O mundo e o submundo acadêmico brasileiro

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A lista de teses baixo descrita é autêntica. Eu a encontrei no livro “Guerra de narrativas, a crise política e a luta pelo controle do imaginário”, de Luciano Trigo. Ela está longe de representar o conjunto das teses produzidas pelo mundo acadêmico brasileiro. Mas é inevitável que faça pensar sobre o submundo que nele, de modo consentido, se instala e opera produzindo coisas desse teor.

Se o leitor destas linhas tem alguma atividade nas redes sociais, terá recebido, certamente, com frequência crescente, imagens de performances acadêmicas e pichações em espaço universitário revelando que parte significativa desse ambiente ainda se encontra na fase anal, período que, na teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual, tem duração de 18 meses e ocorre por volta dos três anos de idade.

O tipo de “pesquisa” a seguir descrito nada tem a ver com autonomia universitária, até porque, a autonomia para contestar, dentro do espaço acadêmico, é limitada pela enxurrada de desaforos que o desconforme esteja disposto a ouvir e as perseguições que se disponha a suportar.

Não li qualquer dessas teses e suas pesquisas, mas não vislumbro, a priori, as respectivas contribuições ao conhecimento humano. Por esse contagiante motivo, aliás, é baixíssimo o impacto de nossa produção científica no plano internacional, notadamente na área de humanidades, conforme pode ser constatado aqui.

Você, cidadão, pagador de impostos, julga ser de sua obrigação custear toda e qualquer atividade acadêmica? Ou julga que deva haver mais zelo no manejo desses recursos?

Vamos às teses destacadas nesta brevíssima coletânea.

1) Fazer banheirão: as dinâmicas das interações homoeróticas na Estação da Lapa e adjacências.
- Curso: Mestrado em Antropologia na Universidade Federal da Bahia.
- Trecho: “Percebo que, para além de um simples terminal com um sanitário, a Estação da Lapa é ressignificada como espaço de práticas sexuais de desejos dissidentes, na direção de interesses tão diversificados quantos são os sujeitos que interagem na cena e que só são reunidos aqui pelo traço em comum dos desejos, diversificadamente, homo-orientados”.
- Autor: Tedson da Silva Souza.

2) A estética Funk Carioca: criação e conectividade em Mr. Catra.

- Curso: Doutorado em Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Trecho: “Mr. Catra é um feixe de relações, que catalisa caminhos e dá acesso a um mundo que mistura funk, favela, elite, poder oficial e crime”.

- Autora: Mylene Mizrahi.

3) Mulheres perigosas: uma análise da categoria piriguete.
- Curso: Mestrado em Sociologia e Antropologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
- Trecho: “A piriguete representa, primeiramente, uma mulher que não se adéqua às normas de conduta feminina – ela expressa sua sexualidade e seu desejo, sua liberdade e seu poder”.
- Autora: Larissa Quillinan Machado Laranjeira.

4) A Zuadinha é tá, tá, tá, tá: representação sobre a sexualidade e o corpo feminino negro.

- Curso: Mestrado em Ciências Sociais na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

- Trecho: “Embora aproxime-se do pagofunk, tanto pelas letras sexualizadas como pelas coreografias, o pagode de elite, ainda que apresente letras menos sexualizadas, tem um estilo mais voltado para a suingueira – que o aproxima do pagodão”.

- Autor: Wellington Pereira Santos.

5) Erótica dos signos nos aplicativos de pegação: processos multissemióticos em performances íntimo-espetaculares de si.
- Curso: Mestrado em Linguística Aplicada na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
- Trecho: “Erótica dos signos denota a emergência de romper a divisão cartesiana entre mente e corpo e considerar o componente erótico na pesquisa para fazer ciência com corpo e alma. Também alude à sensualidade típica dos apps de pegação e evidencia o cuidado com a imagem de si, a pornificação de si como arena de embate político, a necessidade de uma metodologia que considere o corpo do pesquisador na pesquisa”.
- Autor: Gleiton Matheus Bonfante.

6) Personagens emolduradas: os discursos de gênero e sexualidade no Big Brother Brasil 10.

- Curso: Mestrado em Antropologia Social na Universidade Federal de Goiás.

- Trecho: “Ao aproximar meu estudo com os de Fischer (2001) concordo que os meios de comunicação, no caso aqui analisados o programa de televisão e sítios de notícias do BBB, mostram-se como lócus privilegiado de informação, de ‘educação’ das pessoas, ao que a autora chamou de dispositivo pedagógico da mídia, pois, por meio das diversas estratégias de linguagem as mídias fazem a mediação da produção e da circulação de uma série de ‘verdades’ e, no caso do interesse desta pesquisa, ’verdades’ sobre homens, mulheres e gays”.

- Autora: Katianne de Souza Almeida.

7) “Agora eu fiquei doce”: o discurso da autoestima no sertanejo universitário
- Curso: Mestrado em Linguística e Língua Portuguesa na Universidade Estadual Paulista (Unesp)
- Trecho: “A canção Camaro Amarelo é um enunciado no qual estão presentes valores relacionados à ideologia capitalista do consumismo, tais como os valores das marcas famosas de produtos, da ascenção social e do amor por interesse”.
- Autor: Schneider Pereira Caixeta.

8) O herói na forma e no conteúdo: análise textual do mangá "Dragon Ball" e "Dragon Ball Z"'

- Curso: Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporânea, Universidade Federal da Bahia.

- Trecho: “Dessa maneira, notamos que essas passagens narrativas, em que um personagem faz referência ao outro no que diz respeito à morfologia, têm a função de criar uma situação de humorística maior do que necessariamente um espanto no sentido de uma impossibilidade de mundo em que eles habitam. Afinal, nesse mundo, encontramos tartarugas e porquinhos falantes, assim como sereias convivendo com personagens com a morfologia parecida com a nossa".

- Autor: André Luiz Souza da Silva.

9) Experimenta-te a ti mesmo: Felipe Neto em performance no YouTube
- Curso: Mestrado em Comunicação Social na Universidade Federal de Minas Gerais
- Trecho: “Para fins desta dissertação, entendemos que as audiências dos dois canais de Felipe Neto no YouTube se referem a grupos de falantes que se vinculam temporariamente em uma situação específica de enunciação e circunscrita à ambiência midiática operada pelo site”.
- Autor: Tiago Barcelos Pereira Salgado.

10) A pedofilia e suas narrativas: uma genealogia do processo de criminalização da pedofilia no Brasil

- Curso: Doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo

- Trecho: "Por tudo que foi visto nesta tese, não é possível afirmar que a pedofilia seja, em sua totalidade, sinônimo de violência sexual contra a criança, embora os termos sejam usados de modo indiscriminado e intercambiável em quase todos os domínios do saber. Os diversos textos apresentados aqui demonstram que muito pedófilos nunca violentaram sexualmente uma criança; e que muitos agressores sexuais infantis não podem ser considerados pedófilos, por não se enquadrarem na definição psiquiátrica da categoria".

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Percival Puggina

Membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

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