Entre o dever e a justiça: O embate entre Marco Aurélio e Luiz Fux

12/10/2020 às 19:37 Ler na área do assinante

As divergências entre os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello e Luiz Fux, a respeito do habeas corpus concedido pelo primeiro a André de Oliveira Macedo – o André do Rap- , integrante da cúpula da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital), dividiram o mundo jurídico na semana que passou. O traficante é acusado de administrar a exportação de drogas de sua facção a partir do porto de Santos para a Europa, e era o homem de confiança nas negociações com a máfia italiana ‘Ndrangheta’.

Justificando sua decisão, Marco Aurélio disse que não olhava para a história do réu na hora de julgá-lo, mas sim para o seu direito. Em sua decisão, disse que o criminoso estava preso desde o final de 2019 sem uma sentença condenatória definitiva, excedendo o limite de tempo previsto na legislação em vigor. Também obrigou o integrante do PCC a informar à Justiça a residência onde poderá ser encontrado, caso seja necessário novo contato. Como era de se esperar, o traficante fugiu..

Condenado a 14 anos de reclusão e reduzida após acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) para 10 anos, 2 meses e 15 dias, em regime fechado,, a prisão também foi mantida por envolver a apreensão de quatro toneladas de cocaína de tráfico internacional. Em ambos os processos, Marco Aurélio concedeu habeas corpus. O traficante, neste momento, deve estar gozando as delícias de sua liberdade no exterior, para onde partiu em um avião especialmente fretado para esse fim.

Sem adentar no mérito dos seus julgamentos, o fato é que nossa Suprema Corte vem sendo bastante criticada por suas decisões garantistas na soltura de notórios criminosos. Como se sabe, o direito é posto em prática com base em um conjunto de leis, muitas delas feitas com afronto ao nosso sentimento comum de justiça, cujo conceito é demasiadamente subjetivo. Ela não é vista de forma igualitária. Muitos magistrados a promovem sob o pretexto de pôr em prática seu entendimento pessoal, sem atentar para a intenção do legislador.

A interpretação de uma lei se faz com o objetivo de se praticar a justiça. O apego excessivo à forma, dando-se atenção a nada mais do que as palavras, pode ser uma forma de se descumpri-la. O formalismo que contraste com a finalidade social da norma desserve ao bem jurídico que o legislador quis proteger. Segundo Couture, devemos buscar a justiça entre as várias interpretações possíveis da lei, e ela sempre protege um bem jurídico ou um determinado valor social. Para tanto, precisa ser interpretada, algumas vezes, de diferentes maneiras, ora apegando-se à literalidade de suas palavras, ora atentando-se para o valor social nela contido.

Quando o formalismo se antagoniza com o bem jurídico que se quer proteger, abre-se espaço para, no suposto cumprimento formal da lei, aplicar o entendimento subjetivo do julgador em sua interpretação, sem atentar para o bem comum. Assim entendeu a Procuradoria Geral da República (PGR) ao solicitar a revogação da decisão liminar (provisória) do ministro Marco Aurélio.

Ao pedir ao Supremo o retorno do traficante à prisão, a PGR, através do subprocurador Humberto Jacques de Medeiros, alegou “risco efetivo que o paciente em liberdade pode criar à ordem pública por se tratar de paciente de comprovada altíssima periculosidade”, além de “dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogados”.

O ministro Luiz Fux, ao revogar a decisão do colega, alegou que o investigado tem “participação de alto nível hierárquico em organização criminosa, com histórico de foragido por mais de 5 anos”, e que o habeas corpus sequer poderia ter sido analisado, já que a discussão sobre o prazo de reavaliação de prisões preventivas a cada 90 dias não chegou a ser discutida nas demais instâncias.

Segundo ele, nesse ponto o “excesso de prazo demanda juízo de razoabilidade à luz das circunstâncias concretas de caso em análise, e que nenhum fato alterou as condições da prisão do traficante desde que ela foi decretada, além de que mantiveram-se firme os fundamentos da garantia da ordem pública”.

Pelo visto, Fux atendeu as lições de Couture, de que “Teu dever é lutar pelo Direito, mas no dia em que encontrares em conflito o direito e a justiça, luta pela justiça”.

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Luiz Holanda

Advogado e professor universitário

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