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Um ALERTA às vítimas de Brumadinho sobre o prazo para pedir indenização e um desafio à Vale

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Os vitimados de Brumadinho precisam ser alertados sobre uma importantíssima e fatal questão jurídica. É a prescrição. Prescrição das ações pessoais. Uma vez consumada, fecham-se as portas da Justiça e ninguém mais pode ir nela bater em busca de indenização.

Pelo Código Civil de 1916, o prazo era de vinte anos a contar do dia que ocorreu o dano. Era a chamada prescrição vintenária. Já pelo Código Civil de 2003 (Lei nº 10.406 de 10.1.2002) e que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, o prazo foi reduzido para dez anos, desde que não esteja fixado prazo menor. A conferir:

Artigo. 177 - Código Civil de 1916

"As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20 (vinte) anos...contados da data em que poderiam ter sido propostas"

Artigo 205 - Código Civil de 2003

"A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor".

O detalhe fatal está na ressalva "quando a lei não lhe haja fixado prazo menor". Isto porque o mesmo Código Civil de 2003 fixou prazo menor, conforme se lê no artigo 206, parágrafo 3º, nº V:

"Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil".

Se constata que o legislador de 2003 foi de uma crueldade brutal. Estabeleceu que as vítimas de dano só poderiam recorrer à Justiça em busca de indenização no prazo de três anos a contar da data em que sofreu o dano.

Assim, as pessoas que tiveram parentes mortos estão obrigadas, neste exíguo prazo, a buscar indenização na Justiça.

Se perder o prazo, a pretensão indenizatória se extingue. Não pode ser mais exigida.

Sim, exíguo prazo, porque em três anos os familiares dos que morreram ainda estão de luto. E, de luto, terão que constituir defensores, públicos ou particulares, tratar da papelada e reviver toda a dor perante o Judiciário. Que maldade!

Mas é a lei. Dura e crudelíssima lei, mas é a lei.

No caso de Brumadinho a tragédia ocorreu em 25.1.2019. Neste último sábado (25.1.2020) completou um ano.

Quem deu entrada na Justiça com processo (ação) indenizatória contra a Vale S/A garantiu o seu Direito, ainda que o processo dure muitos anos até terminar. Para quem ainda não recorreu à Justiça, só restam 2 anos. O prazo vai até 24.1.2022 a partir de quando a pretensão indenizatória se extingue e a Vale não mais estará obrigada a pagar indenização.

É preciso ressaltar que eventuais ações coletivas já propostas só beneficiam os vitimados que delas fizerem parte. Que delas sejam autores e/ou coautores. Não beneficiam os que estão fora, contra quem o prazo prescricional continuar a correr e a ser contado.

Minha experiência profissional de 45 anos sempre advogando para vitimados de tragédias (Bateau Mouche, Palace II de Sérgio Naya, Queda do Elevado Paulo de Frontin, Chacina da Candelária, Chacina de Vigário-Geral, Mortes nos presídios, Erros Médicos, Mau Atendimento Hospitalar e muito e muito mais....tudo no Rio de Janeiro) me obriga, mesmo no ocaso da profissão, mesmo distante de Brumadinho, mesmo idoso que sou, a fazer este alerta aos vitimados.

Não esperem acordos extrajudiciais, fora da Justiça, fora de processos. Nada é confiável. Não vale a pena. Eu, ao longo da minha advocacia, nunca fiz um. No caso de Brumadinho a obrigação que recai sobre a Vale S/A de pagar indenização, ampla, geral, abrangente e na maior expressão financeira que se possa fixar, é obrigação indiscutível..

Todos os dias a Vale S/A exibe nas emissoras de televisão um anúncio escrito e lido em que diz que a Vale está fazendo isso...que está fazendo aquilo...que já fez tantos acordos....que fará muito mais....que está preocupada com as vítimas....e neste diapasão prossegue o anúncio da Vale. Mas indago da poderosa empresa: por que a Vale não anuncia também que, diante do exíguo prazo de 3 anos para ser ela acionada na Justiça pelas vítimas, a Vale "decidiu previamente renunciar à prescrição, a fim de permitir que a qualquer tempo os vitimados possam recorrer à Justiça"?

Sim, a prescrição é renunciável. Quem deve, quem está obrigado a pagar indenização, pode renunciar ao prazo que a lei estabelece em seu favor para responder judicialmente pela reparação do dano que causou.

Dos anúncios que a Vale S/A anda fazendo nas tevês e jornais também, este seria o mais nobre gesto de quem ceifou muitas vidas, de quem tudo destruiu, de quem espalhou a desgraça.

Aqui vai o desafio deste veterano e sofrido advogado (cada cliente, que durante 45 anos me procurou no escritório, foi uma lágrima de mim derramada): Vale, anuncie que, antecipada e previamente, renunciou à prescrição.

Foto de Jorge Béja

Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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