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1.100 traficantes soltos - e o cidadão que se dane

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O tráfico de drogas é hoje a força-motriz que sustenta a criminalidade violenta em muitas cidades brasileiras.

No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, entre tráfico e milícia, são mais de 4 mil comunidades dominadas pelo crime organizado, com um exército de criminosos fortemente armados estimado pelos órgãos de inteligência da Secretaria de Polícia Civil em cerca de 56 mil homens.

Recentemente, apurou-se que quase metade (48%) dos homicídios no Rio tem relação com o tráfico.

Em São Paulo, o notório PCC já se transformou numa verdadeira multinacional do crime, impondo pela força das armas seu poderio além das fronteiras do Brasil (as divisas do estado de São Paulo já haviam sido ultrapassadas há muito tempo).

Mas o legislador e parte do Judiciário parecem nunca se cansar de tratar com bondade esses marginais.

Em 2006, entrou em vigor a nova Lei de Entorpecentes, cujo artigo 33 prevê pena de 5 a 15 anos de prisão para traficantes. Acontece que o mesmo artigo 33, em seu parágrafo 4º, abriu uma ampla porta para a impunidade, ao prever redução de pena de um sexto a dois terços para o traficante primário e de bons antecedentes “que não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.

Como o Comando Vermelho e o PCC não fornecem (ainda) carteirinhas de sócio a seus integrantes, nem assinam (por enquanto) a carteira de trabalho de seus “colaboradores”, o mencionado parágrafo mostrou-se, na prática, uma providencial brecha para que integrantes de facções criminosas acabem, por “falta de provas”, sendo considerados “traficantes autônomos”, e por isso condenados a uma pena de um ano e oito meses de prisão (é preciso muita ingenuidade para crer que facções criminosas que gastam uma fortuna com armamento sofisticado para garantir o monopólio do comércio de drogas vão permitir a concorrência de um traficante “freelancer”).

Um ano e oito meses na prisão? Quem conhece a legislação brasileira sabe que não é bem assim. Nossa sempre camarada Lei de Execução Penal prevê o cumprimento de somente cerca de um sexto da pena (16%) em regime fechado (ou 40%, em caso de crime hediondo ou equiparado), o que significa, na prática, que em menos de três meses e meio (ou oito meses) nosso Pequeno Príncipe, perdão, “pequeno traficante” (como costuma ser chamado pelos defensores do desencarceramento de criminosos) já estará de volta às ruas, graças ao regime semiaberto - de volta às ruas e, não duvidem, de volta às atividades “laborativas” habituais.

Mas a 6ª Turma do STJ acaba de decidir que deixar um traficante passar longuíssimos três meses e meio (ou oito meses) dentro de uma prisão é inaceitável “punitivismo”. Afinal, o crime pelo qual foram condenados não pode ser equiparado a crime hediondo. É verdade que a Constituição, em seu artigo 5º, inciso XLIII, faz exatamente o contrário (ou seja, equipara o tráfico a crime hediondo), mas sabemos que a Constituição hoje é mera e longínqua referência. Assim sendo, o STJ ordenou ao Tribunal de Justiça que solte mais de 1.100 traficantes que atualmente cumprem pena de prisão em regime fechado no estado de São Paulo.

O nome de faz de conta da medida é “cumprimento de pena de prisão em regime aberto”, mas a prova de que nem o STJ acredita que isso seja “cumprimento de pena de prisão” é o fato de ter o tribunal superior ordenado ao Tribunal de Justiça paulista a expedição de.... alvarás de SOLTURA.

No país dos valores invertidos, a decisão “libertadora” recebeu aplausos de setores da mídia (veja na imagem abaixo, à esquerda, a nota do jornalista Elio Gaspari, em O Globo) e, curiosamente, de ao menos um membro do Ministério Público - ou seja, de um promotor, aquele profissional cuja função aprendemos ser a de agir CONTRA os criminosos, em defesa da sociedade. Tudo com base na velha cantilena da “proteção aos pobres, pretos”, etc. - como se esses réus tivessem sido condenados por serem pobres ou negros, ou por morarem na periferia, e não por serem traficantes.

Não tenham dúvida: grande parte desses criminosos soltos voltarão imediatamente a atuar para as facções criminosas das quais eles fazem parte, sim (sem a carteirinha de sócio com fotografia, porém), ajudando-as a vender mais drogas, faturar mais dinheiro e investir em mais armas.

O STJ gosta de se intitular o “tribunal da cidadania”. Ao “garantir” a impunidade (o nome de fantasia é “regime aberto”) a traficantes, a mensagem para a cidadania parece clara:

O cidadão que se dane.

Marcelo Rocha Monteiro. Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.

da Redação Ler comentários e comentar