Patrimônio de Afetação: há dez anos poderia saber o que agora vai afetar você

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O direito brasileiro contém importantes mecanismos de proteção aos adquirentes de imóveis na planta, notadamente aqueles contidos nas leis de incorporação imobiliária e de parcelamento e uso de solo urbano.

Entretanto, quando sobrevém a falência de alguma empresa incorporadora, o sistema legal deixa à mostra algumas lacunas que evidenciam a vulnerabilidade da posição do adquirente de unidade imobiliária em construção. Podendo levá-lo à perda do imóvel que tanto sonhou em adquirir, além das quantias de desembolsou a favor do incorporador.

Essa vulnerabilidade assumiu extraordinária expressão nos últimos anos da década de 1990, com a falência da Encol (uma das maiores empresas construtoras do país, à época), provocando paralisação de centenas de obras em nível nacional, sujeitando a riscos e incertezas os direitos creditórios de dezenas de milhares de famílias adquirentes de imóveis por ela incorporados. Em casos como esses, os prejuízos dos adquirentes são irreparáveis: na qualidade de credores de uma massa falida deverão habilitar seus créditos concorrendo com os demais credores, em desvantagem relativamente aos direitos trabalhistas e tributários.

Na tentativa de minimizar estes riscos e aumentar a segurança dos adquirentes, foi promulgada a Lei federal no 10.931/2004, que dispõe sobre a constituição de patrimônio de afetação. De autoria de um parlamentar tucano e sancionada pelo presidente de plantão.

Por meio deste instrumento legal, caso a incorporadora venha a optar pela constituição do patrimônio de afetação, os adquirentes dos imóveis em construção passam a ter mais proteção. Todo o conjunto de direitos e obrigações daquele empreendimento específico ficariam exclusivamente vinculados à consecução deste negócio, não se misturando aos demais da mesma incorporadora.

O importante atrativo desta opção, para as incorporadoras, é a possibilidade de adoção de tributação dos impostos federais no Regime Especial de Tributação (RET). E, assim, ver incidente sobre o Valor Geral de Vendas (VGV) a alíquota total de 4% (quatro por cento), englobando todos os impostos e contribuições federais.

Caso as incorporadoras optassem pela tributação pelo regime do Lucro Presumido (usualmente adotado em detrimento do regime de tributação pelo Lucro Real), o montante dos impostos e contribuições federais elencados anteriormente seriam equivalentes a 7,6% do VGV. Para exemplificar: utilizando-se o Valor Geral de Venda (VGV) anual das empresas incorporadoras (cerca de R$ 100 bilhões) – que usualmente adotam o RET, em face da constituição “hipotética” do patrimônio de afetação em seus empreendimentos – a renúncia fiscal anual da Receita Federal é de R$ 3,6 bilhões. Alcançou a cifra aproximada de R$ 40 bilhões, em valores históricos desde a sanção da lei pelo presidente Lula. Dinheiro que escoou pelo ralo.

Em contrapartida ao gozo de tais benefícios fiscais, foi desejo do legislador, criar proteção adicional aos adquirentes dos imóveis novos na planta. Para tanto, por força de lei, a incorporadora deveria convocar Assembleia dos adquirentes para eleger a Comissão de Representantes para fiscalizar e acompanhar o dito patrimônio de afetação. Assegurando, dentre outras medidas de caráter prático, que a incorporadora mantivesse conta-corrente bancária exclusiva para movimentação dos recursos daquele empreendimento. Evitando-se eventuais “empréstimos” entre o patrimônio de afetação e as outras empresas nas quais participa o incorporador, para aplicações em finalidades diversas da construção do imóvel afetado.

O que deveria ser objeto de marketing e publicidade para atrair novos clientes e ampliar a competitividade tornou-se unicamente instrumento de redução de custos tributários e de estímulo do governo federal ao setor imobiliário. No entanto, sem qualquer fiscalização da Receita Federal para saber se, de fato, os incorporadores afetaram os empreendimentos dos quais gozam do benefício fiscal e se os consumidores estão com seu patrimônio protegido.

Como as incorporadoras não tem o hábito de criar as Comissões de Representantes exigidas legalmente (“daria muito trabalho”, responderam à imprensa quando procuradas, em agosto de 2014), aos consumidores não são permitidos o acesso às informações contábeis e financeiras de seus empreendimentos cujo patrimônio legalmente está afetado.

O fato das incorporadoras não criarem tais comissões e o reconhecerem publicamente poderia ser objeto de investigação aprofundada pelo Ministério Público Federal. Afinal, confirmando-se esta hipótese, tratar-se-ia do descumprimento da lei (um crime contra a economia popular) e deveria, portanto, implicar na perda imediata dos benefícios fiscais concedidos (um crime fiscal) e a suspensão do registro no Regime Especial de Tributação (RET) junto a Receita Federal, com lavratura dos respectivos autos de infração retroativamente, alcançando todos os anos de exigibilidade.

Em um ambiente de economia instável como a atual, com reais possibilidades de ainda maior aprofundamento da crise, assistimos a redução acelerada do ritmo de vendas de imóveis novos há meses e às feiras de liquidações das incorporadoras, na tentativa de fazer caixa para evitarem a bancarrota. Aparentemente “a roda da bicicleta parou de girar”. 

O sinal amarelo está piscando na esquina: É hora dos compradores de imóveis na planta serem mais cautelosos ao assinarem contratos e passar a exigirem um dos seus mais importantes direitos – ter sua casa própria ou seu escritório entregues com a qualidade e prazos contratados.

Elpidio Alves Pinheiro

Empresário, administrador de empresas, engenheiro civil, pós-graduado em Formação Holística de Base, terapeuta social pelo CIT e escritor do livro “Condenados a Amar”

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