O pacto do STF

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O Brasil é realmente um país surrealista. Até o Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta Corte de Justiça do país, resolveu promover um pacto político para ver se alguma coisa pode nos salvar da crise que se avizinha. A proposta de entendimento abrange os três poderes da nação, repetindo a mesma coreografia de tentativas anteriores.

A proposta já foi tentada outras vezes, sem qualquer resultado prático. Mesmo assim, nossos políticos não deixam de citá-la. Até o presidente Bolsonaro a louvou, haja vista a insistência da classe política em retardar as reformas que o país tanto necessita.

Na Espanha, algo parecido aconteceu com o “Pacto de Moncloa”, assinado em 25 de outubro de 1977 pelos partidos políticos, sindicatos e empresários. Nele, a articulação política envolveu o próprio Rei Juan Carlos, fiador da volta da democracia, o primeiro-ministro Adolfo Suárez e o líder esquerdista Santiago Carrillo, secretário geral do Partido Comunista Espanhol.

Durante semanas os diferentes representantes da sociedade espanhola discutiram formas de garantir a democracia naquele país, tentando evitar a volta do autoritarismo. Ao fim do encontro, os sindicatos aceitaram dar um ano “de graça” ao governo de Adolfo Suárez abrindo mão de reivindicações salariais e greves.

Do lado empresarial, os empresários admitiram a reorganização sindical livre e a discussão de novas leis sociais mais modernas e democráticas nas empresas. O pacto durou até 1985, quando foi substituído pelo AES-Acordo Econômico e Social.

O pacto espanhol inspirou muitos governos. Até o ex-presidente Tancredo Neves o considerou um modelo a ser seguido pelo Brasil. Com a morte de Tancredo, o seu vice, José Sarney assumiu a Presidência.

Na chamada Nova República, outras tentativas foram feitas, embora em contextos diferentes. Também foram retomadas pelos governos quer se seguiram, a exemplo de Fernando Collor, que admitia um “Pacto de Moncloa” à brasileira.

Outro que enganou o povo com esse negócio de Pacto foi Fernando Henrique Cardoso, que sugeriu um entendimento nacional sobre o rombo da Previdência Social.

Até o Lula tentou o seu pacto, sendo que sua sucessora, Dilma Rousseff, em meio à crise desencadeada pelos escândalos de corrupção que emergiram na Operação Lava-Jato, tentou fechar um acordo com os governadores para evitar o seu impeachment.

Durante os protestos de Junho de 2013, que levaram às ruas milhões de brasileiros, Dilma chegou a propor a realização de um plebiscito para convocar uma Constituinte visando à reforma política. No dia 24 de junho, em reunião no Palácio do Planalto, com a presença de 27 governadores e 26 prefeitos das capitais, Dilma apresentou cinco pontos visando debelar a crise.

Eram propostas sobre responsabilidade social, reforma política, Saúde, Educação e transporte público. A iniciativa era uma tentativa de dar uma resposta às manifestações que chegaram a mais de cem das principais cidades do país. As propostas nessas áreas, porém, precisavam ser definidas em grupos de trabalho formados por representantes das três esferas de governo,, igualzinha à do STF.

O problema é que nossa Corte Alta não está com credibilidade para formar pacto nem propor acordo politico capaz de alguma solução prática. Os ministros do STF estão sendo criticados pela sociedade como garantidores da impunidade. O próprio Toffoli, iniciador da proposta, propôs uma medida atentatória contra a liberdade de expressão.

Diante desses fatos, fica difícil aceitar qualquer pacto proposto pela classe política - ou mesmo pelo STF -, capaz de promover algo positivo neste país. Talvez os militares conseguissem, mas, para isso, seria necessário colocar as tropas na rua. Fora disso, o único pacto que a classe politica aceita é o que garante seus privilégios e a impunidade contra a corrupção.

Foto de Luiz Holanda

Luiz Holanda

Advogado e professor universitário

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