seminal sobre o tema, cabe acrescentar, é a edição de outono de 2016 da ‘The New Atlantis: A Journal of Technology and Society’, um relatório intelectualmente robusto que demonstra, dentre outras coisas, que “identidade de gênero não é, de forma alguma, independente do sexo biológico”. E há, ainda, o impressionante livro ‘When Harry Became Sally: Responding to the Transgender Moment’ (2018), de Ryan Anderson, o qual esclarece, não a partir de ideias, mas de razões e da ciência, que todas essas teorias (queer) que separam ‘gênero’ de ‘sexo’ são intencionalmente confusas e obscuras, pois não possuem fundamento científico algum.

No entanto, embora exista vasta bibliografia científica sobre o tema, eis que o “ativista” busca outras fontes e, mesmo, rejeita a ciência (afinal, a ciência é frequentemente ‘politicamente incorreta’, bem como, segundo eles, “branca, masculina e heteronormativa”) em sua defesa da separação entre ‘gênero’ e ‘sexo’. Colocado sucintamente: o ativista parte da ideologia.

Por exemplo, ele usualmente recorre a uma das primeiras autoras a propor essa ideia sobre a separação entre ‘gênero’ e ‘sexo’: Simone de Beauvoir. Em um livro de 1949, “O Segundo Sexo”, ela formulou a ideia que iria servir de referência para o discurso posterior dos defensores da ideia de “construção” da sexualidade. Ela começa a obra com a famosa passagem:

“Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade.”

Observem: ela simplesmente descarta a biologia para poder separar ‘sexo’ de ‘gênero’, uma separação que serve de base para os ideólogos da chamada “ideologia de gênero” (ideologia fortemente presente seja nas ‘humanidades’ de nossas Universidades seja em nosso judiciário). Tal passagem, com efeito, não possui qualquer fundamento que não seja uma ideia ... uma ideia que simplesmente (e sabe-se lá em que contexto) surgiu na cabeça de sua autora.

Esse é um dos aspectos centrais da ideologia: ela ignora os fatos, as razões, a ciência, etc, para dar sustentação a teses desprezíveis e, muitas vezes, insanas, oriundas de mentes perturbadas como a de Foucault (apenas leiam sua biografia, juntamente com alguns de seus textos, e me digam se se trata de alguém que pode ser levado a sério), cuja influência no debate sobre sexualidade é evidente.

Outra forte influência sobre os ativistas, aliás, é Judith Butler, a qual também parece repudiar a biologia e insistir na ideia segundo a qual “ser homem ou ser mulher não é um dado biológico, é um dado performático". Vejam: são frases que escondem, sob um hermetismo e pseudointelectualismo, uma abjeta estupidez. São, em verdade “frases de efeito” que não significam coisa alguma. Pior: causam dano à ciência, ao conhecimento e, por fim, à vida social. Isso porque elas têm consequências sobre a sociedade mediante seu uso no discurso de nossos políticos, nas decisões judiciais, etc. Se elas ficassem restritas às mentes torpes que as engendram, o dano seria insignificante. No entanto, penso que alguns não se limitam a viver individualmente suas perversões: as querem institucionalizar (em nossas Universidades, em nosso judiciário, etc).

Agora, pergunto: como chamar de “Superior” um tribunal que usa um texto como o de Beauvoir (ou Butler) como referência?

Como considerar “Superior” seja um Ensino seja um tribunal que adote tais ideologias em evidente rejeição à ciência, aos fatos e às razões?

Definitivamente, já não temos, a meu ver, um ensino “Superior” ou um tribunal “Superior” no sentido que dei a esse termo ao início desse texto. A ideologia os degenerou moral e intelectualmente.

Assim, causa temor saber que um tribunal que chamamos de “Superior”, e que parte de tais ideologias, seja a última palavra em questões importantíssimas como a que está agora em evidência, sobre a criminalização da homofobia (e outras, como aborto, casamento gay, etc).

Na verdade, e esse é o ponto assustador: ele não é a última palavra porque é infalível. Ele é “infalível” precisamente porque é a última palavra. Todavia, ser a última palavra não significa estar com a razão.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

Ler comentários e comentar