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O Tropismo positivo de Marco Aurélio

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A biologia ensina que tropismo positivo é o movimento de uma planta, ou ser microcósmico em uma direção, causado o movimento por um estímulo externo, de natureza física ou biológica. A expressão é usada aqui para indicar a tendência irresistível ao favorecimento de bandidos, não obstante o tipo e o potencial de periculosidade dos mesmos.

Marco Aurélio Mello, tem uma vocação irreprimida para salvar a pele de bandidos de alto coturno, sejam eles pilantras envolvidos em transações financeiras danosas ao país e ao contribuinte, envolvidos na Lava-Jato, ou sejam meros traficantes de drogas ilícitas.

O caso que hoje fervilha na mídia é o da soltura de André do Rap, membro do notório PCC, considerado o maior traficante de cocaína para a Europa e já condenado duas vezes em segundo grau.

Antes de ser preso em setembro de 2019, André do Rap viveu foragido por cinco anos, mas sempre dirigindo, da clandestinidade, o tráfico de cocaína.

Foram cinco anos de penosa e diligente investigação, de coleta de inteligência, de esforços árduos para localizá-lo e, finalmente, prendê-lo. Imagine-se o quanto se gastou de dinheiro do contribuinte durante todo este esforço. Tudo isto para que, apenas um ano depois, este bandido saia da prisão pela porta da frente e direto para a nova clandestinidade. Tudo por ordem de Marco Aurélio Mello, que parece possuir um tropismo positivo em relação ao que existe de mais repulsivo na bandidagem nacional.

André do Rap ignorou a determinação – óbvio, só Marco Aurélio poderia ter acreditado (se acreditava) nela - para que as autoridades o advertissem “da necessidade de permanecer em residência indicada ao Juízo, atendendo aos chamados judiciais, de informar possível transferência e de adotar a postura que se aguarda do cidadão integrado à sociedade.” André, lixando-se com a “douta ordem” de Marco Aurélio, foi direto – segundo se informa – a um jato executivo que já o esperava e agora se encontra, mais uma vez, em lugar incerto e não sabido.

Quanto a nós, contribuintes, voltaremos a gastar milhões em inteligência policial, na esperança de um dia se volte a prendê-lo. Só espero que quando isto acontecer (se acontecer) Marco Aurélio já tenha, de alguma forma, sumido do STF para o bem de todos e felicidade geral da Nação.

Marco Aurélio, mostrando imensa inconsequência, ainda defende sua decisão monocrática com base no Art. 316 do Código Penal, obra da Lei Anticrime. Este artigo é um jabuti colocado no projeto de lei enviado por Sergio Moro ao Congresso e sancionado por Bolsonaro, apesar das advertências do então Ministro da Justiça e Segurança Pública.

O entendimento geral do Ministério Público - que é o mesmo do Ministro Fux - é o de que a obrigação de revisar a manutenção da prisão, a cada 90 dias, é imposta apenas ao juízo de primeiro grau, ou tribunal que impôs a medida cautelar. De qualquer maneira, tenho para mim que Marco Aurélio está fazendo espuma: com ou sem Art. 316 ele soltaria o bandido, como fez antes com outros. É o tal tropismo positivo de que falei acima.

Antes de dar dois exemplos de casos que me levam a crer que Marco Aurélio livraria a pele do bandido, com ou sem Lei Anticrime, faço um pequeno comentário. Num país onde se requer o ‘transito em julgado’ que nunca chega (é necessário percorrer, com dezenas de recursos, 04 instâncias judiciais; lembremos esta jabuticaba brasileira) para se atingir o cumprimento em definitivo da pena, imagine-se o trabalho do Ministério Público para, a cada 90 dias, justificar, substancialmente, a continuidade da prisão. Imagine-se o que o pobre contribuinte terá de pagar por essa “obrigação” trimestral do MP, ao longo da eternidade que leva, sem jamais chegar, o ‘trânsito em julgado’. Falta absoluta de bom senso. Mais: lá pelas tantas, o procurador já é outro e não acompanha o caso. O réu já mudou de instância recursal e, assim sendo, a quem do MP fica a obrigação da solicitação arrazoada para renovação da prisão temporária? Trata-se de loucura pura, ou expediente escapista e irresponsável aquele jabuti colocado pelo nosso suspeitíssimo Congresso?

Vamos aos dois exemplos.

PRIMEIRO EXEMPLO: Moacir Levi Correia, alcunha Bi da Baixada, já condenado em segunda instância a 29 anos, três meses e 16 dias de encarceramento, foi libertado, após cerca de um ano de prisão, por ‘habeas corpus’ de Marco Aurélio Mello em18 de outubro de 2019, antes da Lei Anticrime, que foi sancionada em 28 de dezembro de 2019. Portanto, sem essa de apontar o Art. 316 da Lei Anticrime (agora no CP) como razão para a soltura de André do Rap. Ele seria solto por Marco Aurélio de qualquer forma. Note-se que nesta época ainda vigorava a jurisprudência da prisão em segunda instância que Marco Aurélio, sempre rebelde, nunca acatou. (O Estado Cleptocrático Brasileiro só foi instituído, pelo STF, com o voto de Marco Aurélio, em 07 de novembro de 2019.)

Veja-se o que escreve Marco Aurélio no seu “douto” ‘habeas corpus’ concedido ao bandido Bi da Baixada, com observações que faço entre colchetes: “Privar da liberdade, por tempo desproporcional [pouco menos de um ano, de uma sentença condenatória, em segunda instância, de 29anos!], pessoa cuja responsabilidade penal não veio a ser declarada em definitivo [Claro, o ‘trânsito em julgado’ nunca chega mesmo] viola o princípio da não culpabilidade.” Em suma, o que Marco Aurélio Mello diz é que Bi da Baixada NÃO É CULPADO (embora condenado em segunda instância a 29 anos de cana!) e nunca será culpado porque o ‘trânsito em julgado’ ainda não havia chegado e só chagará, sabemos todos, nas calendas gregas, aquelas datas que não existem. Em outras palavras e em termos práticos: torna-se praticamente impossível a declaração em definitivo da culpa, segundo Marco Aurélio. Eis a que foi reduzido o Direito brasileiro! É a isso que Marco Aurélio chama “ciência do Direito”, da qual ele se autodeclara “cientista”. O discurso deste ministro ‘by Collor’ é uma inconsistência interminável.

SEGUNDO EXEMPLO: Deixo à Folha on Line de 25 de junho de 2008 a explicação do caso Salvatore Cacciola:

“Salvatore Cacciola, ex-dono do Banco Marka, foi protagonista de um dos maiores escândalos do país.
Em janeiro de 1999, o BC elevou o teto da cotação do dólar de R$ 1,22 a R$ 1,32. Essa era a saída para evitar estragos piores à economia brasileira, fragilizada pela crise financeira da Rússia, que se espalhou pelo mundo a partir do final de 1998.
Naquele momento, o banco de Cacciola tinha 20 vezes seu patrimônio líquido aplicado em contratos de venda no mercado futuro de dólar. Com o revés, Cacciola não teve como honrar os compromissos e pediu ajuda ao BC.
Sob a alegação de evitar uma quebradeira no mercado - que acabou ocorrendo -, o BC vendeu dólar mais barato ao Marka e ao FonteCindam,
ajuda que causou um prejuízo bilionário aos cofres públicos.
Dois meses depois, cinco testemunhas vazaram o caso alegando que Cacciola comprava informações privilegiadas do próprio BC.
O caso foi alvo de uma CPI, que concluiu que houve prejuízo de cerca de R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos.”
Em 2000, o Ministério Público pediu a prisão preventiva de Cacciola com receio de que o ex-banqueiro deixasse o país. Ele ficou na cadeia apenas 37 dias, quando recebeu um ‘habeas corpus’ dele, Marco Aurélio Mello. Neste caso, não havia Art. 316 para citar, nem havia “privação da liberdade por tempo desproporcional”.

Como descreveu Eliane Cantanhêde /1/, em artigo de 27 de junho de 2000: “Ninguém entendeu a decisão de Marco Aurélio. Nem o presidente do Supremo, Carlos Velloso, que revogou a liminar dele e mandou prender Cacciola novamente. Foi desmoralizante para o ministro, mas tarde demais: o pombo [Cacciola] já tinha voado [para a Itália].”

O ministro Carlos Velloso fez, na época, o que Fux faz agora, no caso André do Rap: caçou a liminar absurda de Marco Aurélio. O caso André do Rap é apenas um “más de lo mismo” da história de Marco Aurélio no STF.

REFERÊNCIA:

1. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz2707200005.htm

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Foto de José J. de Espíndola

José J. de Espíndola

Engenheiro Mecânico pela UFRGS. Mestre em Ciências em Engenharia pela PUC-Rio. Doutor (Ph.D.) pelo Institute of Sound and Vibration Research (ISVR) da Universidade de Southampton, Inglaterra. Doutor Honoris Causa da UFPR. Membro Emérito do Comitê de Dinâmica da ABCM. Detentor do Prêmio Engenharia Mecânica Brasileira da ABCM. Detentor da Medalha de Reconhecimento da UFSC por Ação Pioneira na Construção da Pós-graduação. Detentor da Medalha João David Ferreira Lima, concedida pela Câmara Municipal de Florianópolis. Criador da área de Vibrações e Acústica do Programa de Pós-Graduação em engenharia Mecânica. Idealizador e criador do LVA, Laboratório de Vibrações e Acústica da UFSC. Professor Titular da UFSC, Departamento de Engenharia Mecânica, aposentado.

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