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As queimadas na Amazônia Brasileira e a guerra de informações: cuidado, querem te manipular

De celebridades hollywoodianas a políticos, passando pela imprensa mainstream, todos querem tirar uma casquinha dos incêndios florestais

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Dependendo do canal consumido, um cidadão da Islândia sairá da TV ou da internet imaginando que um político de extrema-direita brasileiro está com uma tocha na mão, torrando árvores e as já quase extintas girafas amazônicas. O exagero deste primeiro parágrafo, por incrível que pareça, perde para outros promovidos por quem – com todo o recurso disponível em reais ou dólares – fala besteiras sobre as queimadas florestais no Brasil, intencionais ou por amadorismo.

“As queimadas são tão grandes que podem ser vistas do espaço”

Muita coisa pode ser vista do espaço hoje em dia, até a placa do seu carro. As manchetes publicadas ou copiadas eternamente com um título chamativo querem dar a entender que nossas queimadas são um evento colossal único, apoiadas por um governo de extrema-direita e seu eleitorado destruidor das matas para plantar soja ou criar gado.

A imagem “de capa” ironicamente escolhida para ilustrar este artigo é do Canadá, dos incêndios florestais de Alberta ocorridos em maio de 2019 – e que ninguém mais lembra. A fumaça de vários focos de incêndio atravessou a fronteira e foi nublar o céu de cidades no meio dos Estados Unidos, uma “viagem” de 3600 km. Você já mediu a distância entre o meio do estado do Amazonas e a cidade de São Paulo? São cerca de 3000 km, com folga.

Queimada X Desmatamento

Toda queimada gera desmatamento (é óbvio), mas nem todo o desmatamento é queimada. Trabalho braçal no corte de madeira, “correntões” abrindo novas áreas em território amazônico, sejam elas para loteamentos residenciais, industriais ou lavouras, podem contar como desmatamento.

É preciso separar o joio do trigo: onde ocorrer crime, que este seja combatido. Muitos sites estão juntando números de áreas atingidas pelos dois nas reportagens. Diz o G1 Amazonas hoje que “entre 2013 e 2018, mais de 4,6 mil km2 foram desmatados no Estado”, com dados do INPE. São 460 mil hectares desmatados. Outro grande incêndio ocorrido no Canadá em 2016 (Fort McMurray) queimou 590 mil hectares em dois meses. Vale lembrar que a área chamada de Amazônia Legal tem mais de 520 milhões de hectares.

Recursos no combate a incêndios (de qualquer tipo)

A riquíssima Califórnia sofre regularmente com gigantescos incêndios em suas florestas, causando enormes danos materiais e até perda de vidas. O incêndio do Complexo de Mendocino, em 2018, queimou 166 mil hectares de área e ocupa a liderança dos incêndios no Estado. De prejuízo, foram US$ 267 milhões e um custo para combater que passou dos US$ 200 milhões. Um bombeiro morreu na operação.

O orçamento do Corpo de Bombeiros do Estado do Amazonas foi de R$ 74,5 milhões no mesmo ano (cerca de 18 milhões de dólares). Resumindo: apenas um combate a incêndio na Califórnia custou 11 vezes o orçamento de um ano inteiro dos bombeiros amazonenses.

Da mesma Califórnia partem as mais diversas sinalizações estreladas de virtude. Praticamente o elenco inteiro da série Lucifer, da Netflix, está postando loucamente fotos no Instagram tentando “chamar a atenção do mundo” para os incêndios da Amazônia “pulmão do mundo”. Lauren German, a própria namoradinha do tinhoso na série, usou uma foto do fotógrafo peruano Mohsin Kazmi, feita no passado para ilustrar a situação atual, dando diversas dicas para ajudar a floresta, além da hashtag #prayforamazon.

Outra integrante do elenco, Rachael Harris, tagueou diversas celebridades americanas em uma foto e chamou na responsabilidade o dono da Amazon (aquela do e-commerce), Jeff Bezos. Afinal, ele usa o nome “Amazon”. É sério. Para fechar o rol das sandices, adicione imagens de corpos pintandos em protesto que colocam girafas na Amazônia.

Parte de uma indústria de contribuiu com US$ 100 bilhões de dólares em valor agregado para os EUA em 2015 (o valor bruto de toda a nossa produção agropecuária em 2018 foi de US$ 139 bilhões), a turma do Lúcifer mora em um Estado que continua sendo, ano após ano, vítima de incêndios florestais, apesar de toda a grana e recursos humanos. Prova de que o problema é mais sério e de difícil solução, pedindo algo além das hashtags para o trabalho.

Acesse o site da NASA neste endereço: CLIQUE AQUI.

O problema das queimadas na Amazônia ou em qualquer bioma brasileiro é sério, de difícil abordagem e multidisciplinar. Envolve áreas de difícil acesso e a extensão dos danos ambientais é fruto de décadas de políticas públicas ineficientes. O nosso Banhado do Taim ardeu em chamas no ano de 2013, perdeu quase 6000 hectares e tudo isso aconteceu “mais perto das capitais” e ao lado de um enorme corpo de água. Como se não bastasse, estamos vivendo uma época de crise, com um governo que ainda não limpou todas as gavetas deixadas pelos petistas e lida com o problema em uma área de altíssimo interesse geopolítico.

E tudo o que é multidisciplinar no Brasil é sinônimo de orçamentos deficientes em diversas áreas, do serviço de satélite e aprimoramento das políticas de detecção até a gasolina da viatura que irá combater o foco. A força das imagens (reais e fictícias) nesta guerra de narrativas é inegável, restando ao governo baixar a cabeça no problema e mostrar serviço. Quanto à difamação internacional do agro brasileiro, o próprio setor deve ajudar, com campanhas de esclarecimento aqui e no exterior.

Portanto, fica a dica: tenha mais cuidado com todas as informações reverberadas no caso das queimadas da Amazônia. As besteiras e a má-fé de muitos (estas sim) são quase vistas do espaço, tamanha desfaçatez.

Matéria originalmente publicada no site Lócus Online

da Redação Ler comentários e comentar