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Nunes Marques e o seu dever cívico de consertar a história do País - a liminar do Impeachment de Moraes

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Chegou a hora de o texto da Constituição se encontrar com a realidade.

O jurista alemão Ferdinand Lassalle (1825-1864) defendia que a Constituição não pode ser uma “folha de papel” e a razão para essa sensação está no descumprimento de suas normas e não nas construções fantasiosas que visam a atender interesses pessoais dos juízes das supremas cortes, ou de seus padrinhos políticos que nestes postos vitalícios lhe colocaram, nem para reafirmar suas ideologias próprias ou vontades corporativas. Não. A Constituição-texto se enfraquece à médica em que a efetividade de seu texto é deixada de lado por interpretações variadas que são inseridas em seus enunciados sem que jamais lá tenham sido escritas, textualmente, pelos constituintes eleitos diretamente pelo povo, no caso, o povo brasileiro.

Em 14 de março de 2019 foi uma outra data histórica. O então presidente do STF, Min. Dias Toffoli, ex-advogado da turma do PT indicado pelo seu paraninfo profissional Luiz Inácio Lula da Silva, que o preparou da AGU para assumir o posto mais alto do tão poderoso Judiciário brasileiro, com apenas 48 anos de idade, abriu o fatídico “Inquérito do Fim do Mundo”, vulnerando o Sistema Acusatório estatuído pelas garantias fundamentais e pétreas da Constituição e todo o regime jurídico-penal positivo. Ao arrepio de todos os manuais de Processo Penal, da jurisprudência consolidada e, de novo, desprestigiando o “texto de lei”, único capaz de produzir obrigações jurídicas e restringir a liberdade natural dos cidadãos, instituiu um inquérito sem investigados definidos, sem objeto delimitado, sem competência legal - afinal o STF é autoridade judiciária criminal competente originária para inquéritos penais de autoridades com foro privilegiado: tudo isso com base no Art. 43 de um regimento aprovado por eles próprios, que não é lei, mas que aplicam como se acima dela estivesse. E não para por aí. Esse mesmo artigo, excepcional, prevê a abertura de procedimento investigativo interno em caso de crime cometido nas dependências físicas do tribunal (do prédio!) e que serviu para a cabeça daquele ministro-presidente “entender” que o Supremo é tão Supremo que ele e seus 11 corifeus estão em todos os lugares em todo o tempo.

A Constituição foi rasgada e, a partir dali, o país passou a mergulhar numa crise literalmente governada pelo STF, de ponta a ponta - do medo às investigações sobre os próprios ministros e a história do “amigo do amigo do meu pai”, sendo censurada a veiculação pela Revista Crusoé - às fatídicas e mortais decisões fabricadas sobre a gestão da Pandemia, numa nítida guerra política encetada por uma Corte judiciária atuando explicitamente contra o Presidente democraticamente eleito, esquecendo-se totalmente do que previa o Art. 21, inciso XVIII, da Constituição, que diz competir à gestão da União (governo federal): “planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas”.

Não bastasse tamanha excrescência jurídica que provavelmente não convenceu nem seus próprios assessores de gabinete, delegou a função de “Xerife”, nas palavras de seu colega Marco Aurélio, digo, “Relator” para conduzir tal caso (o Inquérito do Fim do Mundo ou do “Fim da Democracia”), a Alexandre de Moraes, então ministro mais novo da Corte, passando por cima do sorteio obrigatório que é feito em todos os tribunais para cumprir o princípio também expresso na Constituição Federal (Art. 5º, LIII) do Juiz Natural, que não permite escolher diretamente quais juízes irão dirigir os casos sob julgamento. Mas assim o foi e, como justificativa, deu-se a de que se tratava de uma “delegação de competência original do presidente”.

O Xerife começou a “atuar” também sem prazo definido, com total sigilo, negando-se acesso às partes investigadas por ele mesmo (violando a SV 14 do próprio STF), que, além de “juiz do caso por delegação” e uma das supostas vítimas das tais “fakes news”, figura essa que sequer existe no Direito, passou a ser “autoridade policial suprema” - determinando quem seriam os delegados da PF de sua preferência -, bem como passou a funcionar como órgão acusador, papel exclusivo (frise-se) do Ministério Público, neste caso, através de sua Procuradoria-geral da República (PGR). Tanto assim que a então chefe do MPF, Raquel Dodge, produziu uma brilhante peça de Promoção de Arquivamento desse monstrengo jurídico persecutório de exceção, jamais visto na história brasileira, nem nos tempos mais tensos do Regime Militar de 1964 ou do Estado Novo de Vargas. Infelizmente também o MPF não foi respeitado e o arquivamento exigido pelo único órgão capaz de decidir sobre a investigação foi negado, de modo mais uma vez arbitrário e inconstitucional.

De lá pra cá, esse “regime de exceção”, produzido por quem deveria fazer a Guarda da Constituição (Art. 102) tem se mantido no tempo e recrudescido ante às iniciativas mais absurdas e escabrosas tomadas contra a ativista Sara Winter e outros, bem como o jornalista Oswaldo Eustáquio, que, até hoje, após presos em penitenciária por exercício de opinião política, permanecem de tornozeleira, este último paraplégico e é impedido de fazer exames de imagem por não ter autorização do Xerife.

O pior de todo esse assombro é que os 11 ministros, em sessão plenária, concordaram com a manutenção desse inquérito absurdo e a ruptura do Texto Constitucional que ele representa para a história do Brasil.

O descalabro chegou a tal ponto que a imunidade parlamentar garantida desde o fim do Absolutismo Monárquico no mundo e respeitado até mesmo nos períodos mais graves de ditadura, foi rompida por ato também do STF.

Afinal a referida garantia de imunidade na Constituição não permite sequer que o crime seja tipificado por lei, pois tratam tão-somente de opiniões e palavras, jamais de ações concretas, essas sim tipificadas como crime independente do mandato, instituindo-se, assim, mais uma afronta ao Regime Democrático Representativo por juízes não eleitos e que, neste caso, fundamentou sua decisão na Lei de Segurança Nacional por eles mesmos repelida como sendo “artefato da Ditadura opressora”. Mandou o relator Alexandre prender o Deputado Daniel Silveira por crime de opinião após as 23h em pleno feriadão de Carnaval, em horário não permitido em lei, através de um “mandado de prisão em flagrante” inacreditavelmente inovador na processualística penal, considerando “flagrante” um vídeo ativo nas redes sociais e colocando, mais uma vez, a instituição STF, através de seus membros atuais, em insegurança jurídica total toda a sociedade brasileira, amedrontada até mesmo em expor suas opiniões; impregnando, com isso, de incerteza sobre a compreensão de seus direitos básicos, fundamentais, garantidos pela Carta.

Esse novo pedido de Impeachment do Min. Alexandre, por “crime de responsabilidade” que, na linguagem jurídica, não necessita de configuração de tipo penal na conduta do agente público, mas a violação de seu dever funcional no exercício do cargo, está claramente prevista na Lei 1.079/50, expressamente, em seus Arts. 6º, item 3; Art. 7º, item 5, por analogia, e, especificamente, no Art. 39, item 4 e 5.

O pedido atual do Senador Kajuru acompanhada das mais de 2,6 milhões de assinaturas de populares, incentivadas pelo jornalista Caio Coppolla só vem a confirmar esse sentimento de dever cívico, que agora recai, através de Mandado de Segurança distribuído por sorteio, à responsabilidade histórica do novo ministro do STF, Kassio Nunes Marques.

Analisando o caso, encerrei entendimento muito claro de que tanto a citada Lei de Impeachment (1.079/50, em vigor), em seu Art. 44 e seguintes, ao determinar literalmente que “Recebida a denúncia pela Mesa do Senado, será lida no expediente da sessão seguinte” e o próprio texto do Regimento Interno vigente no Senado Federal são condizentes, conforme expressa o seu Art. 382, cujo trâmite é idêntico, no mesmo sentido que a lei - vide Art. 377, II; Art. 379; e Art. 380, I, segunda parte, tudo confirme a competência constitucional exclusiva do Senado prevista no Art. 52 e da qual este não pode simplesmente “engavetar” diante de tamanhas evidências, como entendeu o Min. Barroso, ao determinar a instauração obrigatória da CPI da COVID esta semana, uma vez cumpridos os requisitos legais do texto, não cabendo ao presidente da Casa legislativa escolher. Se é certo, então, que a jurisprudência do STF determina que recolhido o mínimo de 1/3 das assinaturas dos integrantes do Senado é direito dessa minoria que uma CPI seja aberta, não é menos certo que apresentada a Denúncia fundamentada por crime de responsabilidade contra ministro do STF essa deva ser devida e imediatamente apurada, através dos atos iniciais obrigatórios da Mesa, de leitura do requerimento e, ato contínuo, instalação da Comissão.

É este, brasileiros e brasileiras, o compromisso que hoje bate às portas do mesmo STF, por ironia do destino talvez, órgão que tanto vem interferindo nos demais poderes da República e minimizando as elevadas funções do Ministério Público, com um ativismo judicial sem limites, replicando o movimento gestado desde a década de 90 no Rio Grande do Sul conhecido academicamente por “Direito Alternativo” e que hoje parece ter virado a tônica volátil de seus julgamentos dramáticos, quando os interessados não são Dona Maria e Seu João, de verve política e eminentemente personalista ora de cada um, ora do sentimento de corpo, mas que antes já foi a representação do estreito respeito aos precedentes e a uma verdadeira jurisprudência atemporal, não casuística e sem se preocupar em beneficiar poderosos em detrimento da espera inequânime de partes desfavorecidas.

É hora de o Ministro Nunes Marques fazer cumprir o Texto: da Constituição, da Lei 1.079/50 e do Regimento Interno do Senado Federal e determinar, como fez seu colega Min. Barroso, que a mesma Mesa do Senado instaure o processo de Impeachment do então juiz nomeado Alexandre de Moraes, com todo o direito que lhe caberá de contraditório e de ampla defesa no seu órgão julgador Senado, no devido processo legal de uma Democracia que ele parece ter esquecido em seus próprios livros.

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Foto de Henrique Quintanilha

Henrique Quintanilha

É advogado formado e pós-graduado pela UFBA, com Mestrado em Direito Público e pesquisa sobre as Políticas Públicas de afirmação de direitos no Brasil e Estados Unidos, também pela UFBA, Professor de Pós-graduação em Direito e analista político.

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