Medidas permanentes de um governo interino

02/06/2016 às 18:13 Ler na área do assinante

O governo interino de Michel Temer, apesar das trapalhadas iniciais, atua como se permanente fosse, propondo medidas econômicas, sociais e estruturais que se projetarão para além de 2018. Nem tudo dará certo, mais algumas delas, bem ou mal, se concretizarão provocando profundas consequências para toda a sociedade, principalmente para os assalariados. A nação torce para que se reencontre o equilíbrio social, mas a inflação alta, a recessão e o desemprego aceleram a retração da demanda, acentuando o descontentamento.

Henrique Meirelles, ministro da Fazenda e representante do sistema financeiro internacional no governo, elaborou um pacote com quatro medidas básicas visando a redução do endividamento público, em se considerando o governo federal. A eficácia das providências é discutível, porque depende da boa vontade dos parlamentares e deixa o essencial de fora.

A primeira medida propõe que as despesas públicas só cresçam na proporção da inflação do ano anterior, mas não elimina nenhum cargo comissionado, não mexe nas mordomias e verbas outras dos parlamentares e ministros, nem menciona o fundo partidário e artifícios similares de transferência de recursos públicos. Além do mais, essa medida depende da aprovação pelo Congresso Nacional, comandado pelo fisiológico PMDB e aliados, de uma emenda constitucional (o que exige 3/5 dos votos). Se aprovada provocará uma estagnação dos gastos do governo que, nas últimas décadas, cresceram cerca de 6% ao ano acima da inflação, e que tendem a continuar assim nos próximos anos.

Tal providência significaria, de fato, o congelamento do orçamento nacional para 2016 e anos seguintes. Por outro lado, seria necessária uma alteração constitucional no que diz respeito aos desembolsos para saúde, educação, amparo ao trabalhador, previdência e assistência social, e isso não acontecerá em 2016. Para o economista Pedro Rossi, da Unicamp, essa medida “Representa o desmonte da proteção social prevista pela Constituição de 1988, pois é incompatível com a expansão e mesmo a manutenção de serviços públicos e de caráter universal”.

A segunda medida diz respeito ao bloqueio de novos subsídios (repasses do governo para programas e projetos que não são autossustentáveis), a não ser que haja uma compensação para a despesa. A proposta é o congelamento de 27 itens do tipo Pronaf (agricultura familiar), custeio/investimento agropecuário do Banco do Brasil e PSI/BNDES (Finame e Cartão BNDES), que respondem por 88% dos gastos orçamentários previstos em R$ 30,3 bilhões para 2016.

Isso evitaria o aumento dos gastos governamentais, mas como não houve detalhamento dos procedimentos a serem adotados, dificilmente a “bancada ruralista” e o PT aprovariam. Como exemplo, o senador Eunicio de Oliveira (PMDB-CE) e o senador Benedito Lira (PP-AL) pressionam Michel Temer para que sancione, de imediato, a MP 707 (aprovada no Senado), que permite o abatimento de dívidas contraídas por agricultores do Nordeste com o Banco do Brasil e Banco do Nordeste (cerca de R$ 6 bilhões), com deságios de até 95%.

A terceira medida seria o fim do Fundo Soberano (fundo vinculado ao Ministério da Fazenda que administra poupança pública de longo prazo) criado em 2008 para receber recursos da exploração do pré-sal, ações de sociedades de economia mista federal excedente, títulos da dívida pública mobiliária federal, e resultados de aplicações financeiras à sua conta. Com a crise do petróleo a previsão de receita não se concretizou e agora se pretende retornar o saldo de R$ 2 bilhões para o Tesouro e não mais emitir títulos para cobrir o rombo dos títulos da dívida pública.

O governo avalia as consequências jurídicas da extinção do FSB, considerando que reforçaria o caixa do Tesouro Nacional, mas eliminaria as reservas adequadas de liquidez financeira de curto prazo que servem de instrumento de política econômica anticíclica. Os objetivos do fundo são: mitigar os efeitos dos ciclos econômicos; formar poupança pública; promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior; e fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior. Os resgates de seus recursos, pela lei que o criou, atenderão exclusivamente ao objetivo de mitigar os efeitos dos ciclos econômicos.

O fim da participação obrigatória da Petrobrás no pré-sal, fonte de recursos estratégicos para a área da educação, entre outras destinações, é outra medida preocupante para os brasileiros. Significa a abertura das reservas do setor petrolífero brasileiro ao capital estrangeiro, objeto da gula internacional desde a década de 1950.

A última medida seria a antecipação do pagamento da dívida do BNDES para o Tesouro Nacional no valor de R$ 100 bilhões, que venceriam em 2060. Se isso acontecer, haverá um retorno financeiro reforçando o caixa do Tesouro Nacional que estancaria, em parte, a emissão de títulos públicos para cobrir o rombo acumulado nas contas públicas. Entretanto, afetaria os investimentos de curto e médio prazo. Por outro lado, há controvérsias jurídicas a serem contornadas.

Ao que parece é muito barulho para pouco samba, sem resultados práticos de imediato. Para Mario Bernardini, diretor de Competitividade da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq): “São providências exclusivamente fiscalistas e isso, num primeiro momento, não ajuda a retomada da economia, nem no curto nem no médio prazo”.

Fica uma pergunta no ar: o que, realmente, pretende o superministro Meirelles? O que está por detrás dessas polêmicas propostas? Pelas entrevistas e declarações esparsas, ao que parece, novos programas de privatizações, nos moldes dos adotados por FHC, junto com novos impostos, virão ainda este ano. É a velha receita do neoliberalismo criado pelo Consenso de Washington.

Em relação a divida dos Estados, o objetivo do governo interino é dar mais do que um simples “alívio temporário”. Pretende-se criar mecanismos que deem proteção financeira aos atuais governantes, em troca de apoio político e do compromisso de que não criarão novos problemas orçamentários.

Pedro Rossi desabafa: “É como se tentassem refazer o pacto social sem a participação da sociedade. Trata-se de um ato ilegítimo e autoritário. Esse tipo de proposta não passaria em nenhum pleito eleitoral”. Mas os banqueiros e rentistas, por enquanto, estão satisfeitos.

LANDES PEREIRA. Economista com mestrado e doutorado. É professor de Economia Política.

Landes Pereira

Economista e Professor Universitário. Ex-Secretário de Planejamento da Prefeitura de Campo Grande. Ex-Diretor Financeiro e Comercial da SANESUL. Ex-Diretor Geral do DERSUL (Departamento Estadual de Estradas de Rodagem). Ex-Diretor Presidente da MSGÁS. Ex-Diretor Administrativo-Financeiro e de Relações com os Investidores da SANASA.

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