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Aborto: A luta da esquerda pela legalização do homicídio

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Nesse momento de pandemia temos escutado, talvez como nunca antes, que a “ciência” está sendo determinante nas decisões de nossos gestores, políticos, juristas, etc.

Supostamente baseados na “ciência”, nossos prefeitos e governadores, por exemplo, têm adotado decretos radicais, como o isolamento social. Segundo eles, tal providência se justifica na medida em que está baseada em “ciência”.

Não vou entrar, aqui, na questão da suposta “cientificidade” dessa decisão, a qual já questionei nos dois artigos abaixo:

Nesse momento eu gostaria de abordar, baseado em Ciência e bons argumentos, uma questão que retornou aos holofotes, a saber, a questão do aborto.

As tentativas de se impor o aborto não são recentes. Sempre que surge um pretexto a questão retorna.

Seus defensores são simplesmente oportunistas, engenhosos e incansáveis.

Dessa forma, recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS), a qual cada vez mais perde credibilidade (se é que ela ainda possui algum resquício de fiabilidade – especialmente agora que vazaram suas mensagens com a fundação Bill e Melinda Gates e com o Wuhan Institute of Virology – sugerindo que o COVID-19 foi realmente criado no referido laboratório), lançou uma nota afirmando que o aborto é, durante a pandemia do coronavirus, um “procedimento essencial”.

Também aproveitando a pandemia do coronavirus, o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro decidiu pautar, nessa semana, a possibilidade do aborto em casos de infecção pelo zika vírus.

Essas ações não são nem isoladas nem impensadas. Elas ocorrem em uníssono e de forma bem planejada.

Na verdade, diversas pautas da agenda da esquerda estão, nesse momento, sendo impostas sob o pretexto de “lutar contra o coronavirus”: nossas liberdades fundamentais estão sendo solapadas em suas mais diversas manifestações (como liberdade de expressão, de reunião, religiosa, de deslocamento, econômica, etc), sendo que mesmo a propriedade privada está sob ameaça (no estado do Piauí, por exemplo, o governador publicou um decreto permitindo que agentes do estado, da secretaria de estado da defesa civil, tomem a propriedade privada sob o pretexto de dar a ela um uso social com vistas a ações contra o coronavirus).

Portanto, não nos enganemos: a esquerda aproveitará a atual pandemia para nos impor, tanto quanto possível, sua agenda. E, não esqueçamos, em sua agenda se destaca a legalização do aborto.

Mas se a questão é recorrermos à Ciência, a tomemos como referência e coloquemos, de largada, a seguinte questão: o que é morto em um aborto?

Além dessa questão, coloquemos algumas questões morais que dela decorrem inescapavelmente: é legítimo assassinarmos alguém em seus primeiros momentos de vida? Algumas vidas valem mais do que outras?

Com efeito, a questão do aborto é uma das mais perenes da bioética. Não apenas isso, ela importa na medida em que estamos discutindo sobre se estamos legitimados ou não a colocar fim a uma vida humana individual.

Dessa forma, parece-me de uma leviandade torpe simplesmente alegar que o aborto é “essencial”, sem uma discussão prévia sobre o que está em jogo nessa ação.

Mas: que está em jogo nessa ação?

Primeiramente, cabe deixar claro que a discussão sobre o aborto envolve a seguinte decisão: “é legítimo assassinarmos uma forma de vida humana e individual em seus primeiros momentos de desenvolvimento?” Embora essa seja uma questão fundamental nessa disputa, ela simplesmente não é colocada pelos defensores do aborto.

Mas, se formos nos pautar pela honestidade moral e intelectual, a devemos, sim, colocar.

E, como a questão é evocar a Ciência, vamos a ela para responder à indagação atinente ao que está em jogo no aborto, ou, sobre o que é morto em um aborto.

Assim, em uma importante pesquisa publicada na ‘Nature Cell Biology’ (2016), intitulada “Self-organization of the human embryo in the absence of maternal tissues”, encontramos que, desde o momento em que espermatozoide (pertencente ao homem) e óvulo (pertencente à mulher) se unem, temos um ‘indivíduo humano vivo’ agindo teleologicamente com vistas à manutenção de sua vida (já não pertencente nem ao homem nem à mulher).

E esse indivíduo, essa pessoa, é uma realidade material no contexto de uma continuidade física (não estamos falando de alma aqui).

Diferentemente das células que fazem parte de outro organismo, ele é autodirigido, um organismo único, distinto tanto do pai quanto da mãe.

Ele tem um metabolismo, cresce, reage a estímulos e gera entidades semelhantes a si próprio (ele possui recursos internos que lhe permitem se desenvolver ativamente rumo aos estágios seguintes até a vida pós-parto).

Dito de outra maneira, ele não é um mero agregado de células.

Por essa razão, mesmo um ateu combatente como o finado Christopher Hitchens (no livro “God is not Great”) argumenta contra o aborto (sim, não é preciso ser religioso para ser contra o aborto, o que quebra mais um dos mitos criados pelos “ungidos”).

Nas palavras de Hitchens, “enquanto um materialista, penso que foi demonstrado que um embrião é um corpo, uma entidade separada, e não meramente (como alguns realmente costumavam argumentar) uma excrescência sobre ou dentro do corpo feminino”. Como isso foi “demonstrado”? Ora, seja pela “comovente visão provida pela ultrassonografia”, seja “pelo nascimento de nenéns prematuros cujo peso seria similar ao de uma pena, os quais alcançaram viabilidade fora do útero”. Mas, além da ultrassonografia, caberia citar a embriologia e seus avanços.

Em outros termos, a Ciência tem nos mostrado que, desde a concepção, temos um ser humano vivo individual, o qual, mesmo em situações muitas vezes de altíssimo risco, prospera, nasce e se desenvolve (seguindo, em linhas gerais, esse percurso: embrião⤑feto⤑neném⤑criança⤑adolescente⤑adulto⤑idoso).

Assim, não há discussão quanto a isso de um ponto de vista científico.

A questão, aqui, é simplesmente moral: o que justifica matar uma pessoa?

Se assumirmos a ideia de “dignidade da pessoa humana”, como justificarmos que algumas pessoas não são tão pessoas quanto outras?

Uma das grandes conquistas liberais (e ocidentais) foi justamente apontar para a importância do indivíduo e da liberdade individual. A sua dignidade (e liberdade) não lhe é atribuída como se fosse um adereço: ela lhe é inerente. Imaginem se alguém (ou algum grupo) assumisse a função de determinar quem é pessoa e tem (ou não) dignidade. Que aconteceria? A história nos oferece exemplos.

Em 1939 Adolf Hitler assinou o Aktion T4, um decreto que exortava os médicos e psiquiatras alemães a promoverem a “morte misericordiosa” de doentes incuráveis, deficientes mentais e físicos, idosos senis, etc. Centenas de milhares de pessoas foram mortas. Eram, de acordo com Hitler, menos pessoas que os demais. O mesmo pressuposto foi usado contra judeus, escravos, etc. Aliás, sempre que se quis exterminar um grupo se retirou desse grupo sua “pessoalidade” (para se lhes retirar, consequentemente, a dignidade, a individualidade, a liberdade e, muitas vezes, como ocorre no caso do aborto, a vida).

Não à toa se costuma falar em embriões e fetos como “material biológico”. É-lhes usurpada a humanidade para que eles possam ser exterminados. Mas a questão é muito clara diante dos fatos e da Ciência: a embriologia nos mostra que o embrião/feto está vivo, que ele é um indivíduo e que ele é, obviamente, humano.

Simplesmente não podemos rejeitar esse fato: ele é um ‘ser humano individual vivo’ (Como diria Jerôme Lejeune, pai da genética moderna, logo que os 23 cromossomos paternos trazidos pelo espermatozoide e os 23 cromossomos maternos trazidos pelo óvulo se unem, toda a informação necessária e suficiente para a constituição genética do novo ser humano se encontra reunida). Sua dignidade está associada de forma intrínseca a essa humanidade.

Qualquer tentativa de lhe “atribuir”, a partir de fora (da vontade de algum sujeito ou grupo, por exemplo), humanidade e dignidade, implicará em se recorrer a alguém que decida quem é pessoa e possui dignidade, em se estabelecer critérios que definam quem tem dignidade, tal como ocorreu no Aktion T4 assinado por Adolf Hitler.

Decisões favoráveis ao aborto por parte da OMS e do STF mandam essa inconveniente mensagem: algumas pessoas são menos pessoas do que outras. Não possuindo dignidade, ou humanidade, elas podem, sim, ser extirpadas como se fossem abscessos.

Sem falar que esses critérios poderão afetar os que já nasceram, como já colocado por Paul Ramsey, o qual demonstra que os argumentos assentados em favor do aborto poderão ser usados, por exemplo, para o infanticídio.

Afinal, segundo ele, o infanticídio “causal e logicamente se segue da prática muito difundida do aborto legalizado, escolhido”. Sem falar em outras consequências que surgem na ladeira escorregadia da permissão do aborto, como o possível extermínio de doentes mentais, etc. Sim, há aqui uma perigosa ladeira escorregadia para outras decisões tão malignas quanto a do aborto.

Portanto, o que temos na nota publicada pela OMS e na ação a ser discutida no STF é mais uma tentativa de impor, de forma totalitária, um dos dogmas promovidos pelos “intelectuais”, pelos “ungidos”, a saber, o dogma de que o aborto é justificável de forma inquestionável (que é uma questão de “saúde pública”).

Dito de outra forma, eles apresentam um slogan, “aborto legal, seguro e gratuito”, e abortam o conhecimento e os fatos em torno da questão central (“o que justifica matarmos uma pessoa em seus primeiros momentos de vida?”).

Ao fim abortam inclusive, e sobretudo, os fatos, a Ciência e o bom senso.

Trata-se de um crime de lesa humanidade, especialmente se considerarmos que esses milhões de mortes causadas pelo aborto são assassinatos de pessoas, de indivíduos em seus primeiros momentos de vida, aos quais é simplesmente negada a humanidade, a dignidade e a vida mesma.

Assim, perguntemo-nos: a forma de vida morta em um aborto tem o mesmo estatuto moral que nós (enquanto pessoas) possuímos?

Se não possui, que critérios podem ser utilizados para distinguir a forma de vida morta intencionalmente em um aborto de formas de vida já nascidas?

Por que ela é menos pessoa do que nós?

Não são todas as pessoas “iguais” diante da lei? Por que não é dada a elas a proteção da lei?

O fato é que, segundo a Ciência, ao realizar um aborto não se está, por exemplo, extraindo um rim para doação.

O status moral do embrião/feto não é o mesmo do de um órgão, uma vez que no primeiro caso estamos falando de uma pessoa. Somos autônomos para doar um rim, mas não temos autonomia para matar alguém.

Portanto, como podem instituições como OMS e STF autorizarem tal ação?

A história nos mostra que muitas vezes genocídios ocorreram porque algumas nações simplesmente retiraram de certas populações sua humanidade, sua pessoalidade.

Não estaríamos, então, diante de outro genocídio, o qual é promovido justamente por instituições que deveriam proteger todas as vidas, todas as pessoas, assegurando-lhes um dos direitos humanos mais fundamentais, a saber, o direito à vida?

Não caberia a essas instituições, OMS e STF, deste modo, proteger essas vidas ao invés de permitirem e, mesmo, recomendarem, suas mortes?

Carlos Adriano Ferraz. Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS.

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