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Não é permitido dizer adeus

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A transitoriedade sempre fez parte da vida. Desde que nasce o homem começa a sua jornada rumo à morte física.

Assim, o ser humano nasce, cresce, reproduz, amadurece e morre. Através do corpo uma extraordinária jornada feita de sensações, sentimentos diversos e refinados, nos faz sentir que estamos vivos. Através da dor e do amor experimentamos a realidade desse mundo.

Apesar de termos consciência da brevidade da vida, nunca como agora, o sentimento de impermanência foi tão agudo e profundo. Nenhum de nós pode se dar ao luxo de sentir-se em segurança.

Sabemos que nascemos sozinhos. Morremos sozinhos. Mas, no intervalo, entre nascer e morrer, temos uma chance de através do amor e das amizades, minimizar a solidão, criando a ilusão de que não estamos sozinhos.

Desde que o mundo anunciou essa pandemia, toda a nossa crença no ser humano passou a ser questionada. Nossos representantes políticos ditam as regras de isolamento social. A população dividida por rixas políticas, põe em risco as próprias vidas. Há os que aderiram ao pé da letra o lema: “fique em casa” e lá permanecem no conforto de seus lares até segunda ordem. Alguns negam a doença e levam vida quase que normalmente. Entretanto, os que adoeceram de medo são em maior número, prenúncio de uma epidemia mental.

E há especialmente, aquelas pessoas que perderam seus entes queridos para o coronavírus. Morreram em um leito frio e solitário de hospital, sem poder sentir o calor de um abraço, nem mesmo dizer adeus. Penso na dor de familiares que não puderam fazer um velório digno. Foram obrigados a aceitar que os corpos fossem colocados em “sacos pretos reforçados” enterrados sem homenagens, sem orações, sem velas. Restou-lhes chorar muito. Chorar como quem chove, sem ombro amigo, sem abraço, sem consolo, em profunda solidão.

Estamos vivenciando um novo “Brumadinho”, cuja lama escorre pela tela de cada canal de TV que noticia com ênfase fúnebre a evolução dos números.

Para além dos números, quem são essas famílias que perderam seus parentes? Estão recebendo algum tipo de solidariedade?

E os médicos? Enfermeiros? E todos os profissionais da saúde que morreram na guerra contra o coronavírus? E os profissionais que “morrem” de medo, sem poder ficar em casa? Os que sofrem preconceito por receio de contágio, por trabalhar em hospital?

Precisamos repensar esse modelo de isolamento em que a maioria da população é incentivada a ficar passiva, em casa, esperando o temporal passar.

Conheço muita gente que confundiu isolamento social com abandono. Alguns deixaram à míngua seus pais e parentes idosos. Muitos se queixam da saudade de filhos e netos e se ressentem pelo afastamento. E se a doença durar anos, haverão de morrer antes morrer? De tristeza?

Eu tenho meus pais vivos, ambos com 84 anos. Visito-os todos os dias, levo alimentos e afeto. Meu irmão fez aniversário esses dias, e fez uma festa regada a álcool (gel). Nossos pais foram os únicos convidados.

Precisamos dar dignidade aos nossos idosos. Flexibilizar, porém, seguindo o protocolo de higiene.

Para as pessoas que perderam seu pai ou mãe para essa terrível doença, nosso mais sincero pesar!

Passou da hora de usarmos as redes e mídias diversas para propagar a solidariedade aos enlutados. Estar de luto pela morte dos outros é uma maneira de ensaiar a nossa morte.

As pessoas precisam passar pelas fases do luto: negação, raiva, barganha, depressão e aceitação. Se inibir a expressão do seu pesar, pode ficar doente: depressão crônica, ansiedade, raiva excessiva, inclusive de Deus, doenças psicossomáticas, câncer etc.

Observo que as famílias vitimadas pelo covid-19 não recebem das mídias nenhum tipo de alento. Não basta dizer que lamentamos. É preciso ações. Linhas de ajuda por telefone, live, e-mail, pessoalmente, com distanciamento devido. Para além do isolamento horizontal. Vamos horizontalizar a empatia, a solidariedade, o amor ao próximo?

"Eu não acredito em caridade, eu acredito em solidariedade. Caridade é tão vertical: vai de cima pra baixo. Solidariedade é horizontal: respeita a outra pessoa e aprende com o outro. A maioria de nós tem muito o que aprender com as outras pessoas.” Eduardo Galeano.
Foto de Bernadete Freire Campos

Bernadete Freire Campos

Psicóloga com Experiência de mais de 30 anos na prática de Psicologia Clinica, com especialidades em psicopedagogia, Avaliação Psicológica, Programação Neurolinguística; Hipnose Clínica; Hipnose Hospitalar ; Hipnose Estratégica; Hipnose Educativa ; Hipnose Ericksoniana; Regressão, etc. Destaque para hipnose para vestibulares e concursos.

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