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É realmente necessário investir mais em educação? A falácia da necessidade de maiores investimentos

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Dentre as diversas falácias que há décadas formam o lugar comum no discurso da Intelligentsia (essa “elite” intelectual de “ungidos”, ou “planejadores centrais”, que se arroga a autoridade para guiar a sociedade – pois supostamente “sabe o que é melhor para todos os demais”), está a falácia do “mais dinheiro, melhores resultados” no âmbito da educação (e dos serviços públicos em geral).

Tal falácia, como as demais, é repetida tão exaustivamente que todos nos perguntamos, em algum momento, se ela não é verdadeira. Não obstante, uma rápida reflexão e consideração dos dados/fatos nos mostra que ela deve ser considerada pelo que simplesmente é: Uma falácia. Um engano.

Nesse caso, uma falácia usada com propósitos retóricos para assegurar a adesão de seu público à sua causa (obter mais dinheiro dos pagadores de impostos). Na verdade, a Intelligentsia é especialista em recorrer a mantras e falácias com propósitos retóricos.

Basta vermos atualmente seu discurso contra a reforma da previdência:

“Você vai morrer trabalhando”.
“Você vai morrer sem se aposentar”.

Essas são algumas das frases de efeito (nesse caso, de uma espécie de “terrorismo psicológico”) em cartazes que encontramos, por exemplo, nas universidades (há vários deles aqui pela UFPEL), as quais têm sido tradicionalmente assoladas pelo flagelo da Intelligentsia.

Mas esse é um dos aspectos mais marcantes da atuação da Intelligentsia dentro das universidades. Ela não está preocupada com o conhecimento, mas com (provocar) “emoções”.

Essa é uma das razões para a confusão que encontramos no âmbito do debate público, especialmente se considerarmos que a universidade interfere imensamente nele (em uma “invasão vertical dos bárbaros”). A Intelligentsia, desde dentro de nossas universidades, tem intencionalmente confundido o debate, afastando-nos de uma discussão razoável fundada em razões, fatos, dados, etc, algo que pode ser observado em suas manifestações contrárias à necessária reforma da previdência, por exemplo.

Mas vejamos outro caso. Desde que ingressei na universidade, ainda como estudante, escuto os já enfadonhos mantras do “ensino público gratuito e de qualidade”, do “mais investimento, mais qualidade”, etc. No entanto, apesar de enraizados no discurso universitário, tais mantras não passam pelo escrutínio de uma análise minimamente racional. O que quero, aqui, é apenas problematizar a ideia, equivocada, de que mais investimentos implicam em maior qualidade e excelência no resultado. Assim, de largada afirmo que não há qualquer relação causal entre investimento na educação e eficiência. O fato da decadência educacional não está relacionado com a falta de investimentos, mas com políticas educacionais fracassadas, dentre as quais encontramos, aliás, a decisão pelo alto investimento no ensino dito “superior” em detrimento dos ensinos fundamental e médio em geral (bem como dos técnicos em particular).

Para esclarecer esse ponto vamos primeiramente a alguns dados. Em 2016 o “Indicador de alfabetismo funcional” – INAF -, do Instituto Paulo Montenegro (‘Ação social do IBOPE’), que tem como subtítulo ‘Estudo especial sobre alfabetismo e mundo do trabalho’, descobriu que apenas 8% da população brasileira consegue compreender textos de forma minimamente satisfatória (ou seja, é proficiente).

Apenas esse mísero percentual da população é plenamente funcional quando se trata de interpretar, de compreender um texto. O mesmo vale para questões matemáticas elementares. Como diz o teste, “apenas 8% dos respondentes estão no último grupo de alfabetismo, revelando domínio de habilidades que praticamente não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais e resolvem problemas envolvendo múltiplas etapas, operações e informações”.

Encontramos o mesmo quadro quando tomamos os dados da ‘Organização para a cooperação e desenvolvimento econômico’ (OCDE), a qual nos mostra que pontuamos entre os cinco piores países do mundo em desempenho, sendo que gastamos mais recursos do que a grande maioria dos países avaliados. Tendo como padrão o PIB, gastamos em torno de 6% dele em educação. Conforme os dados do PISA 2015 (PISA – Programa internacional de avaliação de alunos – realizado a cada três anos - o qual avalia as áreas ciência, leitura e matemática), o único país que investe menos que o Brasil e se sai pior é o Líbano. Alguns países investem pouco e alcançam excelentes resultados, nos ultrapassando em mais de 100% em termos de eficiência nos resultados mensurados. É o caso de países como França, Holanda e Reino Unido. Cazaquistão e Romênia, por exemplo, investem metade do que investimos e estão à nossa frente. Peru e Indonésia também investem metade do que investimos, chegando aos mesmos resultados.

Portanto, diante de dados como os acima referidos não há como defender mais investimentos na educação. Pelo menos não se o propósito for a eficiência. Mas caberia aqui perguntar: Estaria a Intelligentsia realmente preocupada com a eficiência? Sinceramente, penso que não. Recentemente nosso reitor, por exemplo, publicou orgulhosamente nas redes sociais que “a UFPEL não é para uma elite intelectual” (e de fato não é, especialmente se consideramos o crescente número de analfabetos funcionais que hoje ocupam vagas em nossas universidades). Tal como ocorre em outras universidades públicas, nossa universidade tem sido projetada especialmente para a formação de ativistas que reproduzam mantras como os acima referidos e outros tantos que hoje são lugar comum nas manifestações de nossos gestores. Parece que toda frase enunciada por eles deve conter termos e expressões como “inclusão”, “luta”, “resistência”, “ensino público gratuito e de qualidade”, “universidade para todos”, etc, em um processo que se assemelha à criação de um riff musical cujo propósito é “colar” na mente do ouvinte e provocar certas reações (frequentemente estúpidas).

Mas a questão é: A Intelligentsia não está preocupada com a eficiência (uma categoria, segundo seus adeptos, oriunda do demonizado “mercado”). Eis uma das razões para nossos gestores fomentarem, por exemplo, ideias fracassadas (‘multiculturalismo’, ‘relativismo moral’, ‘intervencionismo estatal’, ‘igualitarismo’, etc). Com efeito, o primeiro passo para uma reforma radical na educação se daria pela inversão de prioridades. Segundo dados de 2014, por exemplo, naquele ano 63% das generosas verbas destinadas à educação foram aplicadas no ensino superior, não obstante o fato de, como demonstrou James Heckman (laureado em 2000 com o Nobel de economia), o investimento no ensino primário trazer maiores taxas de retorno social. Sim! Há mais retorno social quando o investimento na educação nos níveis primário e médio é maior do que o investimento no ensino superior.

Portanto, parece-me que o atual governo deveria começar a mudança educacional pela mudança de paradigma de investimento, ou seja, invertendo a ordem de investimentos e focando na educação fundamental, restringindo o investimento no ensino superior, o qual produz pouquíssima pesquisa relevante, algo mensurado pelo Leiden Ranking, no qual são classificadas 938 universidades tendo em vista a 1. Quantidade de publicações e 2. O impacto dessas publicações.

Resultado? Publicamos muito, mas o que publicamos, em geral, é de baixíssima relevância e impacto. Em suma, o que temos é um desperdício de recursos (geralmente públicos).

Noutros termos, não há a necessidade de investir mais em educação, mas de investir de forma mais eficiente com ênfase no ensino fundamental e médio (bem como na formação técnica). Não obstante, o que ocorre é que os grupos organizados em nossas universidades estão preocupadíssimos com suas benesses (com a possibilidade de perdê-las). Eles constituem grupos de pressão razoavelmente organizados e alinhados com o funcionalismo público em geral. E todos estão unificados na “luta” para manter o uso ineficiente dos recursos públicos, dos quais eles são os maiores beneficiários.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

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