Como a pandemia do coronavírus revela dois extremos: O melhor e o pior de nós

21/03/2020 às 20:11 Ler na área do assinante

Estamos vivendo tempos difíceis. A pandemia do coronavírus nem atingiu seu ápice e já estamos isolados e assustados. No entanto, há aqueles que não descansam. E aqui não estou falando daqueles profissionais que estão se colocando em risco pelo Bem Comum, indo além de suas forças para, de alguma forma, minimizar o sofrimento daqueles que adoeceram em virtude do coronavírus, bem como para evitar o número de óbitos. Esses expressam aquilo que há de melhor em nós. Eles são a expressão de virtudes essenciais à coesão social e ao bem viver.

Nesse sentido, o coronavírus tem causado a oportunidade para que muitos expressem o que há de mais louvável e virtuoso na natureza humana. E graças a eles nós superaremos esse momento terrível. Graças a eles muitas vidas serão salvas, muito sofrimento será evitado ou, ao menos, mitigado.

Por outro lado, há aqueles que expressam o que há de pior em nós: o egoísmo, a mesquinharia, a maledicência, a torpeza. Esses são causa do vitupério social. Os exemplos aparecem diuturnamente.

Temos, por exemplo, os grandes veículos midiáticos, os quais insistem em usar seu acesso à população não para informá-la, esclarecê-la, mas para atacar de forma ignóbil a atual administração federal em todos seus níveis. E para isso usam de expedientes vis e sabidamente embusteiros. Usam especialmente mentiras e distorções (intencionais) dos fatos. E atacam de forma implacável todo meio midiático que não esteja alinhado com sua agenda esquerdista, acusando os espaços nos quais vige a liberdade de expressão de “falanges do ódio digital”, como expus aqui:

https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/19379/a-liberdade-sempre-encontra-um-caminho-uma-defesa-do-jornal-da-cidade-online-contra-os-inimigos-da-liberdade

Mas não é apenas a grande mídia que coordena ataques intencionais às nossas instituições e tentam, a todo custo, desestabilizá-las (desestabilizando, em consequência, o País). Como venho expondo em diversos textos, nossas universidades também se associam de forma oportunista a esse projeto.

Abordei isso aqui no JCO em diversos textos, dentre os quais:

https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/11853/como-as-universidades-se-tornaram-uma-ameaca-ao-bem-estar-publico

https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/13174/universidades-versus-brasil-uma-guerra-declarada

https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/13814/para-que-serve-uma-universidade-para-desgastar-e-pressionar

https://www.jornaldacidadeonline.com.br/noticias/14667/o-fracasso-de-nosso-sistema-socialista-de-gestao-universitaria

Mas às vezes elas, mídias e universidades, operam conjuntamente com o propósito de causar dissolução e, consequentemente, caos. Assim, não foi sem sentir repulsa que hoje li, em um desdenhável pasquim local, uma notícia intitulada “Em meio à pandemia, CAPES amplia corte de bolsas de pesquisa”. E, como se o título já não fosse suficiente para identificarmos sua pretensão, eles iniciam o texto sugerindo maliciosamente que o governo federal está deixando de investir em ciência em meio a uma pandemia, justamente no momento em que investimentos ainda maiores seriam “necessários”.

Sim, sugerem que a atitude de cortar bolsas implica em agravar a pandemia (como se houvesse alguma relação causal entre ambas as coisas).

Há, aqui, uma tentativa de associar uma decisão necessária da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES – Fundação ligada ao MEC) a um possível aumento da pandemia. E notícias como essa certamente vão se espraiar desde nossas universidades federais.

Segundo vejo, estão se aproveitando de uma tragédia de proporções mundiais, que já contabiliza milhares de mortes, para fins mesquinhos e torpes. E isso vem de uma universidade que nem aceita uma aproximação próspera com a iniciativa privada (“resistindo”, por exemplo, ao programa ‘Future-se’ e à aproximação com a iniciativa privada com vistas ao empreendedorismo e à internacionalização) nem aceita cobrar por cursos de especialização (algo já autorizado pelo STF). Ou seja: “resistem” em aceitar investimentos privados e atribuem exclusivamente aos pagadores de impostos seu bilionário custo.

Na verdade, os gestores de nossas universidades ainda não se aperceberam que os tempos mudaram.

Dadas suas mentes vetustas, eles vivem no passado, em um passado no qual vigiam (especialmente durante as gestões do PT) políticas educacionais destinadas ao fracasso, pois eram oriundas de uma mentalidade planificadora hostil à liberdade. Tal mentalidade, que nos levou ao “caminho da servidão”, criou (totalmente desconectada do mercado – das vontades individuais) programas que não estavam focados na prosperidade, mas nas eleições futuras. Eram não apenas populistas, mas imersas em ideologia. Foram criados mais cursos (graduação e pós-graduação), mais vagas, mais universidades .... bem como políticas focadas na quantidade (cada vez maior) de dissertações, teses, artigos, etc.

O foco era quantitativo: “mais”. Em algum momento nossos gestores se perguntaram sobre qual seria o resultado desse investimento bilionário? Creio que não.

Na verdade, seguem não se perguntando. Daí sua “resistência” diante de um governo (e de uma gestão do MEC) que se coloca essa questão fundamental: qual o resultado de tamanho investimento?

Noutros termos, estamos, hoje, diante de um governo que pensa prospectivamente. Daí o sugestivo programa ‘Future-se’. Mas, desafortunadamente, nossas universidades ainda são hegemonicamente formadas por mentalidades que insistem no que costumo chamar de “modelo socialista de gestão universitária”: destinado ao fracasso, ao desperdício e à privação.

Se tais gestores se preocupassem com a eficiência na alocação de recursos eles perceberiam, em primeiro lugar, que o investimento de recursos públicos (oriundos dos pagadores de impostos) não é a real causa dos avanços em ciência.

Um estudo seminal que demonstra esse ponto é a obra “The Economic Law of Scientific Research” (1996), de Terence Kealey. Nela o autor esclarece aquilo que leitores de pensadores tais quais Mises e Hayek já sabem: É o Mercado (liberdade econômica) a causa racional do desenvolvimento científico, ao passo que a intervenção estatal, pelo contrário, frequentemente atrasa (ou, mesmo, destrói) tal desenvolvimento. Na verdade, o problema é que a intervenção estatal coíbe a liberdade.

Um dos argumentos centrais de Kealey é o seguinte: Evidentemente o crescimento econômico depende da ciência e da tecnologia. Isso é indisputável. No entanto, ciência e tecnologia dependem da liberdade (a qual é ameaçada pelo avanço do Estado).

Portanto, o que hoje pode ser inclusive mensurado é o fracasso de uma política que ainda é defendida majoritariamente desde nossas universidades: Uma política que 1. Resiste em aceitar uma aproximação com a iniciativa privada (demandando que seus recursos bilionários sejam providos pelos pagadores de impostos) e que 2. Insiste em ser planificadora, desvinculada do mercado. O resultado dessa mentalidade está hoje escancarada. Temos muitas dissertações, muitas teses, muitos artigos, muitas pesquisas ..... irrelevantes.

Análises a partir da cientometria, feitas pelo Professor Marcelo Hermes (UnB) e colaboradores têm, por exemplo, documentado e mensurado o fracasso das pesquisas realizadas no Brasil, de tal forma que podemos chegar, em 2023, ao último lugar do planeta nos quesitos impacto e relevância.

Em suma, toda a quantidade de pesquisa expressa em dissertações, teses e artigos não se converte em qualidade. Não necessariamente. Harvard, por exemplo, está em 4º lugar no mundo em impacto/relevância de suas pesquisas expressas em publicações. E ela é a 1ª em quantidade de artigos. Ou seja, ela reúne esses dois quesitos: quantidade e qualidade. Mas Harvard, assim como as demais universidades que constituem a Ivy League, mantém uma intensa relação com a iniciativa privada, a qual faz investimentos milionários em suas pesquisas, concedendo bolsas, cátedras, recursos para laboratórios, etc.

Mas no Brasil ainda vige, desafortunadamente, uma visão medíocre de gestão universitária, uma visão que vê no Estado (nos pagadores de impostos) sua fonte primordial de fomento. Não apenas isso, o problema é ainda mais grave, pois de acordo com tal visão não bastam os investimentos bilionários que nossas universidades recebem anualmente: tais recursos são investidos em pesquisas frequentemente (afinal, ainda há algum joio no meio do trigo) irrelevantes, sem qualquer impacto positivo seja na área (como demonstrado pela abordagem cientométrica) seja na sociedade civil que as subsidia.

Mas além da evidente e mensurável ineficiência dessa visão, agora fica claro também o problema moral inerente a ela, um problema manifesto no uso falacioso que nossos gestores estão fazendo dessa pandemia terrível, a qual ainda levará a muitos óbitos, para fins mesquinhos.

Em suma, é repulsivo usar dessa tragédia para se atacar, sem qualquer fundamento, as políticas educacionais desenvolvidas pelo MEC que visam nos tirar do “caminho da servidão” para que ingressemos no caminho para a prosperidade. Sabemos que nossas universidades têm sido vilipendiadas. Mas dessa vez nossos gestores conseguiram chegar a um patamar ainda mais baixo de infâmia.

(Texto de Carlos Adriano Ferraz. Professor. Doutor. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito)

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