Vemos luz no fim do túnel COVID-19?

20/04/2020 às 11:45 Ler na área do assinante

Quem conversou comigo recentemente ou me acompanha pelo Linkedin sabe que estou otimista com a crise do COVID-19. Acredito que o número de mortes, apesar de relevante (afinal, cada vida importa), será menor que o inicialmente projetado, e que sairemos dessa crise mais rápido do que imaginamos.

Mas em conversas com muita gente, percebo que faço parte de uma pequena minoria na minha leitura da situação.

Neste post, gostaria de compartilhar alguns dados e análises que me fazem pensar de forma mais otimista no que diz respeito à crise e, principalmente, no que diz respeito ao Brasil. Com isso, espero gerar uma discussão saudável e ouvir as opiniões — contrárias e semelhantes — de vocês, para que juntos cheguemos a conclusões mais ricas sobre a situação.

Por que estou otimista?

1) A taxa de ocupação dos hospitais aparenta estar sob controle

Como visto nos vários “hotspots” da crise do Coronavírus ao redor do mundo, ocupações de hospitais são um leading indicator da crise. Ou seja, para entender como a crise se comporta, observamos primeiro suspeitas (sintomas), depois internações (geral e em seguida, UTI), confirmações de infecção e, por fim, óbitos.

Desde o começo da crise tenho tentado coletar dados de hospitalizações, principalmente em São Paulo, e fora o relatório esporádico e informal via Whatsapp (obrigado à minha fonte!), não tive acessos a esses dados de forma estruturada. Isso mudou essa semana, com várias fontes compartilhando as informações de forma granular e em tempo real.

Uma crítica comum ou preocupação com esses dados é que eles cobrem somente a rede privada, cobrindo uma população mais privilegiada que, em tese, já está verticalmente isolada desde o início da crise.

Com isso, podemos olhar alguns datasets de hospitais públicos.

Vale lembrar que a distribuição de leitos de UTI, a nível estadual, mas também municipal, continua sendo um grande ponto de atenção. Se o sistema público continuar sendo pressionado, a mobilização de recursos para atender a população mais vulnerável vai ser absolutamente crucial.

Desde o início da crise, um dos grandes riscos relativos ao nosso sistema hospitalar era a questão da distribuição dos leitos de UTI por estado e por sistemas de saúde privado e público:

Já o Rio de Janeiro publicou o dado de ocupação de 88,45%, ou seja, 548 leitos de UTI ocupados de um total de 619 no SUS da cidade. Porém, como publicado no próprio relatório, apenas 203 desses casos de UTI estão diretamente relacionados ao COVID-19. Além disso, estão sendo cpmtruídos vários hospitais de campanha para aliviar essas ocupações.

Minha leitura é que, salvo algumas exceções (AM, CE — estados que tiveram taxa de crescimento de contágio mais elevada no início da crise), a situação hospitalar está sob relativo controle no Brasil. Espero que essa realidade não mude para pior nos próximos dias.

2) A taxa de mortalidade aparenta estar abaixo da expectativa inicial

No início da crise, o que assustou muita gente na questão do COVID-19, inclusive eu, foi a taxa de mortalidade estimada em 3%+, o que colocava o COVID-19 bem acima de uma gripe comum, com um número de reprodução também bem maior, parecida com a do SARS:

Fala-se muito de subnotificação e ausência de testes e como isso pode nos ajudar a desvendar o “mistério” do Coronavírus. Na minha opinião, o melhor report até agora sobre o assunto é do JP Morgan, dos mesmos autores que modelaram as taxas de infecção em NY e no Brasil:

O argumento básico dos autores é que a taxa de mortalidade só pode ser calculada com precisão uma vez que grande parte da população seja testada. E os resultados da análise deles, usando dados de países que já testaram grande parte das suas populações, resumidas no gráfico abaixo, são surpreendentes:

Em resumo, a taxa de mortalidade do COVID-19 aparenta estar muito mais próxima de 0.4–0.5% do que dos valores de 6–13% reportados em lugares com presença forte do vírus como NY, Itália e Espanha.

Obviamente, temos que tomar muito cuidado com essa conclusão, já que ela se baseia em estudos ainda pequenos e testar população maiores e maiores deve ser o caminho. Recomendo a leitura desse estudo em uma pequena cidade “hotspot” da Alemanha, que pode nos dar o caminho das pedras, assim como os outros programas mencionados no artigo na Islândia, Ilhas Faroe, Emirados Árabes Unidos, além da China.

UPDATE 19/04

Se for verdade, o Coronavírus é uma infecção que se compara de forma muito favorável a outras infecções, algumas delas inclusive bem mais comuns em mercados emergentes como o Brasil. No gráfico abaixo, o COVID-19 estaria em R0 de 1–3 e taxa de mortalidade de 0.4–0.5%, no mesmo quadrante de risco da gripe suína (H1N1) e a Zika, e menos perigoso que dengue e e.coli:

Recomendo muito acessar o gráfico interativo que esse site montou, inclusive abrindo a fonte de dados de todas as diferentes infecções, permitindo várias análises e cortes dos dados.

3) O isolamento social achatou a curva no Brasil

Acho válido lembrar que a grande preocupação no início da crise do Corona era conseguirmos “achatar a curva” para não sobrecarregar o nosso sistema de saúde e colocar as vidas de mais pessoas em risco. Minha leitura, baseado principalmente nos dados que apresentei no primeiro ponto, é que o Brasil conseguiu fazer isso com sucesso.

O report do JP Morgan citado anteriormente faz uma análise muito interessante sobre a real taxa de infecção assumindo uma mortalidade de ~0.4%, ajustando esse fator pela idade já que esse fator de 0.4% seria válido para uma população de idade média de 36 anos. Ou seja, em uma população como o da Itália, de 45.5 anos de idade média, a fatalidade seria maior.

O resultado dessa análise está na tabela abaixo:

Os resultados são bem interessantes:

Por fim, países com população mais novas assim como o Brasil, por exemplo, reduziria ainda mais a fatalidade por COVID-19.

Nosso time de data science fez a mesma análise que o JP Morgan, estimando a taxa de infecção de COVID-19 no Brasil, por estado, usando o fator de 0.4% ajustado pela idade média da população, que nos leva a 0.214%, chegando no resultado abaixo:

Olhando os números acima, parece que realmente tivemos sucesso em achatar a curva no Brasil e estamos ao redor da média global de 0.7% e abaixo dos EUA, de 1.8%. Lembrando que óbitos são um “lagging indicator” e que isso pode ainda aumentar os índices. Mais sobre isso na última parte do texto.

4) Os remédios parecem funcionar

Disclaimer que vou dar de antemão: não sou médico, não sou especialista e não tenho nenhuma vontade de entrar no Fla-Flu político sobre a cloroquina. Também prefiro não endossar a auto-medicação. Dito isso, vamos usar dados e fatos sobre os remédios usados na luta contra o COVID-19.

Acham que acharam um protocolo muito eficiente. Já deram mais de 400 altas. No começo estavam entrando com hidroxicloroquina no dia 7 e paciente continuava entubado por 14 dias. Agora estão entrando com hidroxicloroquina no dia 2 e o número de pacientes internados e entubados caiu drasticamente. Média dos dias de entubação caiu de 14 dias para 7 dias. E já trabalham com um protocolo onde não existe entubação.— Resumo de webinar com Presidente da Prevent Sênior.
Rio de Janeiro, March 23 2019
I tested positive for #COVID19. A lot of caring & special friends have been asking me to share my learnings more broadly. After one week of intense rehabilitation, I’m now able to reason, recollect the details, and write down this summary to everyone’s benefit :
- I’m young, athletic, very healthy lifestyle, no respiratory or pulmonary diseases, and no chronic/pre existing illnesses
- I got #COVID19 asymptomatic. For some unknown reason, the virus quietly skipped my nostrils and throat and went straight to my right lung
- I rushed into intensive care after having a sudden super high-fever and a severe migraine to the point of clouding my vision. Also a burning heat in my chest. Altogether. Simultaneously.
- Doctors had two options: (x) tube me immediately or (y) medicate me w all the available anti - #COVID19 drugs and wait up for a couple of hours to see how my body would react. Tough call.
- I took a combination of two different intra-venal antibiotics [clavulin / clavulanic acid and azitromicina / azithromycin] plus chloroquine and tamiflu.
- I do believe this cocktail is available to everyone that can afford private healthcare and should definitively be made available to the public system IN EARNEST !
- The reason? Simple. It works. And it saved my life.
From a chronic pulmonary infection to a stable situation w normalized blood oxygen levels in less than five hours.
- It was a misfortune to become part of a sad statistical dispersion. Inter-individual variability.

UPDATE 19/04

Parece que estamos próximos do pico

O problema de usar óbitos para mensurar a situação

O número de novos óbitos (ou mortes) diárias é uma constante nas nossas vidas durante a crise do COVID-19, quando estamos expostos diariamente a esses “headline numbers”.

O problema com esse indicador é que ele é lagging, já que a sequência que observamos é suspeitas > internações > confirmações de infecção > óbitos.

Além disso, vale ressaltar que o número de novos óbitos reportados pelos índices oficiais não representa o dia que o óbito, de fato, ocorreu. O número reportado geralmente é um acúmulo de óbitos esperando confirmação. Se olharmos para os números de óbitos reportados pelo dia do falecimento conforme abaixo…

… e cruzarmos isso com o número de óbitos totais reportado, chegamos no seguinte gráfico, que mesmo faltando ainda 18% de óbitos suspeitos, o pico de óbitos no país aparenta ter sido dia 05/04 com 90 óbitos:

Vale ressaltar que pode haver um efeito de delay por conta de testes atrasados. Dito isso, mesmo que o pico de óbitos ainda não tenha ocorrido, outros indicadores também apontam para uma desaceleração da epidemia.

As projeções do nosso time de data science

Relembrando: no nosso Base Case, que divulgamos no dia 25 de março, tínhamos previsto o pico da epidemia para meados de abril. Desde então, vemos compartilhando nossas análises com a comunidade de tech do Brasil.

Base Case Loft (25 de Março de 2019)

Desde então, os casos confirmados estão vindo abaixo até do nosso caso mais otimista (e do JP Morgan também, vide slide 6). O pico está mais afastado que inicialmente previsto porque a curva está mais achatada (ainda bem!).

Nossos modelos mais otimistas foram superados e o modelo mais atualizado que estamos rodando tem apresentado um ótimo fit com os dados de infecções que vem sendo reportados:

Por mais que nosso modelo não seja perfeito e que sabemos do seu principal gap, que é a subnotificação por pouca disponibilidade de testes, gostamos do argumento de que isso é um problema de escala que não afeta a taxa relativa de crescimento, assim não mudando nossa conclusão de que conseguimos achatar a curva de crescimento do COVID-19.

Por sinal, olhando as taxas de crescimento de infecções confirmadas em São Paulo, estamos chegando próximo à nossa previsão de ~7% por dia, que é o ponto de equilíbrio onde o R0 = 1, considerando que o tempo de recuperação de alguém infectado por COVID-19 é de 14 dias (R = (taxa de crescimento) / (taxa de recuperação), onde taxa de recuperação = 1/14 dias, pelo modelo SIR).

Ou seja, estamos em um ponto onde as infecções já não crescem mais a um nível descontrolado. Ontem, 16/04, observamos um crescimento de 5% com um pico de infecções previsto em SP no dia 21/04.

Outros dados públicos interessantes

Nas minhas pesquisas, encontrei algumas outras fontes de informação bem interessantes (obrigado, Juliano!).

UPDATE 19/04

Gostaria de fazer duas observações a partir desse gráfico:

  1. Por mais que tenhamos problemas de subnotificação de casos de COVID-19, me parece que o Brasil está muito bem preparado do ponto de vista de infra-estrutura, pelo menos desde 2009, para lidar com a questão de SRAG. E dada a alta associação de SRAG com o COVID-19, é bem improvável os dados de SRAG não estarem incluindo também os casos de Corona.
  2. É realmente surpreendente a comparação da crise da gripe suína (H1N1) com a crise do COVID-19. Já tivemos um pico parecido de ~6 incidências / 100 mil habitantes, há mais de 10 anos atrás. E vale ressaltar que a estimativa da Infogripe aponta para uma queda, mesmo que com muita incerteza, o que é consistente com os dados de hospitalização por SRAG que são reportados pelo Ministério da Saúde (link, aba SRAG).
Com certeza todas essas informações, principalmente individualmente, não representam a situação de forma holística ou fidedigna. Mas quando junto todas elas, consigo enxergar a luz no fim do túnel.

O que fazer com essas análises?

Cuidado com decisões prematuras

Mesmo que do lado médico / epidemiológico a situação esteja relativamente otimista, isso não quer dizer que podemos baixar a guarda. Se o isolamento social realmente foi efetivo para achatar a curva, e com isso, não sobrecarregar nosso sistema de saúde, não podemos relaxar as medidas de isolamento social, mesmo que de forma potencialmente mais amena, por exemplo com serviços ou indústrias voltando com as suas operações.

Os dados continuam muito escassos e pouco tempo se passou durante essa crise (<6 meses, até na China) e as conclusões continuam se aproximando mais de interpretações e por isso tem que ser tomados com muito cuidado.

Com isso, a decisão de como vamos sair da quarentena é tão importante quanto a decisão que foi feita sobre entrar ou não em lockdown no início da crise. Continua sendo prioridade #1 não colocar centenas de milhares vidas em risco desnecessariamente e evitar uma segunda onda de infecções.

Próximos passos

Infelizmente, ainda não sabemos a magnitude dos impactos dessa crise, especialmente do impacto da quarentena, sobre a economia. A China começou a divulgar os primeiros balanços econômicos que vão nos oferecer um primeiro relance.

É inegável que já sentimos estes impactos na pele, especialmente em renda, desemprego, etc. — basta olhar os dados do desemprego nos Estados Unidos. Cabe a nossos líderes políticos tomar as decisões difíceis em relação à duração da quarentena, que tomam, a cada dia, proporções maiores.

Como empreendedor, minha sugestão para o momento é:

Espero que esse material ajude a bastante gente. E confesso que estou ansioso para receber os comentários de todos vocês.

(Texto de Florian Hagenbuch, no site: Medium).

da Redação
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