Intelectuais orgânicos e o capitalismo de estado

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Nas últimas semanas os debates políticos foram acalorados e desencontrados devido à diversidade de temas envolvidos no dia a dia dos brasileiros. A Medida Provisória 703, que trata do acordo de leniência para as empresas corruptas, em um primeiro momento chamou a atenção, juntamente com o decreto venezuelano de emergência econômica (rejeitado pela Assembleia Nacional). A repatriação de recursos financeiros escamoteados do país foi outro destaque, ao lado das estatísticas prevendo a extinção de cinco milhões de empregos no Brasil e a constatação de que a metade do patrimônio da humanidade encontra-se em mão de apenas 62 pessoas.

A inflação, as exorbitantes taxas de juros e a política cambial também estiveram na berlinda, sem esquecer o congelamento da tabela do imposto de renda para pessoas físicas e o empenho da Presidente para o retorno da famigerada CPMF. O mosquitinho da dengue derrotou o governo brasileiro e foi uma das principais preocupações de Barack Obama.

O governo, querendo ocupar espaço nos meios de comunicação, deu um “tiro no pé” ao convocar o finado Conselhão e receber um puxão de orelhas do Trabuco do Bradesco. Os empresários que lá compareceram saíram esbravejando e dizendo que perderam tempo e dinheiro se deslocando para Brasília. E por aí vai.

Sem mais nem menos, outro destaque entrou em pauta, este mais restrito aos teóricos. A questão do “estado mínimo” (defendido pelos neoliberais mais ortodoxos) e o “estado máximo” (proposto pelos intelectuais orgânicos) foi lembrada em quase todos os países latinos. A ideia de que os extremos do estado, mínimo e máximo, levam à corrupção desenfreada e aos desmandos administrativos foi consenso, mas em nada avançou concretamente.

A queda nos preços internacionais do petróleo e a retração da demanda chinesa causaram impactos negativos na economia local e nas Bolsas de Valores do mundo. A crise “nas empresas fornecedoras das empresas fornecedoras da Petrobrás” é outra preocupação dos responsáveis pelo setor industrial. Paira no ar a questão maior que é a dimensão do próprio capitalismo e a participação do Estado nas relações de produção e distribuição de bens e serviços, sem falar no descrédito por que passa o setor governamental. O excesso de chuvas não ajudou muito porque, além de prejudicar o setor agrícola, detonou as precárias rodovias brasileiras.

O conceito marxista de estado (que considera o poder como sinônimo de Estado) foi reestruturado pela equação gransciana, onde estado é igual à sociedade civil mais a sociedade política, coerção mais consentimento. Marx considera que a sociedade civil é parte da estrutura, e Gramsci a coloca como parte da superestrutura, onde a classe trabalhadora deve procurar o consenso mesmo antes de uma tomada de poder. Isso, teoricamente, dividiu a esquerda brasileira, não tão intelectualizada como aparenta ser. Consequentemente, a dificuldade foi chegar a um consenso sobre o tema uma vez que o conceito de “intelectuais orgânicos”, criado por Antônio Gramsci, caiu em desuso, mas ainda é aceito aqui e na Venezuela para os militantes partidários.

Dois graves erros políticos, no Brasil e na Venezuela, é considerar o partido hegemônico no poder como sendo a própria classe trabalhadora e seus militantes como os próprios intelectuais orgânicos do sistema. Cada grupo social, com papel decisivo na produção, cria seus intelectuais que passam a ser denominados de “orgânicos” porque se integram ao grupo como parte da própria estrutura e se julgam no direito de ditar as normas a serem institucionalizadas. Consideram-se poderosos, acima do bem e do mal.

O materialismo científico tomou corpo a partir da teoria Darwin-Wallace e as teses de Isaac Newton, sendo reforçado pela revolução industrial e pela revolução francesa. Esse paradigma desenvolveu a burguesia e trouxe consigo não apenas o capitalista, mas também os intelectuais que organizaram o novo modo de produção e deram forma à nova sociedade. Esses intelectuais são os “funcionários da superestrutura” e moldam o mundo à imagem e semelhança da classe fundamental à produção e à manutenção do aparelho produtivo.

Nesse contexto, a classe operária comandaria a mudança social, segundo Gramsci, e teria seus próprios intelectuais, funcionários de uma nova e complexa superestrutura que aos poucos se tornaria dominante com tendência à perpetuação no poder. No decorrer dos tempos foram incorretamente identificados como sendo os militantes e os intelectuais incorporados aos partidos de esquerda, tal como o que aconteceu com o PT e os petistas que se julgaram donos da verdade e do Brasil.

Foi um lamentável engano, e com isso perderam a credibilidade política.

Nesta semana Lula, o expoente maior da esquerda, fez uma surpreendente declaração: “Se tem uma coisa de que me orgulho é que não tem uma viva alma mais honesta do que eu”. A seguir, petistas e não petistas, seguiram o exemplo. Em um jornal local, um articulista resolveu falar sobre honestidade e declarou que só agora assim fazia porque antes não era suficientemente honesto para tal; outro “escritor”, em um site, afirmou que a honestidade é um conceito relativo, que ele aqui era honesto, mas que na Dinamarca ou Noruega não seria.

E o descaramento continuou ao ponto de um determinado político regional, em off, declarar que os trambiques e desvios de recursos dos cofres públicos são normais e fazem parte do sistema político nacional. E complementou, se assim não fosse, Renan Calheiros e Eduardo Cunha não presidiriam o Congresso Nacional. Por outro lado, os rapazes que comandavam os tais movimentos de ruas agora estão preocupados com suas candidaturas nas eleições municipais deste ano. Já estavam “contaminados” pelo sistema quando saíram gritando “fora Dilma”.

Ainda resta o artifício do voto nulo.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

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Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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