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A juíza Viviane e o menino João Hélio: “Cumprir pena em casa” é mais uma ficção da lei penal brasileira

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Na véspera do Natal deste já tão difícil ano de 2020, um crime hediondo chocou o Brasil: no Rio de Janeiro, a juíza Viviane Vieira do Amaral Arronenzi foi brutalmente assassinada a facadas pelo ex-marido, diante das três filhas do casal: gêmeas de 7 anos de idade e a mais velha com 9 anos.

O crime bárbaro, como não poderia deixar de ser, gerou justa indignação. Gerou também alguns comentários absolutamente equivocados sobre nossa legislação penal, e demonstrou pela enésima vez a hipocrisia de parte de nossas “classes falantes”.

Uma profissional da Justiça criminal (de outro estado) disse que a legislação brasileira é muito branda “com os crimes praticados contra as mulheres”.

“Contra as mulheres”? Vejamos.

Em 2007, o menino João Hélio, de apenas 6 anos de idade, morreu após ser arrastado pelo asfalto das ruas da Zona Norte do Rio de Janeiro, preso pelo cinto de segurança ao automóvel de sua mãe, que havia acabado de ser roubado por 5 elementos que acharam que não valia a pena parar o carro para salvar a vida do menino.

Os assaltantes arrastaram João Hélio por 7 quilômetros pelas ruas de Oswaldo Cruz, Madureira, Campinho e Cascadura, em alta velocidade; o menino ia batendo no asfalto, e assim perdeu alguns dedos e parte da cabeça; o crânio ficou esfacelado (pedaços de massa encefálica foram encontrados na rua Cerqueira Dalto, na região) e o corpo, irreconhecível.

Presos dias depois, os latrocidas foram condenados a penas de cerca de 40 anos de prisão – com exceção de um deles que, por ter 17 anos de idade, não podia ser processado criminalmente (muito novo para entender o que fez com João Hélio, diz a ficção estabelecida pela legislação brasileira).

Mas as penas de 40 anos também não passavam de ficção. Em agosto de 2019, um dos homens condenados pela morte de João Hélio, Carlos Roberto da Silva, conhecido como ”Carlinhos Sem Pescoço”, deixou o Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho, na Zona Oeste do Rio, pois ganhou o direito de cumprir a pena EM CASA.

“Cumprir pena em casa” é mais uma ficção da lei penal brasileira.

Cerca de 12 anos após o crime, todos os assassinos de João Hélio já estavam de volta às ruas, graças a uma legislação que, como se vê, não é “muito branda com crimes contra mulheres” – é absurdamente frouxa com crimes contra mulheres, com crimes contra meninos de 7 anos de idade, com crimes contra juízes, com crimes contra empregadas domésticas mortas por causa de um celular, etc. etc.

Lembram do caso Suzane Von Richtoffen, a jovem de família rica que em 2002 matou os próprios pais, auxiliada pelo namorado e pelo irmão do namorado? Os três assassinos foram condenados a 39 anos de prisão – pura ficção; nossa benevolente legislação permitiu que os irmãos Cravinhos pudessem voltar a circular pelas ruas de São Paulo já em 2013. Suzane teve que aguardar mais um pouco (até 2014...).

A mesma história se repete no caso Nardoni (a menina morta ao ser arremessada da janela pelo pai e pela madrasta) e em tantos e tantos outros casos: latrocidas, assassinos, assaltantes, traficantes e outros criminosos voltam às ruas após cumprirem menos (na maioria das vezes, muito menos) da metade das penas a que foram condenados.

Há alguns anos, um grupo de juízes, promotores e procuradores criou o Movimento de Combate à Impunidade, propondo leis mais severas e punições mais efetivas para criminosos de todo o tipo. Fizemos um seminário em 2017 – “Segurança Pública como Direito Fundamental” – com foco nos direitos DAS VÍTIMAS e seus familiares, e não nos direitos imaginários dos criminosos. Na época, os promotores de Justiça Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza (que participaram do seminário) haviam lançado o hoje clássico “Bandidolatria e Democídio”, mostrando a relação entre os assombrosos índices de criminalidade brasileiros e o tratamento cada vez mais leniente dos criminosos pela legislação e pela jurisprudência dos tribunais.

A militância “progressista” reagiu com ira. Chegaram a tentar reunir um grupo na frente do prédio onde ocorreu o seminário para protestar e vaiar os palestrantes. O grupo não tinha mais de 10 pessoas, comandadas por duas ou três advogadas ligadas ao PSOL – mas faziam barulho!

“Fascistas! Punitivistas! Reacionários! Prender não resolve!”, gritavam.

Curiosamente, esses mesmos setores que afirmam que punição não é solução e que “prender não resolve”, estão desde a véspera do Natal exigindo leis com punição mais dura para crimes contra as mulheres e uma pena de prisão exemplar para o assassino da juíza Viviane.

São os mesmos setores que se esforçam para barrar qualquer mudança na Lei de Execução Penal que permita que um latrocida condenado a 40 anos de prisão cumpra integralmente sua pena – ou pelo menos mais de dois terços dela.

Eles fingem não entender que criminosos não têm medo de notas de repúdio (como bem lembrou meu amigo Roberto Motta) - o que os criminosos temem é ter que passar o resto da vida na cadeia.

Mas os nossos “progressistas” vão continuar lutando para que isso não aconteça com latrocidas, homicidas e muito menos (valha-nos Deus!) com os traficantes, esses “pequenos comerciantes de drogas” que não representam qualquer risco para a população porque, como sabemos todos (principalmente os cariocas), “tráfico é um crime que não tem relação com violência” – daí porque uma das principais bandeiras dessa turma é a soltura de traficantes.

Muitos desses que aparentam sentir profunda indignação com o hediondo crime de que foi vítima a juíza Viviane são os mesmos que pediram ou aplaudiram a decisão ilegal do STF que, na prática, liberou a atividade do crime organizado em mais de 1.400 comunidades no estado do Rio de Janeiro ao proibir operações policiais nessas localidades usando como esdrúxulo pretexto a pandemia do coronavírus.

Como se vê, a indignação deles com criminosos é altamente seletiva; depende do caso se enquadrar ou não na agenda da militância “progressista-identitária”.

Nossa sincera solidariedade à família da juíza Viviane, bem como à família do menino João Hélio – cuja morte, infelizmente, não mereceu “nota de repúdio” dos “progressistas” – e de tantas e tantas vítimas esquecidas, não importando gênero, cor da pele, orientação sexual ou o que for.

O Brasil, em 2017, teve mais de 60 mil vítimas de homicídio e latrocínio - das quais cerca de 90% eram do sexo masculino. Por mais que a militância “progressista” tente negar a realidade, esse morticínio não tem como causa principal o machismo, ou a “cultura do patriarcado”.

Também não são a desigualdade de gênero, a cor da pele ou a preferência sexual que explicam os inacreditáveis mais de dois milhões de “assaltos” (roubos, em geral à mão armada) sofridos por brasileiros anualmente (um a cada 3 minutos, provavelmente um recorde mundial).

O que explica esses índices de criminalidade surreais é a IMPUNIDADE.

Eu desejaria do fundo do coração que o assassino da juíza Viviane passasse os próximos 40 anos na cadeia (e quando eu digo “cadeia” me refiro a cadeia de verdade, ou seja, prisão em regime FECHADO).

Infelizmente, porém, a militância dos bondosos “progressistas” contra o “punitivismo” não deixa que isso aconteça. Existe o risco de, quando o assassino de Viviane voltar às ruas no regime semiaberto (inclusive na saída temporária do Dia dos Pais), suas filhas mais novas sejam ainda adolescentes.

Desde o último dia 24 a turma do “Prender não resolve, companheiros!” está mordendo a língua, e pedindo punição exemplar para o criminoso.

Mas será por pouco tempo: no próximo confronto entre policiais e traficantes, eles voltam a torcer pelo lado que habitualmente apoiam.

Não se deixem enganar por essa hipocrisia.

Marcelo Rocha Monteiro. Procurador de Justiça no Estado do Rio de Janeiro.

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