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Democracia, a musa dos inconformados

Quando algo não suspira a favor de alguém importante logo vem a advertência de que estão em perigo o Estado de Direito e a Democracia

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Sobre o Manifesto dos Advogados dos suspeitos e indiciados da Operação Lava jato, intitulada: "Carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na operação Lava Jato". 

Ora, vejam bem! Se todas as vezes que nos deparamos com os desvios de conduta das pessoas, especialmente, aquelas que detêm visibilidade na sociedade, seja pela profissão que exerçam, seja pela opinião que têm acerca das coisas e não aceitam de qualquer forma o contraditório, não implica, de modo algum, afirmar que a democracia e o Estado de Direito estejam em perigo, como se fossem alguma espécie animal em risco de extinção exclusivamente em razão da ação predatória de parte dos homens. Na política é assim. Na imprensa é assim. Ambos vivem da especulação e da formação de opiniões, cada qual defendendo suas próprias crenças. Mas, quando nos deparamos com advogados, cujo interesse em assinar um manifesto em desfavor da ação da justiça, porque, inexoravelmente, vai contra os seus próprios interesses – ou de seus clientes – devemos ter a certeza de que é hora de olhar as cartas na mesa e explorar a possibilidade do blefe.

Ou estarão referindo uma Democracia Seletiva?

É o que me vem quando leio o manifesto de vários renomados advogados que buscam a partir do documento atacar, não só a Justiça, mas aqueles que tentam trazê-la da frieza das letras para o mundo da realidade e dos fatos.

O que vejo naquele manifesto não é a denúncia do abuso de poder ou de supostas violações de direitos subjetivos como querem fazer crer. O manejo das palavras se revela como uma arrumação de vitrine; muito atraente e irresistível ao apelo de comprar primeiro a ideia de consumo, depois o produto vagabundo do estoque.

O professor jurista Aníbal Bruno, legou-nos a lição de que o direito penal subjetivo, propriamente dito, inexiste, pois o que se manifesta no exercício da justiça penal é a soberania do Estado, cujo poder jurídico insculpido na lei penal é o necessário para que esse mesmo Estado cumpra a sua função originária que é assegurar as condições de existência e continuidade da organização social.[1]

Por óbvio, que num Estado Democrático de Direito, não se pode permitir a transgressão das linhas demarcatórias do direito positivado, que dão vida aos mandamentos da Constituição da República Federativa do Brasil, sob pena de feri-la e ingressarmos na ordem do bem contra o mal, quando o bem só tem representação nos homens de poder e influência.

Ademais, reduzir o papel do Estado a um direito subjetivo falsificaria a natureza real dessa função e diminuiria a sua força e eficácia, porque resolve o episódio do crime apenas em um conflito entre direitos do indivíduo e direitos do Estado.[2]

Não se entenda com isso, que afirmo ou concordo com o fato de que o Estado possa de qualquer forma atentar contra os direitos e garantias civis dos cidadãos em nome de sua soberania. Entretanto, na esteira do exercício da obrigação da persecução penal, da investigação administrativa/criminal e da punição efetiva, resguardadas todas as garantias preordenadas na Lei Maior, não vejo como o Estado poderia estar, no caso da Operação Lava jato, a ameaçar o Estado de Direito e a atuação do Poder Judiciário, acusado no manifesto, de estar sob a influência da publicidade opressiva que atua em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial.

Mas, se nos arredores da justiça atacada, do estado incitado, dos juízes e ministros colocados sob o manto da suspeição e da imparcialidade, a organização do Estado, por outro lado, tem seus próprios instrumentos para fazer emergir a verdade e punir, com tanto ou mais rigor, estes funcionários da lei, mais do que aqueles a quem dirige suas pretensões punitiva e executória.

Não ouço, não vejo e não testemunho nada, nem sequer tanto denodo com relação às centenas de milhares de encarcerados que estão nas mesmas condições, quando não piores, do que a destes senhores políticos representantes do povo brasileiro e funcionários de carreira que assaltaram a sociedade brasileira quando desviaram recursos públicos em monta jamais vista antes, causando um sem número de vítimas dentro e fora do território nacional.

Esses signatários, que exercem um múnus publicum perante a sociedade, sob a égide da Ordem dos Advogados do Brasil e seus Estatutos e Códigos de Ética e Disciplina, além do Mandamento Constitucional, consagram e sancionam com perfídia um status quo falso e embusteiro na tentativa de fazer crer a sociedade de que o Estado-Judicial age desrespeitando as leis, sujeitando os seus clientes a indignidade humana, mas esquecem-se de tomar o ônus em favor dos desvalidos que, como já mencionei alhures, estão em situação bem pior.

Que sejamos justos e jamais hipócritas.

"Verba volant, sripta manent", (As palavras voam, os escritos permanecem). Assim Michel Temer iniciou sua missiva endereçada a presidente Dilma Rousseff. Arrependeu-se, pelo que se diz na mídia. Pode ser que tenha se arrependido de fato, pois, nada mais verdadeiro que a factualidade da expressão prefacial epistolar do vice-Presidente da República. Mas, e daí!? Daí surgem as consequências, as quais, ainda que não se deem no plano dos fatos, se espraiam na arena das consciências emasculadas e cuidadosamente disfarçadas de puritanismo hipergarantista que povoa a cabeça de certas pessoas. É do que se trata aqui neste manifesto. De um intermédio Nietzschiano, posso extrair: "Não existem fenômenos morais, mas uma interpretação moral dos fenômenos". Ou ainda: "Os advogados dos delinquentes são raras vezes suficientemente artistas para explorar o belo horrível do delito em favor dos réus".

É o que acontece quando a expressão antecede a razão.

Tomo, pois, por inadequada e viciosa a peça teatral a que se permitiram submeter esses caríssimos e valorados profissionais do direito da raça superior.

 JM Almeida.


[1] Nucci, Guilherme de Souza / Código Penal Comentado – 8 ed. rev. atual e ampl. – São Paulo : Ed. Revista dos Tribunais, 2008 – p.37

[2] idem

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JM Almeida

João Maurino de Almeida Filho. Bacharel em Ciências Econômicas e Ciências Jurídicas. 

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