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Universidades versus mundo civilizado: Da doentia obsessão acadêmica pelo fomento de ideias fracassadas

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Por que alguns grupos sobrevivem e prosperam sob as mais adversas condições, enquanto outros grupos simplesmente desaparecem em uma espécie de ‘seleção natural’ das melhores e mais eficientes culturas?

Em uma fascinante trilogia de livros, “Race and Culture” (1995), “Migrations and Cultures” (1997) e “Conquests and Cultures (1999)”, Thomas Sowell tenta oferecer uma resposta a essa pergunta fundamental e perene.

Resposta? Ora, primeiramente cabe observar que os povos que prosperam apresentam, segundo Sowell, alguns pontos em comum, dentre os quais encontramos, por exemplo, os seguintes:

1. Tais povos reconhecem a importância da Educação (enquanto fomento/desenvolvimento de nossas capacidades)

2. Tais povos reconhecem o valor da Família

3. São autoconfiantes e resilientes

4. Fomentam certas virtudes (justiça, temperança, fortaleza, sabedoria prática, humanidade, caridade, por exemplo).

Por décadas Sowell vem desarticulando todos os “dogmas” oriundos especialmente da Academia, particularmente da Intelligentsia, expressão que ele usa para definir a “elite” intelectual de “ungidos” (“planejadores centrais”) que se arroga a autoridade para guiar a sociedade. E nessa empreitada ele recorre a dados, estudos, sua experiência e suas observações.

Nessa trilogia de livros em específico Sowell explora a formação da cultura humana e advoga em prol de sua importância contra os ataques dos sectários de sua dissolução, dentre os quais estão, por exemplo, os defensores dos atuais modismos acadêmicos chamados “decolonialismo” e “multiculturalismo”. Assim, especialmente no final da trilogia ele mostra o impacto (positivo) da ‘conquista’ (“colonização”) para o desenvolvimento da cultura humana.

Em primeiro lugar, ele observa que a ‘conquista’ é causa de mudança. Isso pode, é claro, ser ou para melhor ou para pior. Afinal, a cultura não é, como diz Sowell, “uma peça de museu”. Culturas são forças ativas, atuantes na vida cotidiana (como o demonstrou de forma erudita Christopher Dawson, especialmente ao esclarecer em que sentido o Cristianismo – com seus valores e Instituições - é a “alma”, princípio ativo, do Ocidente). E nesse ponto Sowell quebra mais um ‘dogma’ dos ‘ungidos’: seu argumento deixa claro que algumas culturas são, sim, melhores do que outras.

No último livro da trilogia ele foca especialmente em quatro grupos, a saber, nos Britânicos, nos Africanos, nos Eslavos e nos Nativos Americanos. Como raramente acontece nas abordagens “politicamente corretas” feitas na Academia (dominada pela Intelligentsia, especialmente nas ‘humanidades’, as quais são justamente aquelas que tratam de temas como o da ‘colonização’ – a qual eles demonizam), Sowell (reconhecendo que a ‘conquista’ é um fenômeno mundial, não se restringindo a uma cultura em algum tempo em específico) procura analisar os efeitos dessa ‘conquista’.

Primeiramente, ele admite que a ‘conquista’ e a consequente subjugação talvez não sejam imediatamente benéficas. Seus benefícios, em verdade, geralmente se mostram ao longo do tempo, especialmente quando os ‘conquistadores’ (“colonizadores”) são mais desenvolvidos. Sowell oferece alguns exemplos.

Os bretões (povo que habitava a Grã-Bretanha durante a Idade do Ferro) foram subjugados pelos romanos e por alguns séculos sua região foi um posto avançado do Império Romano.

Nesse período eles foram beneficiados com a cultura romana, a qual eles absorveram, o que assegurou sua subsequente prosperidade. Ou seja, em longo prazo isso causou o desenvolvimento das cidades. Foi ao reconhecer esse fato em específico que Churchill disse: “Os romanos nos deram Londres”.

Também advieram, em seguida, o desenvolvimento da agricultura, do sistema legal, do comércio (economia de mercado), etc.

Posteriormente a Grã-Bretanha também realizou suas ‘conquistas’ (“colonizações”).

Aliás, um dos exemplos analisados por Sowell é o do papel da Grã-Bretanha no desenvolvimento da mentalidade antiescravagista na África, onde muitos escravos eram capturados e vendidos por outros africanos, uma prática, a propósito, muito antiga na África e ainda hoje nela presente em alguns lugares (Aliás, sobre a escravidão promovida pelos africanos muçulmanos, nesse caso a escravização de brancos, veja-se, por exemplo, o estudo “White Slaves, African Masters”, de Paul Baepler, o qual expõe as narrativas de escravidão especialmente de americanos mantidos escravos [após serem tomadas suas embarcações] durante o Early National Period, de 1789 a 1837, sobretudo em Marrocos e cidades como Argel, Túnis e Trípoli. Mas também encontramos nesse estudo as narrativas de captura e escravidão de povos brancos na Costa europeia, todos escravizados por povos muçulmanos da África do norte).

Com efeito, os britânicos, inspirados por valores liberais cristãos (como nos de John Locke, por exemplo), levaram esses valores para os lugares “conquistados”, defendendo, por exemplo, a liberdade individual, um dos pilares de nossa civilização.

Outro clichê acadêmico amplamente espraiado pela Intelligentsia aponta para o suposto “desastre” da conquista das Américas pelos europeus. Certamente houve alguns custos (doenças, por exemplo). Mas ao mesmo tempo em que os europeus trouxeram algumas doenças eles também trouxeram não apenas muitíssimos medicamentos, mas talvez, e sobretudo, uma cultura que permitiria o desenvolvimento de novos medicamentos, tratamentos, vacinas, tecnologia para o desenvolvimento dos mais diversos aparelhos usados na área da saúde e que hoje a todos beneficiam em alguma medida, etc. Não apenas isso, vários bens produzidos na Europa eram trocados com os nativos, os quais desejavam esses bens (e confortos) até então desconhecidos para eles. Não há dúvidas de que houve brutalidade, injustiças, etc. Mas e quanto à violência já existente? Conflitos entre indivíduos e grupos já existiam. Como foi demonstrado de forma até o momento incontestável por Steven Pinker (em “Os anjos bons da nossa natureza”, por exemplo), e isso a partir de dados da arqueologia, da antropologia evolutiva, etc, os tão venerados (pela Intelligentsia) “bons selvagens” nada tinham de “bons”. Eram brutais (apenas selvagens), como exemplificado nos dias de hoje pelo povo selvagem da ilha ‘Sentinela do Norte’.

O sistema moral e legal europeu contribuiu para o estabelecimento da progressiva redução do índice de violência identificado (e fartamente documentado) por Pinker. Isso certamente não justifica a violência da conquista. Não é esse o ponto. Mas não vivemos em Utopia. O homem real e o mundo real são violentos, eventualmente brutais. O ponto é identificar os efeitos reais e benéficos da conquista/colonização (e da consolidação de suas Instituições) ao longo do tempo, efeitos que asseguraram não apenas o desenvolvimento da civilização em que hoje nos encontramos, mas, inclusive, o menor índice de violência atual (como sobejamente demonstrado por Pinker).

Se hoje julgamos que estamos em melhores condições, vestidos com roupas confortáveis (que nos protegem do frio, por exemplo), tendo acesso à medicina e a medicamentos e tratamentos para doenças que no passado nos exterminariam, bem como a diversos avanços tecnológicos (como o ar condicionado que me traz conforto enquanto escrevo esse texto, o qual estou digitando em um computador conectado à internet) e à cultura (valores e instituições, por exemplo), assim como tendo fácil acesso a alimentos diversificados (se não mais precisamos comer insetos, restos de outros predadores, e outras coisas que hoje nos repugnam, etc), isso se deve imensamente ao fato de termos sido “conquistados”, ou seja, ‘colonizados’ por povos cuja cultura era melhor do que a que se encontrava aqui. Por essa razão algumas culturas prosperaram e outras simplesmente deixaram de existir. Assim, atualmente uma das principais ameaças ao mundo civilizado (e suas benesses) são as abjetas ideias de “decolonização’ e ‘multiculturalismo’, aliadas à ideia de diversidade, as quais frequentemente culminam em ‘relativismo’ cultural, moral, estético, etc, as quais rejeitam as causas de nosso bem estar e prosperidade.

O que houve, ao longo do tempo (como sugeri ao início desse texto), foi uma espécie de ‘seleção natural’ das melhores e mais eficientes culturas.

Vejamos apenas alguns exemplos sugeridos por Sowell e que ilustram esse ponto: atualmente usamos os algarismos árabes, ao invés dos algarismos romanos, e isso mesmo que nossa civilização derive em grande medida da civilização romana. Por que ocorre isso? Simples: Os algarismos árabes são melhores.

Os livros (papel e tinta) se originaram na China e substituíram os pergaminhos. Por que? Porque são melhores e representam um avanço civilizatório. Não é uma questão de simples opinião ou gosto pessoal. Tampouco se trata de algum preconceito contra os pergaminhos e contra os algarismos romanos.

A civilização avançou com os algarismos árabes e com os livros.

A experiência, a ‘tradição’, o mostrou. Apenas a ‘Intelligentsia propõe o retrocesso, um retorno à selvageria e à barbárie, apregoando que “todas as culturas têm o mesmo valor”, bem como que devemos “decolonizar” nossa cultura. Apenas eles saúdam e nobilitam povos primitivos. Apenas eles propõem, por exemplo, que abandonemos os avanços da agricultura moderna e regressemos a uma agricultura anterior à Revolução Industrial (ao século XVII).

Concluindo, dentre os benefícios da “conquista” temos, por exemplo, os efeitos da “Revolução Científica” e da “Revolução Industrial”, ambas fenômenos europeus.

Noutros termos, apesar de todos os problemas que certamente surgiram, especialmente no início dos processos de conquista e colonização, hoje estamos em melhores condições do que estavam os povos que foram ‘conquistados’ e ‘colonizados’. O resultado está diante de nós. Chama-se “civilização”. E somente bárbaros visam a destruição da civilização.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

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