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O que nos torna ‘conservadores’?

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“O conservador (...) acredita na existência de uma ordem moral duradoura. Sabe que a ordem, a justiça e a liberdade são produtos de uma experiência social longa e muitas vezes dolorosa, e que precisam ser protegidos de ataques radicais abstratos. Defendo os costumes, o hábito, as instituições comprovadas que funcionam bem. Afirmo que a grande virtude em política é a prudência: o julgamento de qualquer medida pública se dá pelas consequências no longo prazo” (Russell Kirk).

Dada a atual precariedade do discurso político, alguns conceitos são usados apenas como mantras, como palavras cujo propósito é tão somente sustentar uma retórica medíocre e, na maioria das vezes, assignificativa.

Dessa maneira, vocábulos como "fascista”, “genocida”, são, notória e frequentemente, evocados nas falas de figuras torpes, ordinariamente em seus ataques aos conservadores em geral e ao Presidente Bolsonaro em particular.

Todavia, há outro termo deveras usado, seja por aqueles que se dizem representados por ele seja por aqueles que o veem como uma ofensa: “conservador”.

Sobre seus críticos, em geral eles se dizem “progressistas” e alegam que o conservadorismo é o oposto do “progressismo”, ou seja, seria uma espécie de “saudosismo”. Segundo eles, todo conservador é um reacionário, um retrógrado saudosista que não aceita o progresso social, moral, etc.

Tal compreensão acerca do conservadorismo é, obviamente, equivocada. Conservadorismo não se identifica com “reacionarismo”. Por certo há sujeitos reacionários, os quais são, em grande parte das vezes, movidos por preconceitos e idiossincrasias abjetas, reprováveis inclusive diante do juízo conservador. Por exemplo, há sujeitos torpes que sustentam a segregação racial, agressões a pessoas em virtude de sua orientação sexual, sexo, etc. E isso de ambos os lados: há o “preconceito tradicional” e o “novo preconceito”.

Por exemplo, se já tínhamos, no passado, um preconceito racial desprezível, atualmente há, além desse preconceito, um preconceito racial inverso. O mesmo se aplica a outros preconceitos. Mas, independentemente de quais desses preconceitos estejamos falando, são todos moralmente asquerosos, uma vez que alguém é, em todos esses casos, violado em sua dignidade (‘dignidade da pessoa humano’, fundamento de todos os direitos humanos), desqualificado e segregado em virtude de sua cor, sexo, etc.

Sem embargo, o conservadorismo não se identifica com esse “reacionarismo”, o qual é desprezível para o conservador.

Mas, então, quem é o conservador? Ora, uma esclarecedora definição do que seja um conservador nos é dada por Russell Kirk, segundo o qual o conservador defende “os costumes, o hábito, as instituições comprovadas que funcionam bem”. Ainda segundo ele: “afirmo que a grande virtude em política é a prudência: o julgamento de qualquer medida pública se dá pelas consequências no longo prazo”.

Noutros termos, ele está nos dizendo que o conservador visa à conservação dos valores, instituições, etc, que se consagraram com o passar do tempo, de muito tempo. E isso no plano das artes, das letras, dos costumes, da política, dos valores morais, estéticos, etc. Trata-se de resguardar a tradição dos ataques dos ‘bárbaros’ que a querem destruir. Com efeito, é importante observar que não há, para o conservador, um movimento histórico absoluto, inevitável, inescapável, em um sentido hegeliano. O conservador é, em certo sentido, um empirista, focado naquilo que foi aprovado pelo “princípio da consagração pelo uso”. Colocado de outra maneira, um conservador não sustenta que os valores e instituições devem ser pétreos, imutáveis. Um conservador não é, pelo menos não necessariamente, alguém com ‘cainofobia’ (cainotofobia), um medo (fobia patológica) da novidade, do que é novo. Toda mudança é possível, desde que mediante reforma, o que implica justificar tais mudanças de maneira bem fundada.

Além disso, importa notar, tal reforma demanda uma longa experiência. O conservador, em suma, reconhece a importância daquilo que T.S. Eliot denominava de “coisas permanentes”, as quais incluíam, segundo ele, fé religiosa, ideia ‘natural’ de família (homem, mulher, em uma relação de continuidade e exclusividade com os filhos oriundos de sua relação), deveres, responsabilidade, defesa da liberdade, sociedade livre, propriedade privada, mercado livre, etc, as quais surgiram espontaneamente a partir do convívio social voltado para a criação de arranjos sociais mais adequados para que pudéssemos alcançar a felicidade (aqui identificada com nosso projeto pessoal – propósito - de vida). Um bom exemplo é a “regra de ouro” (“não faça para outrem aquilo que não queres que façam para ti”). Em algum momento, após muitas experiências desafortunadas, se consolidou a ideia segundo a qual não devemos fazer para os demais aquelas coisas que não gostaríamos que fizessem para nós. Mas vejam: muito tempo deve ter transcorrido até que nos apercebêssemos da importância dessa “regra”.

Ela não foi criada, mas é parte das “coisas permanentes”, tal como ocorre com outros valores, instituições, etc., que surgiram, reitero, espontaneamente. Alguns estudos na área da antropologia evolutiva, por exemplo, dão fundamentos factuais (teóricos e empíricos – aproximando as ciências biológicas das ciências sociais) a essa ideia. Em um fascinante livro publicado em 1996 (“The Origins of Virtue”), o Zoólogo Matt Ridley coloca a questão: “por que nós, humanos, nos comportamos da forma cooperativa particular tal como nos comportamos?” Ou, ainda, a questão é sobre a razão de cooperarmos e sua relação com o progresso. Em verdade, o que temos, aqui, é a evolução de instintos socialmente estimáveis de cooperação. Não se trata de algo que foi criado por alguém, mas de algo que se desenvolveu evolutivamente, passando a fazer parte da natureza humana mesma. Noutros termos, após muito tempo nossos ancestrais desenvolveram, por exemplo, um instinto de ‘mutualidade’.

Com efeito, mutualidade não é uma mera forma de cálculo egoísta com vistas à realização de algum fim privado. Ela é mais profunda, pois emerge de forma inconsciente a partir de um instinto tornado inato (de cooperação). Como afirma Matt Ridley: “a sociedade não foi inventada por homens racionais. Ela evoluiu a partir de nossa natureza”. O Estado surgiu posteriormente ao surgimento da sociedade e das instituições sociais básicas. E isso por uma razão simples já percebida por filósofos como John Locke e Immanuel Kant: a mera mutualidade não dá conta de conter, por exemplo, ladrões e trapaceiros. Embora reconheçamos que “não mentir” e “não matar” sejam imperativos justificáveis racionalmente, objetivamente, a simples justificação não os assegura. Daí que leis com poder coercitivo sejam necessárias.

Mas o ponto é que somos inerentemente inclinados à socialização, ao convívio com os demais. Somos indivíduos, mas aprendemos que apenas prosperamos em uma vida comunitária, razão pela qual nossos ancestrais se aperceberam que liberdade não pode ser concebida como “fazer o que nos aprouver”. A liberdade está sempre limitada pela vida comunitária na qual realizamo-nos como indivíduos. Dessa maneira, o conservador sabe que nem tudo aquilo que reivindicamos como ‘direitos’ pode ser concedido (sob pena de se causarmos o colapso comunitário).

O conservador reconhece o valor da liberdade e da igualdade, mas sabe que é necessária, também, a fraternidade, a qual envolve não apenas a reivindicação de direitos, mas responsabilidade e deveres para com os outros (atinentes à comunidade). Dito de outra forma, o conservador sabe que uma sociedade em que os indivíduos se importam mais “com seu umbigo” do que com os demais está destinada ao colapso.

Portanto, no decorrer do tempo surgiram instituições cujo propósito era assegurar a proteção e fomento das “coisas permanentes”. Assim, o conservador visa à conservação daquilo que vale a pena conservar. Esse é um aspecto nuclear do conservadorismo: ele defende a permanência de valores, instituições, etc, que representam um bom legado. Não se trata de defender a simples permanência das coisas, mas a permanência daquelas coisas que vale a pena preservar (como a regra de ouro, a monogamia, a ideia de família “tradicional”, livre troca, etc).

E é para isso que instituições são criadas. Quando tanto o estado quanto a Igreja decidiram, por exemplo, proteger o casamento, entendido como união entre um homem e uma mulher com o propósito de promover a eudaimonia mútua e gerar prole para as próximas gerações, tanto o estado quanto a Igreja estavam protegendo algo que surgiu de forma espontânea e que carecia de proteção. E tanto estado quanto Igreja estavam cientes da dificuldade que instituições que assim se formaram enfrentariam ao se defenderem daqueles que pretendem, motivados pelo hedonismo, pelo niilismo e outras desordens mentais, simplesmente destruí-las (sob a ideia de “revolução”) em nome da “novidade”.

Essa – a crítica revolucionária - é sempre uma posição mais confortável. O mais difícil é defender a tradição, as “coisas permanentes”, pois é sempre demandada, daquele que as defende, uma justificação, a qual, aliás, existe e é, frequentemente, indisputável.

O chamado “progressista” é, em verdade, um regressista, pois pretende causar o colapso da tradição histórica consolidada mediante esforços e sacrifícios individuais e coletivos, arruinando, em nome de seu egocentrismo patológico, o tecido social moral.

Assim, o “progressista”, em verdade um “regressista”, pretende, desde algumas ideias abstratas, acabar com os valores morais perenes que pavimentaram o caminho para o que conhecemos como civilização. A ideia central do conservador é, precisamente, “conservar”. Toda e qualquer mudança deve ser feita gradualmente, a partir de uma análise circunstanciada da tradição.

Desse modo, podemos afirmar: o conservador é um indivíduo judicioso, cauto e sagaz. Ele possui, como diria Roger Scruton, “apego”, razão pela qual ele denomina o conservadorismo como a ‘filosofia do apego’ (“the philosophy of attachment”). Assim, poderíamos afirmar que o conservador não é um sujeito retrógado, mas um indivíduo prudente, sábio desde o ponto de vista prático, ciente da importância de certas instituições e valores. Não apenas isso, ele vive conforme tais valores, princípios, etc.

Afinal, não apenas os “progressistas” vilipendiam o conservadorismo: todo aquele que se diz conservador e não se submete às coisas permanentes é, também, um algoz do conservadorismo. Assim, um conservador vive aqueles valores que devem ser conservados, bem como os fomenta no mundo. Dito de outra maneira, um indivíduo que vive promiscuamente, que cometa adultério, que se oponha ao livre mercado, que viole a propriedade privada, etc, não é um conservador, pois ele não está conservando aquelas coisas permanentes: ele as está, como os “progressistas”, as vituperando.

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Russell Kirk (1918-1994), no 2º. capítulo do livro “A Política da Prudência”, apresenta os seguintes princípios conservadores (eles nos permitem mensurar quão conservadores somos):

1. “Primeiro, um conservador crê que existe uma ordem moral duradoura. Esta ordem é feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante e as verdades morais são permanentes”.

2. “Segundo, o conservador adere ao costume, à convenção e à continuidade. É o costume tradicional que permite que as pessoas vivam juntas pacificamente; os destruidores dos costumes demolem mais do que o que eles conhecem ou desejam”.

3. “Terceiro, os conservadores acreditam no que se poderia chamar de princípio do preestabelecimento. Os conservadores percebem que as pessoas atuais são anões nos ombros de gigantes, capazes de ver mais longe do que seus ancestrais apenas por causa da grande estatura dos que nos precederam no tempo.”

4. “Quarto, os conservadores são guiados pelo princípio da prudência. Burke concorda com Platão que entre os estadistas a prudência é a primeira das virtudes. Toda medida política deveria ser medida a partir das prováveis consequências de longo prazo, não apenas pela vantagem temporária e pela popularidade”.

5. “Quinto, os conservadores prestam atenção no princípio da variedade. Eles gostam do crescente emaranhado de instituições sociais e dos modos de vida tradicionais, e isto os diferencia da uniformidade estreita e do igualitarismo entorpecente dos sistemas radicais”.

6. “Sexto, os conservadores são refreados pelo princípio da imperfectibilidade. A natureza humana sofre irremediavelmente de certas falhas graves, bem conhecidas pelos conservadores. Sendo o homem imperfeito, nenhuma ordem social perfeita poderá jamais ser criada”.

7. “Sétimo, conservadores estão convencidos que liberdade e propriedade estão intimamente ligadas. Separe a propriedade do domínio privado e Leviatã se tornará o mestre de tudo. Sobre o fundamento da propriedade privada, construíram-se grandes civilizações. Quanto mais se espalhar o domínio da propriedade privada, tanto mais a nação será estável e produtiva”.

8. “Oitavo, os conservadores promovem comunidades voluntárias, assim como se opõem ao coletivismo involuntário. Embora os americanos tenham se apegado vigorosamente aos direitos privados e de privacidade, também têm sido um povo conhecido por seu bem sucedido espírito comunitário”.

9. “Nono, o conservador percebe a necessidade de uma prudente contenção do poder e das paixões humanas. Politicamente falando, poder é a capacidade de se fazer aquilo que se queira, a despeito da aspiração dos próprios companheiros”.

10. “Décimo, o pensador conservador compreende que a estabilidade e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade robusta. O conservador não se opõe ao aprimoramento da sociedade, embora ele tenha suas dúvidas sobre a existência de qualquer força parecida com um místico Progresso, com P maiúsculo, em ação no mundo”.

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