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“Cientocracia” versus “Ciência” na guerra contra o coronavírus

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Tornou-se lugar-comum as grandes corporações midiáticas recorrerem a supostos “especialistas” para que os mesmos ofereçam suas opiniões sobre os mais diversos assuntos.

Não surpreende, pois, que os mesmos sejam chamados para opinar sobre a atual pandemia que supostamente assola o mundo.

Dessa forma, o que temos acompanhado recentemente é uma espécie de guerra de narrativas, sendo que a narrativa dominante tem sido diligentemente construída pelo establishment, o qual, sendo composto especialmente por meios midiáticos (jornais, redes de televisão, etc), está usando a atual pandemia para fins exclusivamente políticos, sem qualquer preocupação com a saúde pública e, mesmo, com o desastre econômico que já está em andamento e que causará mais colateralidades do que o vírus propriamente dito.

Por essa razão, não surpreende que esses mesmos meios busquem unicamente por aqueles que possam contradizer (e preferencialmente ridicularizar) as afirmações de nosso presidente.

A estratégia usada (desde a grande mídia, universidades, partidos políticos, prefeitos, governadores, juristas, etc) é a seguinte: Se Bolsonaro sugere a “intervenção vertical”, então busquemos a opinião daqueles que defendem a “intervenção horizontal”. Se Bolsonaro sugere o uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina (HCQ + AZT) para doentes não graves, então chamemos “especialistas” que o contestem. Disso ainda advém uma estratégia ainda mais abjeta, qual seja, a de mostrar (a partir de tais “especialistas”) que Bolsonaro estaria cometendo crime de lesa-humanidade com suas afirmações pretensamente irresponsáveis.

No entanto, é preciso que esclareçamos alguns pontos.

Em primeiro lugar, cabe notar que um “especialista” nem sempre está qualificado para opinar sobre determinados assuntos. Muitas vezes suas “opiniões” expressam mais sua ideologia do que fatos convincentes.

Noutros termos, apesar de ser intitulado “especialista” ele nem sempre fala a partir de dados concretos e boas razões. Muitas vezes ele apenas expressa suas idiossincrasias.

Dito de outra forma, ele se apresenta como um ungido cuja opinião é um fato inconteste (algo, aliás, contrário ao espírito mesmo da ciência). Ainda que ele possa dizer coisas relevantes em certas áreas, em algumas sua posição política pode falar mais alto. E, creio, tal vem ocorrendo seja quanto à discussão sobre a “intervenção horizontal” seja sobre o uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina (HCQ + AZT). Uma vez que a grande mídia tem, ao menos desde 2018, usado parte considerável de seu tempo para vilipendiar Bolsonaro, ocorre que apenas aqueles que venham a corroborar suas pretensões são chamados para “opinar”.

Qualquer opinião que não esteja alinhada com sua agenda é ignorada ou, mesmo, censurada (como ocorreu recentemente com o médico toxicologista Anthony Wong, que foi cortado ao vivo na CNN após tentar argumentar contra a “intervenção vertical”, isto é, contra o atual isolamento ao qual fomos arbitrariamente submetidos).

Portanto, dado não haver isenção na grande mídia, ela busca inevitavelmente por “especialistas” que corroborem suas posições.

Nesse ponto, insisto: A atual crise vem sendo usada politicamente para fazer colapsar a atual administração federal.

Grande mídia, políticos (sobretudo prefeitos e governadores), membros das comunidades acadêmicas, juristas, etc, estão, em impressionante unissonância, de acordo contra tudo aquilo que venha a ser proposto por Bolsonaro.

E reitero enfaticamente que eles estão unidos com esse propósito sem qualquer preocupação com o dano que causarão à maior parte da população, dano causado seja pelo isolamento quase total e consequente paralisação econômica, seja por resistir em aceitar o uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina (HCQ + AZT) mesmo em casos amenos da doença causada pelo coronavírus (um uso que pode salvar inúmeras vidas).

E aqui chego a um segundo ponto, a saber, o da distinção entre a “cientocracia” e a “ciência” propriamente dita. Assim, julgo que muitos de nossos gestores, nomeadamente aqueles que não estão engajados apenas em uma agenda política cujo propósito é desestabilizar a atual administração federal mediante a criação do caos social e econômico, estão imersos não em ciência, mas naquilo que se poderia chamar de “cientocracia”.

Recentemente (07/04), por exemplo, a Prefeita da cidade em que resido publicou um novo decreto, radicalizando o isolamento social.

Em uma entrevista coletiva para justificar uma medida tão radical (ela sugere que não se saia à rua sequer para tomar sol), ela diz o seguinte: “Peço a colaboração da sociedade: ajudem ficando em casa! Esta é a principal recomendação da Organização Mundial da Saúde e dos especialistas. Precisamos acreditar na ciência”. Vejam: São evocados os “especialistas” e a “ciência” como figuras de autoridade para justificar uma medida ao menos debatível (embora não haja realmente espaço para debate algum – os dogmas da “intervenção horizontal” e do não uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina (HCQ + AZT) já estão vigendo).

Com efeito, acima teci alguns comentários sobre o que pode estar encoberto por detrás das opiniões de nossos “especialistas”, algo nem tão oculto se eles fizerem parte de nossas universidades, tradicionalmente abrigadouro da esquerda, a mesma esquerda que desde 2018 é “resistência” a Bolsonaro e a todas as medidas que ele vem tomando desde que assumiu a presidência. Isso, por si só, nos faz ao menos suspeitar da opinião da maioria de nossos “ungidos” especialistas. Estão eles comprometidos com a verdade ou com uma agenda política enraizada em nossas universidades?

Mas voltando à questão da cientocracia, ela difere drasticamente da ciência.

Em primeiro lugar, ciência se distingue radicalmente do dogma.

Um dos maiores expoentes da filosofia da ciência do século XX, Sir Karl Popper (1902-1994) foi precursor de uma concepção teórica que poder-se ia chamar de “falsificacionismo”, segundo a qual a falseabilidade (ou refutabilidade) é um dos aspectos nucleares da ciência. Ou seja, uma teoria científica é sempre falseável. Dito de outra forma, se estamos diante de algo que não pode ser questionado, não estamos diante de uma proposição científica, mas de algum dogma.

Por exemplo, se quisermos recorrer a um dogma religioso para explicitar esse ponto, podemos mencionar o nascimento virginal de Jesus, segundo o qual Maria concebeu Jesus de forma milagrosa (sem intercurso sexual).

Ora, não cabe, no âmbito religioso, questionar esse dogma (nem os demais que fazem parte do Cristianismo). Ou o aceitamos ou não o aceitamos. Não há meio termo aqui. É disso que se trata um dogma: ele não é objeto de questionamento.

E essa é também uma característica de toda a pseudociência: Ela não é falseável. Ela simplesmente não é questionada. E esse é também, segundo vejo, um dos aspectos da cientocracia. Ela se impõe como um dogma, o qual não pode ser questionado. E seus “apóstolos” são justamente os especialistas que temos acompanhado na grande mídia, muitos deles oriundos de nossas universidades.

Por essa razão a cientocracia é uma espécie de religião secular. E é a ela que nossos prefeitos e governadores, por exemplo, estão recorrendo para justificar suas medidas radicais, não à ciência.

A cientocracia é um simulacro de ciência. E esse simulacro tem sido o oráculo de nossos gestores que insistem nas ideias de isolamento quase total e resistência ao uso da cloroquina.

Dessa forma, quanto ao isolamento ao qual fomos forçados, escrevi sobre isso aqui:

Em ambos os textos reforço a importância de considerarmos uma “intervenção vertical” em meio a essa pandemia do coronavírus, bem como menciono pesquisadores altamente qualificados que criticam a “intervenção horizontal” à qual fomos autoritariamente submetidos.

Portanto, caberia aqui ao menos um sopesamento razoável para que pudéssemos encontrar uma maneira de lidar com a proliferação do COVID-19 da maneira o menos danosa possível (afinal, os danos são inevitáveis seja qual for a decisão tomada). No entanto, não há discussão possível aqui: baseados em cientocracia, nossos prefeitos, governadores, etc, determinaram dogmaticamente que há apenas uma alternativa: isolamento e os consequentes danos que vão inevitavelmente advir dessa decisão.

Quanto ao uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina (HCQ + AZT), eis que também aqui encontramos a “resistência” dos “especialistas”, os quais, baseados em uma ausência de “consenso”, freiam o uso dessa medicação. Mesmo nosso Ministro da Saúde evoca essa “falta de consenso” como argumento para não recomendar o uso dessa medicação.

(E, vejam, aqui vou me eximir de mencionar aqueles que, ligados à industria farmacêutica, teriam muito a não ganhar, por exemplo, com o uso da (hidroxi) cloroquina ou sua associação com azitromicina. Esses não são motivados por interesses políticos, mas por interesses mesquinhos apenas).

Novamente, estamos diante de uma postura pseudocientífica, pois mesmo que tenhamos pesquisadores seminais recomendando o tratamento com essa medicação (Didier Raoult e Paolo Zanotto, por exemplo, ambos especialistas em epidemias), bem como seu uso tendo se mostrado eficiente in concreto, ainda enfrentamos pseudocientistas negando a eficiência de seu uso (recorrendo a uma vaga ideia de “consenso”). Ainda que uma rápida pesquisa na literatura científica no SciFinder nos mostre inúmeras pesquisas registrando seu eficiente efeito viral, ainda há resistência. Na verdade, mesmo no Brasil crescem os relatos de médicos e pacientes que prescreveram/utilizaram com sucesso a medicação, a qual, aliás, é praticamente sem efeitos colaterais negativos (como comprovado pelo amplo uso feito dela na África, por africanos e missionários).

Mas o ponto é que jamais haverá consenso. Aliás, como nossos “especialistas” definiriam “consenso”? Quantos pesquisadores, associações, etc, precisam estar em acordo para que uma medicação seja prescrita? Mais: quais “pesquisadores” e associações poderão fazer parte desse “consenso”?

Mas cabe enfatizar um ponto aqui: A ciência, de qualquer forma, nunca buscou por consenso: Sempre buscou pela verdade. E isso envolve fatos e bons argumentos. Não apenas isso, envolve “bom senso”. Sim, envolve uma capacidade para julgar adequadamente diante das informações que estão disponíveis.

Ainda que falível, a ciência prosperou ao buscar pela verdade. Nessa busca descobrimos como lidar com doenças que outrora eram causa de incontáveis mortes, como varíola, escarlatina, febre tifoide, poliomielite, etc. Nossos verdadeiros cientistas, que buscavam pela verdade (independentemente de consenso ou mesmo do que lhes agradava), fizeram ao longo do caminho diversas descobertas, muitas vezes contrariados com elas (pois não estavam em acordo com suas pressuposições iniciais). Afinal, a verdade não é nem o que nos agrada nem o que é consenso. Ou será que um consenso negando as teses de Newton em sua Philosophiae naturalis principia mathematica permitiria que nos jogássemos do décimo andar de um edifício sem que caíssemos?

Em suma, julgo que, dadas as informações que temos até esse ponto, tanto uma “intervenção vertical” quanto o uso da cloroquina são uma questão de bom senso, uma vez que para o bom senso importa salvar o maior número de vidas possível em situações extremas como a que estamos vivendo nesse momento. O mesmo bom senso que nos salvou no passado deveria ser nossa bússola no presente.

Prof. Dr. Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito.

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