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A utopia petista mostrou-se irrealizável

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O termo Utopia foi criado por Thomas More, em 1516, e refere-se a um país imaginário onde um povo, subordinado a um governo justo e igualitário, leva uma vida equilibrada e feliz, é a ideia de uma civilização ideal, um sonho. A palavra vem do grego e significa “lugar que não existe”. A proposta petista tornou-se uma utopia devido à estratégia e à metodologia aliancista adotada, onde predominou os interesses individuais e de grupos partidários. Mas ela, a proposta, não é totalmente impossível de ser realizada, desde que haja um sistema educacional e um sistema político apropriados aos interesses coletivos, em detrimento dos interesses particulares.

O regime militar, sob a inspiração do “bruxo” Golbery do Couto e Silva,

implantou o bipartidarismo no Brasil: a ARENA para acomodar os governistas declarados e submissos, e o MDB para abrigar a oposição consentida, sem permissão para radicalismos. O Movimento Democrático Brasileiro acolheu vários grupos de pensamentos que discordavam da extrema direita que então governava o país, mas eram discordantes entre si. Com a anistia e o início do processo de democratização, além do retorno dos exilados, várias siglas partidárias se estruturaram, entre elas o PDS (sucessora da Arena), o PMDB, o PTB, o PDT, o PSB e o Partido dos Trabalhadores (inicialmente com uma estrutura de partido operário, abrindo-se no decorrer dos tempos).

Há 34 anos Luiz Inácio Lula da Silva, em 27 de setembro de 1981,

líder das greves metalúrgicas do ABC paulista nos “anos de chumbo”, elegeu-se presidente do PT, deixando de ser líder sindical. O partido enfrentaria a primeira eleição direta em 1982, sem estrutura nacional ou regional, mas com a vontade e o trabalho de aguerridos militantes. Foi uma grande experiência política que, aos poucos, atraiu intelectuais, estudantes e trabalhadores liberais. Ganhou corpo e consistência partidária sob a presidência do advogado José Dirceu.

Em Mato Grosso do Sul, no início, o partido ficou sob o comando de trabalhadores da construção civil, alguns estudantes e sindicalistas sem expressão política. O interessante é que primeiro candidato a governador, em 1982, foi o então deputado federal Antônio Carlos de Oliveira (economista eleito pelo MDB em 1978 – o mais votado no Estado, antes da implantação de MS), o segundo fui eu (professor universitário) e o terceiro foi o advogado Manoel Bronze (os três já deixaram o partido e as lutas partidárias), o quarto candidato foi o engenheiro Pedro Teruel e o quinto Zeca do PT, que se elegeu e governou o Estado por oito anos.

As divergências internas sempre foram características do petismo que, nos primórdios, abrigava quatro grupos: os sindicalistas, os igrejeiros, os acadêmicos e a convergência socialista. Algumas agremiações surgiram daí, entre elas o PSTU, o PSOL e o Rede Sustentabilidade. Muitos políticos importantes ajudaram a construir o partido e depois desfiliaram-se ou foram expulsos por discordarem das diretrizes centralizadoras adotadas. Entre os ex-petistas estão as deputadas Bete Mendes e Luiza Erundina, Maria Luiza Fontenele (ex-prefeita de Fortaleza), as senadoras Heloisa Helena, Marina Silva e Marta Suplicy, o senador Buarque de Holanda e os deputados Hélio Bicudo, Plínio de Arruda Sampaio, Fernando Gabeira, Vlademir Palmeira, Luciana Genro, Babá, Djalma Bom e João Fortes, para citar as personalidades mais relevantes.

Agora, depois de quase 13 anos no (aparente) comando do país, e no contexto de um imenso caldeirão de insatisfações, as lideranças petistas se dividiram na procura de diferenças entre o PT neoliberal (que está na cúpula do poder e disfruta dos cartões corporativos, subdivido em dois grupos – um no Planejamento e outro na Casa Civil) e o PT radical (também em dois grupos) que age como se fosse oposição, mas que também quer participar da máquina estatal. Acontece que os insatisfeitos continuarão de fora porque o partido perdeu ministérios, secretarias e inúmeros cargos comissionados. No meio do fogo cruzado encontra-se Lula (e sua equipe de confiança) que, ao mesmo tempo, alimenta as insatisfações dos “excluídos do momento” e fortalece as negociações com o PMDB, os banqueiros e as grandes empreiteiras, sonhando com 2018.

O documento lançado pela Fundação Perseu Abramo mostra a sutil diferença de postura dos dois grupos em choque. Os intelectuais de esquerda, ao mesmo tempo em que preservam as figuras de Lula e Dilma como lideranças intocáveis do partido, tecem duras críticas contra as políticas econômica e social implementadas pelo governo. O diagnóstico do Ministério do Planejamento e o ajuste fiscal proposto por Joaquim Levy,

ministro da Fazenda e ex-diretor do Bradesco, são considerados equívocos neoliberais e, a austeridade econômica preconizada, foi considerada desastrada, em se considerando as reais necessidades do país.

O governo Dilma (prisioneiro do mercado financeiro, do PMDB e de Lula) pretende aprovar um ajuste fiscal que não levará à retomada do crescimento econômico, pelo contrário, trará mais recessão, mais inflação e mais desemprego. Além de “justificar” o aumento de impostos para compensar a queda da arrecadação, e o aumento das taxas de juros para agradar os banqueiros. Essas medidas ortodoxas pressionarão espiraladamente a inflação e o descontentamento político. 

O PT neoliberal (majoritário) considera os radicais como sendo “socialistas utópicos” presos a conceitos ultrapassados, e quer a continuidade da política econômica preconizada pelo Consenso de Washington, implantada a partir do governo Collor e acelerada nos governos de Itamar Franco, de Fernando Henrique Cardoso e de Lula. O PT radical, ao contrário, preconiza a inversão das prioridades propostas pelo governo, objetivando a conquista do desenvolvimento com inclusão social, bandeira do partido nos tempos de sua fundação. As críticas de ambos os lados fazem sentido, do ponto de vista filosófico, mas falta autocrítica de uns e de outros, enquanto o PT se derrete no imenso lamaçal de incoerências e de erros táticos, sem falar na corrupção desenfreada. A tendência é o PMDB afundar junto.

Os escândalos políticos e financeiros acumulados nos últimos 13 anos mataram o utópico sonho dos petistas mais puros, ou mais ingênuos, que aos poucos se afastam em busca de novos horizontes. O sonho começou a esvaecer quando o presidente Lula, em nome da governabilidade, se aliou ao que de mais retrógrado existia no país (José Sarney, Jader Barbalho, Romero Juca, Renan Calheiros, Fernando Collor, Paulo Maluf

e outros de menor expressão, mas tão perniciosos quantos esses). Marco Antônio Villa, historiador com mestrado em sociologia e doutorado em história, diz que “Vivemos um tempo sombrio, uma época do vale-tudo. Desapareceram os homens públicos. Foram substituídos pelos políticos profissionais. Todos querem enriquecer a qualquer preço. E rapidamente. Não importam os meios. Garantidos pela impunidade, sabem que se forem apanhados têm sempre uma banca de advogados, regiamente pagos, para livrá-los de alguma condenação”. O que interessa é o poder pelo poder, e a “chave do cofre” para conquistar novos aliados, sempre que for necessário.

Os cortes orçamentários para a área social e a manutenção das mordomias e do empreguismo eleitoreiro, bem como os exagerados aumentos para o Fundo Partidário e a liberação das emendas parlamentares aniquilam a capacidade de o governo controlar os desequilíbrios e superar a crise. O corte de R$ 26 bilhões na Educação, Saúde e moradia desagradou a esquerda do partido e desgastou a imagem de Lula, gerando dificuldades para seu retorno em 2018.

Mas nem tudo está perdido. Há muitas boas ideias e propostas viáveis esquecidas nesse emaranhado de incoerências que poderão ser resgatadas no futuro, se houver seriedade política.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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