O casuísmo no STF e os milhões surrupiados por Dida

05/09/2019 às 06:26 Ler na área do assinante

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) simplesmente anulou o julgamento que condenou Aldemir Bendine, o Dida, a 11 anos de prisão por corrupção ativa e lavagem de dinheiro.

Qual será a gravidade e que consequências poderá trazer uma decisão tão controversa?

Bendine presidiu o Banco do Brasil desde 17 de abril de 2009 até ser guindado a presidente da Petrobras por Dilma Rousseff em 06 de fevereiro de 2015 para a pretensa missão de estancar a roubalheira naquela estatal. Resultado? Investigado e julgado pela Força Tarefa da Lava Jato (com seu nome, aliás, na lista do departamento de propina da Odebrecht, chamado elegantemente de Setor de Operações Estruturadas), terminou preso como corrupto.

Ele é investigado por vários crimes.

Por exemplo, o empresário Joesley Batista, mediante acordo de colaboração premiada, informou ao Ministério Público (MP) que Bendine, usando a condição de presidente do Banco do Brasil, pediu-lhe pessoalmente R$ 5 milhões "emprestados" para comprar um imóvel - valor que, obviamente, jamais devolveu.

No pedido de sua prisão, apresentado pelo MP em 18 de julho de 2017, consta o que revelou Fernando Reis, ex-presidente da Odebrecht Ambiental.

Segundo o executivo, Bendine "estava insatisfeito, pois Guido Mantega (que concentrava as funções de interlocutor e arrecadador do PT/Governo Federal junto ao Grupo Odebrecht) monopolizava a interlocução" com a empresa. Ele se queixava porque "recebia as ordens do Ministro [Mantega], mas ao final não via nada", quer dizer, não embolsava nada.

Mas a condenação, aqui, refere-se unicamente aos milhões que ele surrupiou como presidente da Petrobras, delitos apurados nas investigações da 42ª fase da Lava Jato, denominada Operação Cobra, realizada em 2017, que o STF pretende fulminar.

Sim, com votos de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia (de uma turma de cinco ministros), o STF anulou o julgamento, sob a escusa de que, no processo, o juiz (Sergio Moro) abriu prazo simultâneo para Bendine e para os executivos da Odebrecht (que o delataram, mas já nada acrescentariam) apresentarem alegações finais.

Ignorando que Bendine pôde recorrer à 2ª instância, onde, em que pese haver apresentado suas "razões", todas as provas do crime foram convalidadas e a sentença confirmada, o STF acha que a "simultaneidade" das manifestações impediu a defesa.

O amparo teórico para essa decisão esdrúxula, assim como para todo o ativismo judicial que, hoje, quer trancar o combate à corrupção, é um tal "garantismo penal" (à brasileira). Em nome do não abuso aos direitos fundamentais do réu, essa doutrina trata criminosos como vítimas. Em sua lógica, se não há em lei um mandamento taxativo em desfavor do réu, ele deve ser favorecido: é a degeneração do "in dúbio pro reo".

Aí, vale argumentar como advogado de comédia: se o juiz for garantista, a pantomima estará completa. E é o que se está vendo.

Na condenação de Bendine, é ridículo alegar que faltou o "contraditório e ampla defesa". Além da rígida observância dos ritos processuais no 1º grau, ele pôde recorrer ao 2º grau para reformar a sentença (obtendo, aliás, redução da pena). Ademais, não existe regra formal impedindo que o juiz receba as alegações finais, de ambas as partes, ao mesmo tempo.

Ainda assim, o STF, aferrado a um discurso garantista e com arte ficcional, arranjou uma filigrana processual e anulou o julgamento, talvez na expectativa de dar a Bendine a chance de ser "rejulgado" por um magistrado garantista - ou ter o obséquio da prescrição...

O caso Bendine será submetido ao pleno do STF. Se o casuísmo da Segunda Turma se confirmar, estará criado um "precedente" que vai garantir a soltura de inúmeros apenados, não só figurões da política, mas também, porque é lógico, autores de toda espécie imaginável de crime.

Renato Sant'Ana

Advogado e psicólogo. E-mail do autor: sentinela.rs@uol.com.br

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