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Fetichização e pragmatismo da esquerda no poder

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O que vem a ser ‘esquerda’ e quais são suas propostas políticas? Os termos ‘esquerda’ e ‘direita’ foram criados no decorrer da Revolução Francesa. Os parlamentares que se sentavam à direita do presidente da Assembleia eram favoráveis à monarquia e defendiam o Ancien Régime, e os parlamentares que ficavam à esquerda defendiam a igualdade social e a liberdade de pensamento e de mobilidade.

Pragmatismo é um movimento filosófico criado por Charles Sanders Peirce (1839-1914) e William James (1841-1910) que influenciou a política norte-americana no século XX que, por sua vez, influenciou os governantes latino-americanos. Ele prega que a validade de uma doutrina é determinada pelo seu êxito prático. Fetichização pode ser conceituado sob várias formas, uma delas como sendo o ato de tomar partido a favor ou contra uma pessoa ou uma facção política ou religiosa, sem se importar com a justiça ou a verdade. É uma atitude de admiração exacerbada.

Referindo-se ao arraigado hábito de ‘tirar vantagem’ praticado pelos líderes brasileiros, Fernando Henrique Cardoso diz que ‘a virtude do político não é pessoal, é a virtude de colocar um objetivo que seja aceito e fazer com que aconteça. Isso tem um preço, e esse preço muitas vezes contraria o que você gostaria de fazer’. É uma forma irônica de defender o pragmatismo. O livre arbítrio é uma característica do ser humano para escolher entre o certo e o errado e, às vezes, sofrer as consequências de seus atos.

A chamada esquerda brasileira, em sua histórica e produtiva trajetória desde os anos 20, chegou ao poder quando Lula assumiu a presidência da República. Infelizmente abandonou sua tradicional bandeira de lutas, adotando uma política pragmática fetichista (em relação ao poder) que levou à atual crise e ao esfacelamento da própria esquerda.

Para se entender esse fenômeno é preciso retornar ao longo período histórico que vai de 1930 a 1980 quando o país passou por duas perversas ditaduras e várias crises políticas, econômicas e sociais. A Terra de Santa Cruz, nessa fase, teve uma ‘modernização conservadora’: industrialização (substituição de importações) e urbanização com a manutenção da estrutura fundiária concentradora da riqueza. Nos dois processos de ‘redemocratização’, o primeiro no final da década de 40, e o segundo no final dos anos 80, a metodologia utilizada foi a institucionalização negociada, com anistia e manutenção das elites dominantes.

Nesse período de desenvolvimento político partidário as esquerdas eram lideradas pelo PCB (o Partidão), que cumpriu seu papel histórico, mas acabou dissolvendo-se devido aos equívocos cometidos nessa trajetória. Várias siglas apareceram e desapareceram, sendo que algumas se reagruparam.

Ocorre uma crise, dizem os teóricos, quando o ‘modelo político-econômico-social’ vigente se esgota e as lideranças que comandam o país ainda não encontraram, nem definiram, os novos rumos que serão adotados. Os articuladores, então, entram em ação criando alternativas que serão testadas ao longo de um determinado tempo em que os desequilíbrios permanecerão dominantes. O tempo para se encontrar as soluções adequadas dependerá dos acertos e erros políticos dos novos programas gestados e implementados pela nação.

Foi no início dos anos 80 que o PT, de modo renovador e prometendo reformas comportamentais atraiu os movimentos sociais e sindicais (onde foi gestado), assumindo a liderança das esquerdas. Nesse processo foi coadjuvado pelo PCdoB, PDT, PSB e outras siglas menores. Houve divergências e dissidências. As aristocracias dominantes continuaram no poder, vestindo a nova roupagem do neoliberalismo e dando abertura para que o povo extravasasse suas ansiedades e esperanças. O ciclo do ‘social-desenvolvimentismo’ iniciado na década de 50 continuou, desaguando no pífio reformismo social liberal dos governos PSDB-PFL.

O PT e o PMDB assumiram o poder prometendo profundas reformas sociais, políticas e econômicas, renovando as esperanças dos que aguardavam a implementação de um programa assentado nos ideais de um socialismo democrático ou, na pior das situações, em uma social democracia. Nada disso aconteceu porque Lula e Dilma deram continuidade ao neoliberalismo recomendado pelo Consenso de Washington e implantado no país a partir dos governos de Fernando Collor de Melo, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso.

O que se viu em seguida foi um pragmatismo conivente e o “aparelhamento partidário” fetichista, como se o Estado fosse propriedade dos governantes, confundindo-se o patrimônio público com o patrimônio privado. Por outro lado, o PT cometeu vários erros estratégicos, acirrando a reação conservadora. O presidencialismo de coalizão (onde o Congresso manda mais que o Executivo), as pedaladas fiscais, o estelionato eleitoral, o sucateamento da educação e da saúde, os empréstimos sigilosos feitos pelo BNDES e a adoção das tais cotas raciais, quando a sociedade exige a preservação do mérito e da capacitação, sem dúvida, foram os mais graves. A Constituição Federal define que todos são iguais, que todos são apenas brasileiros sem privilégios.

Os escândalos de corrupção (mensalão, petrolão e outros) e o fisiologismo escancarado do PMDB trouxeram a desesperança, a revolta e o clamor por reformas. Entretanto, o sistema político (com um milionário fundo partidário sustentado pelos impostos e o ‘caixa 2’ alimentado pelas ‘doações’ empresariais) já estava contaminado. Os chamados partidos de esquerda ameaçaram se afastar do PT, mas não dos cargos no governo, deixando tudo como estava antes.

Chegou-se a um novo fim da política ‘social-desenvolvimentista’ formatada no século XX. Hoje se vive uma nova e longa crise política, social e econômica sem perspectivas de curto prazo, alimentada pelas eleições municipais que se aproxima. O povo quer mudanças e reformas que, obrigatoriamente, teriam que passar pelo Congresso Nacional. Mas o que esperar desses parlamentares que aí estão?

Segundo Claudio de Moura Castro ‘Se alguma coisa vai acontecer, terá de começar com a percepção candente da falta que fazem o comportamento moral e lideranças que contribuam para essa tomada de consciência’. Como ‘Deus é brasileiro’ e o Brasil ‘é a pátria do Evangelho’, esperemos pelo milagre.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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