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A esquerda e sua natureza anticientífica

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Um dos aspectos que mais atraem minha atenção nos movimentos de esquerda é sua preocupação com a ‘narrativa’ em detrimento da realidade. Nesse sentido, eles focam mais em ideias e sentimentos do que em fatos e razões. São inúmeros os exemplos dessa constatação, os quais nos mostram sua rejeição da realidade (fatos) e, mesmo, das razões.

Dessa forma, parece-me que a “epistemologia” da esquerda é contrária àquele notório princípio que nos diz que “a verdade é uma adequação do intelecto às coisas” (‘veritas adaequatio intellectus ad rem’).

Essa ideia tem implicações epistemológicas importantes, primeiramente deixando claro que o conhecimento não pode estar restrito ao mero intelecto, isto é, ao que eu penso independentemente da realidade das coisas.

Ou seja, é preciso que minhas ideias, em alguma medida, encontrem uma contrapartida na realidade. Isso significa dizer que existem ‘modelos’ e existe a ‘realidade efetiva das coisas’.

Um exemplo interessante diz respeito à ideia de uma ordem na natureza. Seria esse apenas um ‘modelo’? Obviamente, não.

Do próprio fato de os cientistas buscarem por explicações para a realidade se depreende que eles assumiam uma ordem na natureza mesma. A ordem que eles pressupunham não existia apenas em suas mentes.

Havia uma adequação de sua ‘atividade mental ordenada’ e às coisas mesmas. E graças a isso descobertas foram feitas e avançamos cientificamente. Por essa razão, aliás, a ciência (e a revolução científica) é um fenômeno oriundo da Europa cristã. A teologia cristã serviu como pano de fundo para os avanços científicos.

Mas nem sempre ‘modelos’ se adequam à ‘realidade das coisas’.

Alguns modelos valem, mas são, por exemplo, ou discutíveis ou contrapostos a ‘modelos’ alternativos. Atualmente um dos exemplos mais notórios é o do debate do ‘modelo’ da terra geóide em contraposição ao ‘modelo’ da terra plana.

Tem havido uma crescente contenda entre os defensores de ambos os modelos, o que, aliás, faz parte da ciência. Dissenso é sempre bem vindo quando estamos preocupados com o avanço da ciência, pois isso ou reforça um ‘modelo’ ou o refuta. Seja como for, avançamos, diferentemente do que ocorre quando tomamos uma ideia como dogma.

Mas voltando à esquerda e sua ‘desrealização’, sua desconexão da realidade se manifesta na defesa de certos estandartes, acerca dos quais, quando demonstrada sua falsidade, ou eles silenciam ou eles seguem proferindo contínua e ininterruptamente a mentira, em uma espécie de logorreia, como se repetir uma mentira incessantemente a tornasse verdade.

Nesse sentido, eles silenciam seja sobre os genocídios causados pela ideologia socialista no passado, seja sobre as tragédias humanitárias causadas no presente por essa mesma ideologia.

No entanto, nem sempre silenciam. Eles também mantém sua logorreia em defesa de certas ideias.

Por exemplo, ainda insistem em negar a eficiência da hidroxicloroquina no tratamento contra o COVID-19 e em defender o isolamento social (e consequente estagnação da atividade econômica), cujas consequências constituem, sim, um crime de lesa humanidade, uma vez que seus danos (desemprego, fome, miséria, desespero, morte, etc) são incomensuráveis.

Em ambos os casos mesmo a Organização Mundial da Saúde (OMS) está recuando em suas ideologias: nessa semana ela retomou os estudos com a hidroxicloroquina e reconheceu, ainda que indiretamente, que o isolamento não era realmente necessário (uma vez que doentes assintomáticos quase nunca transmitem o COVID-19).

Ou seja, após muitas perdas e danos, estão reconhecendo aquilo que a “direita” vem dizendo por meses (nas falas de Trump e Bolsonaro, por exemplo).

Tratei disso aqui:

Mas o interessante é que seu discurso sempre evoca a ciência, quando, na verdade, eles defendem não a ciência, mas dogmas, alguns deles totalmente desvinculados da realidade.

Na verdade, todo signatário do socialismo é anticiência em sua raiz, assim como os nazistas. E vejam que, tanto comunismo quanto nazismo se diziam doutrinas ‘científicas’. Mas ambas estavam erradas (eram inerentemente erradas).

Como disse Paul Johnson (na obra “Intellectuals”, 1988), “não há dúvidas de que se Hitler, ao invés de Stalin, tivesse vencido a batalha pela Europa central e oriental em 1941-1945, e assim estabelecido sua vontade sobre grande parte do mundo, às doutrinas nazistas, as quais também se declaravam científicas, como a teoria da teoria racial, teria sido dado um aspecto acadêmico, penetrando nas universidades ao redor do mundo.

Mas a vitória militar assegurou que a ciência marxista, ao invés da nazista, prevalecesse”.

Noutros termos, se Hitler tivesse sido vitorioso nossos acadêmicos muito provavelmente estariam usando suásticas em suas manifestações, ao invés da foice & martelo.

Talvez estivessem defendendo a ‘pureza racial’ ao invés da ideologia de gênero e coisas do tipo. Mas, de qualquer forma, estariam totalmente errados de um ponto de vista científico. Estariam desvinculados da realidade. Afinal, como a história nos mostrou, tanto nazismo quanto marxismo nada tinham de científico.

Ambas são ideologias desconectadas da realidade, as quais, quando levadas a efeito, causam miséria, sofrimento e morte. Ambas são abomináveis.

Sobre o socialismo, todos os lugares que colocaram em prática a ideia de uma economia planificada se tornaram uma espécie de “inferno na terra”, do qual as pessoas tentam, desesperadamente, fugir.

Isso porque a ideia de economia planificada é um ‘modelo’ incompatível com a ‘realidade’, sobretudo humana. Uma economia de mercado, por outro lado, é um ‘modelo’ mais em acordo com a realidade humana, especialmente com a individualidade e a liberdade.

Em concreto, enquanto a economia planificada leva à miséria, a economia de mercado leva à prosperidade. No entanto, o socialismo sempre se disse “científico”. Mas ele é simplesmente um ‘modelo’, o qual, tragicamente para aqueles que foram submetidos a ele, não funciona.

No entanto, as coisas não param na economia. A mentalidade socialista também invadiu a esfera dos costumes, impondo também nesse âmbito ideias desconectadas da realidade e assumidamente anticientíficas.

Um exemplo notório concerne à chamada ‘ideologia de gênero’, especialmente a partir da ideia segundo a qual nossa sexualidade é “fluída”, ou seja, está ligada mais à nossa vontade, à ideia que temos de nós mesmos, do que à ciência (biologia), à realidade.

Essa é uma ideia tão arbitrária que, por exemplo, fica restrita apenas à sexualidade. De nada adianta “nos sentirmos negros” e reivindicarmos, por exemplo, cotas para ingresso na universidade.

Tal ideia vale apenas para a sexualidade.

Embora seja exigida, para ingresso na universidade mediante cotas, uma “autodeclaração”, ela não vale se o “comitê racial” instituído pela universidade decidir que não somos negros (embora Hitler tenha, felizmente, perdido a guerra, a ideia de comitê racial, infelizmente, existe.

Parece que o socialismo também simpatiza com essa ideia). Não obstante, no plano da sexualidade imperam os desejos individuais em detrimento da realidade. Isso porque os “teóricos” dessa ideologia simplesmente dispensam a ciência e a realidade. Mas, que nos diz a ciência?

Ora, a ciência nos diz o óbvio, aquilo que mesmo o senso comum iletrado sabe: há diferenças significativas entre homens e mulheres.

Excetuando casos raros (disforia de gênero), nos quais podem ocorrer problemas de ordem biológica (hormonais, por exemplo), as pessoas se dividem em homens e mulheres. Isso se revela mesmo nas escolhas.

Vejam o que ocorre na Escandinávia, um dos lugares no planeta em que mais se investiu na igualdade: quanto mais iguais, mais livres para escolher, mais as mulheres insistiram em escolher a enfermagem como área de atuação, enquanto os homens seguiram escolhendo sobretudo as áreas STEM (Science, technology, engineering, and mathematics).

O que vemos, aqui, é a ‘realidade’ (diferenças entre homens e mulheres) solapando o ‘modelo’ (sexualidade fluida). Como demonstrou Simon Baron-Cohen (e muitos outros), o cérebro masculino e feminino são diferentes.

Enquanto o cérebro feminino é “projetado” (hard-wired) para a empatia, o masculino é “projetado” (hard-wired) para compreender e construir sistemas. Há estudos abundantes os quais demonstram que, por exemplo, meninos que tiveram níveis baixos de testosterona pré-natal possuem índices mais altos de contato visual (o qual está relacionado com a empatia e com a sociabilidade).

Não apenas isso se demonstrou que, quanto mais alto o nível de testosterona pré-natal, maior a rotação mental (capacidade de girar mentalmente representações de figuras bidimensionais e tridimensionais).

Também está amplamente documentado que quando mulheres foram tratadas para a fertilidade com o estrogênio não esteroide sintetizado dietilstilbestrol os meninos nasceram com comportamentos mais femininos, como, por exemplo, uma tendência maior para a empatia e para brincar com bonecas.

O senso comum sabe, mas hoje precisamos reiterar o óbvio: mulheres se saem melhor do que homens no que concerne à empatia, ao passo que os homens se saem melhor em sistematização. E isso pode ser observado (como o fez Simon Baron-Cohen) inclusive em nenéns, como já demonstrado pela “empathising-systemising (E-S) theory”, da qual Simon Baron-Cohen é um precursor.

Aqui abordei a questão da interferência química na sexualidade:

Não obstante, a mesma esquerda que se diz “científica” ignora a ‘realidade’ em prol de modelos que não se encaixam nos fatos, tampouco na ciência mesma. E seus signatários o fazem de uma forma assustadoramente arbitrária, a qual remete a doutrinas hediondas como a teoria das diferenças raciais dos nazistas.

Ou seja, doutrinas que deveriam ficar restritas a certas mentes entorpecidas, mas que acabam tendo um impacto lesivo sobre a sociedade.

Por exemplo, que dizer de um homem nascido na Florida (USA) que diz não apenas ser mulher, mas uma mulher filipina? Sim, ele é transgênero e transracial.

Agora, imaginem: se desejarmos cidadania estadunidense poderemos nos declarar estadunidenses? Afinal, se gostamos de filmes de Hollywood, Fast-food e coisas do tipo, podemos nos “sentir” estadunidenses, certo?

E os exemplos seguem surgindo: pessoas que se “sentem” certos animais, alienígenas, etc. E elas reivindicam serem tratadas não pelo que são (realidade/ciência), mas pelo que “sentem” (ideia) que são.

Ou seja, aqui não há qualquer adequação do intelecto à coisa: a coisa é desprezada.

Vejam, então, a ladeira escorregadia que descemos quando adotamos ‘ideias’ totalmente desvinculadas da realidade.

Há diversos outros exemplos de ideias deletérias oriundas da mentalidade esquerdista, todas incompatíveis seja com a realidade (fatos) seja com boas razões: cotas raciais (ações afirmativas em geral), desarmamento da população, desmanicomialização, descriminalização de criminosos e do uso “recreativo” de drogas ilícitas, desarmamento da polícia, legalização ampla do aborto, eliminação da família ‘tradicional’ (homem, mulher e filhos oriundos dessa relação) e banalização do divórcio, estímulo da sexualidade em crianças e da promiscuidade em geral, etc.

Esses alguns exemplos de pautas sociais defendidas aguerridamente pela esquerda, especialmente no âmbito dos costumes, as quais confluem para um único propósito: a dissolução da civilização que se estabeleceu, espontaneamente, ao longo dos últimos dois mil anos.

Isso porque, quando rejeitamos a realidade, inevitavelmente passamos a viver em um estado de insanidade.

Sim, a insânia social que hoje testemunhamos não surgiu por acaso, mas é engendrada e fomentada pela esquerda, albergada especialmente nas universidades, na mídia, no meio artístico e no judiciário. Nosso último baluarte para conter a imersão total na barbárie é, creio, a sociedade civil, na qual jaz os últimos indícios de bom senso.

Carlos Adriano Ferraz - (Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). Atualmente é professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) na graduação e no Programa de Pós-Graduação em Filosofia, no qual orienta dissertações e teses com foco em ética, filosofia política e filosofia do direito. Também é membro do movimento Docentes pela Liberdade (DPL), sendo atualmente Diretor do DPL/RS).

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