Para que serve uma Universidade? Para “desgastar” e “pressionar”?

Precisamos urgentemente resgatar a superioridade de nosso ensino superior

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Visando expor uma série de considerações sobre o atual estado de coisas degradante de nossas Universidades publiquei, aqui no Jornal da Cidade, alguns artigos que descreviam e julgavam diversos acontecimentos ocorridos sobretudo (mas não apenas) nas universidades públicas:

Nesses artigos tentei tecer considerações sobre como nossas Universidades são, hoje, uma ameaça (muitas vezes criminosa) à prosperidade e, mesmo, ao salus populi.

Gostaria, agora, de fazer algumas observações sobre mais um exemplo, dessa vez oriundo diretamente de minha esmorecida “Alma Mater”: a UFPEL. Nessa semana o sindicato dos professores da UFPEL (ADUFPEL) decidiu, em assembleia, realizar uma paralisação no dia 22/03. Noutros termos: um grupelho que certamente não expressa o que a maioria dos professores pensa decidiu, por aproximadamente mil e quinhentos professores, que eles não deveriam trabalhar nessa sexta-feira (22). Ou seja, esse grupelho simplesmente decidiu impor seu comportamento aos demais, promovendo um feriadão (observaram que geralmente dias de paralisação são em sextas-feiras?). Isso ocorre dentro do que se tem chamado de “dia nacional de lutas, protestos e paralisações contra a reforma da previdência”. Não se trata de uma ação isolada, mas ela ocorre em conformidade com o que vem sendo feito pelos gestores e sindicatos de outras universidades públicas. Dentre os muitos pontos que poderiam ser analisados no contexto dessa decisão está a escancarada guerra declarada pelo mencionado sindicato não apenas ao governo, mas à população (aos pagadores de impostos) que subsidia suas vidas confortáveis e suas diversas regalias (das quais sou também, aliás, beneficiário – embora eu seja plenamente favorável, por exemplo, à reforma da previdência, dentre outras medidas que beneficiam o ‘bem comum’ e não certos interesses mesquinhos).

Mas o que quero destacar desse episódio é uma fala reveladora ocorrida na assembleia e divulgada inclusive no site do sindicato. Nela a presidente do sindicato afirma descaradamente: “Temos que desgastar o governo e pressionar os deputados para que essa reforma não seja aprovada. Isso a gente sabe fazer”.

Vejam: Temos, nessa frase, primeiramente, o sentido que essas pessoas passaram a atribuir à universidade. Não se trata, para eles, de buscar pela verdade, de avançar no conhecimento, de fortalecer os pilares sociais e morais, de buscar pela excelência e pela prosperidade, etc. Trata-se, para eles, de usar a universidade, de reificá-la com propósitos ignóbeis: “coagir”, “pressionar”, “ameaçar”, etc. E há também uma espécie de “ato falho”, no qual ela deixa claro que “ISSO a gente saber fazer”. Trata-se de um ato falho que revela uma verdade. O que eles sabem fazer é “desgastar” e “pressionar”. Nisso estou de acordo com ela. Eu concordo que ISSO eles sabem fazer. Quanto ao mais penso que não haveria acordo entre nós.

E aqui, cabe revelar, eles usam dois discursos: há o discurso interno (que ocorre frequentemente entre os servidores públicos): “não queremos perder nossas regalias”. E há o discurso externo (dos servidores públicos para a sociedade): “estamos lutando pelos direitos de todos, os quais estão sendo ameaçados por um governo liberal, fascista, etc”. Ou seja, eles querem apenas manter seus benefícios, mas como a sociedade civil paga por esses benefícios eles tentam justificar suas ações sob uma fachada de virtude e altruísmo. Mas, em verdade, o que está em jogo são simplesmente suas regalias, como, por exemplo, os 13,7 mil cargos distribuídos fartamente pelas nossas 68 universidades federais e cortados por um decreto recente do presidente Bolsonaro.

Assim, não se iludam! Essas perdas é que estão em jogo para esses posers de virtude que se julgam “justiceiros sociais” desde dentro de nossas universidades. Não se trata, para eles, de promover a prosperidade social, econômica, etc. Se trata tão somente de promover um projeto político de esquerda (sua maioria está vinculada a partidos como PSOL, PT, dentre outros) que visa fazer colapsarem os pilares de nossa civilização (propriedade privada, economia de mercado, valores morais, etc) resguardando, é claro, suas benesses (a exemplo do que sempre ocorre quando um político socialista assume o poder: ele e os seus vivem nababescamente enquanto seu povo sobrevive – quando o consegue - miseravelmente).

Mas qual o custo social desse uso da universidade quando pensamos em seu impacto no desenvolvimento do conhecimento e na prosperidade social? Ora, quando a universidade foge de seu propósito original ela se torna um mero instrumento para aqueles que dela se assenhorearam, não mais servindo ao seu propósito enquanto promotora de desenvolvimento individual, social, econômico, civilizatório, etc.

Mas voltando à afirmação citada (“Temos que desgastar o governo e pressionar os deputados para que essa reforma não seja aprovada. Isso a gente sabe fazer”), ela mostra algo que já não pode ser nem ignorado nem negado: estamos lidando com bárbaros que passaram a influenciar os rumos de nossas universidades, de nossas políticas educacionais, da formação de nossa população, etc. Qualquer ação governamental que pretenda resgatar nossas universidades desses bárbaros deve partir desse ponto e enfrentá-lo. E isso vai acontecer, por exemplo, com medidas como a extinção de cargos inúteis (como os 13, 7 mil recentemente cortados). Muitos outros cortes (e privatizações) precisam ser feitos. Já não podemos ter a sociedade civil subsidiando instituições e pessoas que vilipendiam um de nossos caminhos para a prosperidade, a saber, a universidade.

Dessa maneira, tal afirmação (“Temos que desgastar o governo e pressionar os deputados para que essa reforma não seja aprovada. Isso a gente sabe fazer”) revela claramente com quem estamos lidando. Qualquer pessoa dotada de um mínimo de bom senso se apercebe do absurdo e da ameaça dessa afirmação. Ela deixa claro que não se trata de oferecer argumentos, dados, fatos, etc. Trata-se de “desgastar” e de “pressionar”. Afinal, é ISSO o que eles sabem fazer. Portanto, não há como exigirmos deles razões, fatos, dados, etc. Até porque eles não os teriam, pois defendem ideias insustentáveis. Cabe a eles apenas “desgastar” e “pressionar”. E o que eles mais têm desgastado (vilipendiado) sempre que se manifestam publicamente é a imagem de nossas universidades e do ensino superior em geral. E, consequentemente, desgastam, corroem, nossos pilares civilizacionais, sendo, insisto, uma ameaça à prosperidade.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

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