As limitações da ciência e a afirmação da fé, em tempos de pandemia

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Um ano de pandemia evidencia um discurso falacioso centrado na supremacia da ciência e feito sob medida para manipular e intimidar o indivíduo. Assim, proliferam maus exemplos de ditos “cientistas”, sejam eles médicos, epidemiologistas ou mesmo alguns que lidam com modelos matemáticos, que se impõem usando um argumento de autoridade e falam da ciência com tanta arrogância e verborragia que parecem alçá-la à condição de um deus capaz de nos garantir alguma esperança mesmo quando o cidadão comum, vencido pelo ceticismo, observa tudo com descrédito.

De fato, que crédito pode ser dado a uma pesquisa feita há quase um ano atrás para analisar os efeitos da administração de doses elevadas de cloroquina e que causou a morte de 11 pacientes internados em Manaus, quando a própria bula do medicamento não recomenda uma alta dosagem? (Espero que a polícia investigue com rigor a conduta desses “cientistas” e se o “estudo” deles causou essas mortes).

Outro exemplo: alguém daria crédito a pesquisas que insinuam ser o tratamento precoce ineficaz ou que aumente a taxa de internação mesmo quando outros estudos indicam o contrário?

Afinal, que tipo de ciência permite ser apropriada por lados que mutuamente se contestam?

É preciso então racionalidade para não fazer da ciência algo que ela não é e que nunca teve pretensão de ser, de modo a não colocarmos esperança em algo que não oferece esperança alguma.

De fato, se é para pensarmos em argumento de autoridade, esqueçamos o que dizem esses inúmeros “cientistas” de ocasião e selecionemos a mais teórica das ciências - a Física, e dentro da Física selecionemos a sua sub-área mais teórica e onde se encontram alguns dos problemas mais relevantes e fundamentais - a Teoria de Campos, e entre os mais proeminentes desses field-theoreticians selecionemos Julian Schwinger que escreveu:

“If the particle is the ultimate structure, no detailed description is possible in regions of intense interaction where the characteristics additivity of independent particle contributions ceases to be valid. All that can be done is to compare the state of noninteracting particles after a collision with the state of the generally different number of particles prior to the collision” [ Julian Schwinger: Source Theory: Volume 1, pag. 34]

Traduzindo:

“Se a partícula é a estrutura mais elementar, então não é possível uma descrição detalhada em regiões de intensa interação onde a aditividade característica das contribuições individuais das partículas deixa de ser válida. Tudo que se pode fazer é comparar o estado das partículas livres após a colisão com o estado das partículas, geralmente em número distinto, antes da colisão.”

A forma como Schwinger pensa a dinâmica das interações fundamentais deixa claro a limitação da teoria em descrever como se dá a interação em si, conformando-se apenas com um estudo comparativo do sistema antes e depois da interação. Na verdade, esta limitação está presente em toda a ciência e é suficiente para nos convencer de que ela trata apenas do que pode ser investigado por meio de um experimento, e que a própria experimentação abrange apenas um recorte da realidade, nunca a realidade em si ou na sua plenitude.

Ora, se a ciência se mostra limitada quando trata do seu próprio objeto de estudo, então ela também pode estar sujeita a limitações se for indevidamente usada para falar sobre áreas fora do seu domínio, em particular, assuntos da religião.

De fato, a religião (neste texto uso o termo aplicado ao cristianismo), diferente da ciência, não utiliza a experimentação como critério de validação de seu discurso, mas pensa a realidade humana diante de Deus tomando como ponto de partida a revelação bíblica junto às misteriosas e sutis comunicações do Espírito Santo naquele que crê.

Tal qual a ciência, a religião e a sua componente fundamental da fé também têm suas limitações, mas essas limitações nunca incidem sobre o objeto no qual a religião empreende todos seus esforços, entre eles a salvação, pois a fé é uma experiência real e inegável do indivíduo e as Escrituras nos ensinam que ela cria um elo inimaginável entre o indivíduo e Deus que, pela graça, tem garantido aquilo que a própria fé aponta que é a salvação. A limitação da religião e, consequentemente, da fé é apenas quanto a ser posta em coisas onde ela não se aplica.

Com isso em mente, devemos observar que a pandemia vai muito além de seus efeitos imediatos e visíveis manifestados tanto na doença que atinge o corpo quanto na angústia e ansiedade que afligem a mente e o espírito. Para os que conseguem ver além desse horizonte imediato, a pandemia suscita um questionamento importante e emergencial que parece estranho de ser feito em nosso tempo, mas que nossos antepassados certamente fizeram, que é:

Onde o indivíduo põe sua esperança? Na ciência ou em Deus?

Não há outra escolha, contudo, devemos lembrar que para os que confiam em Deus, a ciência é um instrumento complementar, nunca excludente a fé.

Aos que confiam unicamente na ciência, a possibilidade das vacinas serem ineficazes na proteção ao vírus ou a uma de suas novas variantes agrava a falsa percepção de segurança a que muitos se acostumaram e que faz da “ciência” um deus pré-fabricado sob medida.

Aos que de certa forma confiam em Deus, há um misto de pessimismo “pedagógico” e otimismo.

Pessimismo pedagógico porque o que estamos passando talvez aponte para algo já conhecido, que, semelhante ao que Paulo menciona em Rom 1: 28, pode ser um dos momentos da história em que Deus permite que eventos sigam seu curso natural destrutivo pela insistência do ser humano em desprezar o conhecimento de Deus, no caso, colocar sua esperança apenas no esforço humano - a ciência. Se realmente for isso e, se pela nossa obstinação, fomos entregues “a uma disposição mental reprovável, para praticarmos o que não devemos”, então a perspectiva é sombria, pois sabemos que isso só se reverterá quando houver um pequeno resto que, mudando a mentalidade, poderá receber novamente a graça de Deus para mais uma vez caminhar sob sua proteção.

Otimista porque, ao que crê, a confiança em Deus aponta para realidades intangíveis e superiores que nos eleva a um patamar onde o que vemos e almejamos dá uma ressignificação a nossa existência diante de Deus, independentemente se vivemos sob ameaças e perigos de quaisquer natureza, o que inclui conviver com o vírus. Nisso, experimentaremos algo semelhante ao que Jó experimentou como descrito em Jó 42: 2-6, onde todas as tribulações se dissiparam diante do que ele viu na sua própria ressignificação diante de Deus, quando diz:

“Na verdade, falei do que eu não entendia, coisas que são maravilhosas demais para mim, coisas que eu não conhecia. ...eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem. Por isso me abomino e me arrependo no pó da cinza.”

Notemos que essa ressignificação é algo estranho para a ciência, mas real dentro da experiência religiosa cristã, na verdade, ela constitui a própria condição do cristão autêntico como demonstrado no curso da história onde, mesmo imersos em dificuldades e perseguições, esses cristãos nunca perderam sua fé.

Aplicado a nossos dias, vemos que o mal trazido pelo vírus não pode ser maior que a esperança depositada em Deus de modo a causar apatia e ansiedade desmedida, como nos alerta o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo em Mt 6:25-34 ao tratar a realidade daquela época com as necessidades de se alimentar e se vestir e que, referido ao nosso tempo, pode incluir também a necessidade de ter que aprender a conviver com o vírus.

Neste momento crucial de tribulação, o questionamento sobre em quem depositamos nossa esperança nunca fez tanto sentido, principalmente por haver um grande segmento da população que ainda reconhece a necessidade de cultuar a Deus.

Assim, as igrejas devem ser incansáveis em seu serviço ao povo, pois é na dificuldade que se manifesta mais intensamente o reconhecimento da impotência e pequenez que nos coloca diante de Deus de uma forma mais maleável, proporcionando uma oportunidade única de refinamento. Como escreve CS Lewis em suas reflexões sobre os Salmos,

“God leads His people ...by blows which seems to us merciless ... but the astonishing thing is that religion is not destroyed. In its best representatives it grows purer, stronger, and more profound. It is being, by this terrible discipline, directed more and more to its real centre.”

Traduzindo:

“Deus conduz seu povo … por golpes que nos parecem cruéis ... mas é surpreendente que a religião não é destruída. Em seus melhores representantes, ela cresce mais pura, mais forte e mais profunda. Ela é direcionada por meio dessa disciplina mais e mais para o seu centro real.”

É preciso então que as igrejas façam um resgate espiritual da nação levando esperança as pessoas sem perder de vista esse refinamento que CS Lewis menciona. Assim, não é uma esperança de que estaremos livres da tribulação, mas que pela tribulação atingiremos um bem espiritual maior que nos faz superar o medo e colocar nossa esperança em Deus e que, quer vivamos ou morramos, tudo façamos confiando em Deus. É nessa certeza que devemos caminhar sob a luz da fé.

Marcelo Carvalho. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

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