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O AUTO DA CPI (Uma sátira à moda de Gil Vicente)

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Em 1532, Gil Vicente, considerado o pai do teatro português, apresenta a peça intitulada “Auto da Lusitânia”.

O texto abaixo se utiliza de uma das partes mais famosas da Peça: “Todo o Mundo e Ninguém”, estes são os nomes de dois personagens: o primeiro, um mercador rico (que representa a arrogância, a presunção, a gabolice, a soberba e a falta de vergonha dos poderosos); o segundo faz o papel de um pobre (representa a humildade, a honra).

Os dois travam um diálogo onde mostram a alma humana com todos os seus defeitos. Tomam nota do que dizem “Todo Mundo” e “Ninguém”, dois demônios, o Diabo Belzebu que ordena que o outro demônio, Dinato, escreva em forma de ata ou relatório a conversa entre os dois.

A peça é uma picante crítica à sociedade da época. Procurei manter na Sátira abaixo o estilo e as ideias de Gil Vicente, misturando aos seus versos apenas o essencial e trazendo para os dias de hoje a crítica ferina e satírica do poeta. Que ele me perdoe se não fui digno ao acrescentar à sua obra genial nomes aos personagens, algo necessário para o momento atual.

Entra o Arauto e avisa:

- Um homem chamado “Ninguém” que necessitava de ajuda médica em plena pandemia, saiu a andar pela terra Brasil, pois ouvira falar que esse reino fora governado pelo “Monarca FHC I – o Insosso”, durante 8 anos, por “Lulalau– O Lalau I”, 8 anos, por “Dilma I - A Dama Estoca Vento”, 6 anos e o último monarca deste “período áureo” da vida sofrida dos brasileiros foi “Temer I”, conhecido pela alcunha de “Tem que manter isso, viu”.

Todos os Monarcas, todos eles, desde o Rei Sarney, sem exceção propagandearam que o sistema de saúde da terra Brasil era o melhor entre os melhores do mundo.

Ele também ouviu falar que depois que os militares entregaram o poder e assumiram os civis, escândalos e mais escândalos pipocaram na terra Brasil.

Alguns entre os maiores foram estes: Vampiros da Saúde (1990-2004) - Valor desviado: R$4,08 bilhões. – Zelotes (2015) - Valor sonegado: R$ 19 bilhões. – Banestado (1996) - Valor enviado irregularmente ao exterior: US$ 30 bilhões. - Operação Lava Jato (atualmente) - Valor desviado: R$ 42,8 bilhões. Prejuízo causado: R$ 88,8 bilhões apenas na Petrobrás.

- Senhores, súditos, cidadãos, cidadãs, depois de caminhar de forma errante, durante 23 anos, o súdito chamado “Ninguém”, deparou-se com uma CPI. A tal CPI era comandada pelo rico mercador “Aziz Todo Mundo”. Dois demônios fantasiados de assessores presenciam e anotam todos os acontecimentos da CPI: “Randolfe Belzebu e “Renan Dinato”.

ATO ÚNICO

Sai o Arauto e entra “Aziz Todo o Mundo”, rico mercador, e simula procurar alguma coisa que perdeu; logo após entra outro homem vestido como pobre. Este se chama “Ninguém” e diz:

Ninguém:

Que andas tu aí buscando, oh! grande homem da nação?
Tu que dos cofres do Amazonas, segundo a “Operação Maus Caminhos”,
Levaste para teu ninho 260 milhões de verbas públicas da saúde.
E na “Operação Vertex” foste citado 256 vezes em 257 páginas amiúde.

Aziz Todo o Mundo:

Mil coisas ando a buscar, pois sou poderoso e vou encontrar
São coisas que não consigo descobrir, pois os homens honestos
São difíceis de lidar, por mais que a verdade eu possa estuprar
Eles insistem em contradizer, mas é muito bom teimar.

Ninguém:

Como é o teu nome, honrado e nobre cavaleiro?
Pergunto porque me disseram que tuas companhias
São “Múmia” e “Atleta”, e outros diabos altaneiros.

Aziz Todo o Mundo:

Eu me chamo “Aziz Todo o Mundo” e mando no mundo
E o meu tempo todo inteiro, não importa de quem seja
Honesto ou desonesto é sempre buscar dinheiro
Mais e mais sem parar é nisto que sempre me fundo.

Ninguém:

Eu recebi o nome “Ninguém”, e busco a consciência.

Randolfe Belzebu:

Esta é boa experiência: Dinato, escreve isto bem.

Renan Dinato:

Que escreverei, companheiro?

Randolfe Belzebu:

Que Ninguém busca consciência.
E “Aziz Todo o Mundo” dinheiro.

Ninguém:

E agora, “grande estrela do congresso”, que buscas lá?

Aziz Todo o Mundo:

Busco honra muito grande, pois essa honra a CPI me dá.

Ninguém:

E eu busco a virtude, que Deus mande
Ou que por um acaso, tope com ela já.

Randolfe Belzebu:

Outra adição nos ocorre:
escreve logo aí, a fundo,
que busca honra “Aziz Todo o Mundo”
e Ninguém busca virtude.

Ninguém:

Buscas algum outro bem maior que esse?

Aziz Todo o Mundo:

Busco mais quem me louvasse...
E aprovasse tudo quanto eu fizesse.

Ninguém:

E eu quem me repreendesse em cada coisa que errasse.

Randolfe Belzebu:

Escreve mais.

Renan Dinato:

Que tens sabido?

Randolfe Belzebu:

Que quer em extremo grado
“Aziz Todo o Mundo” ser louvado,
e Ninguém ser repreendido.

Ninguém:

Buscas algo mais, amigo meu?

Aziz Todo o Mundo:

Busco a vida bela e boa, não importa quem me dê.

Ninguém:

A vida não sei o que é, a morte conheço eu.

Randolfe Belzebu:

Escreve lá outra sorte.

Renan Dinato:

Que sorte?

Randolfe Belzebu:

Muito boa e agradável
“Aziz Todo o Mundo” busca a vida
E Ninguém conhece a morte.

Aziz Todo o Mundo:

E mais queria eu o paraíso, sem ninguém a me atrapalhar.

Ninguém:

E eu ponho-me a pagar quanto devo para isso.

Randolfe Belzebu:

Escreve com muito aviso.

Renan Dinato:

Que escreverei?

Randolfe Belzebu:

Que “Aziz Todo o Mundo”
quer o paraíso
e Ninguém paga o que deve.

Aziz Todo o Mundo:

Adoro muito enganar, e mentir nasceu comigo.

Ninguém:

Eu sempre verdade digo, sem nunca me desviar.

Randolfe Belzebu:

Ora escreve lá, compadre, não sejas tu preguiçoso.

Renan Dinato:

Quê?

Randolfe Belzebu:

Que “Aziz Todo o Mundo” é mentiroso,
E Ninguém diz a verdade.

Ninguém:

Que mais buscas?

Aziz Todo o Mundo:

Lisonjear.

Ninguém:

Eu sou todo desengano.

Randolfe Belzebu:

Escreve, ande lá, mano.

Renan Dinato:

Que me mandas anotar?

Randolfe Belzebu:

Põe aí com tudo declarado,
não te fique no tinteiro:
“Aziz Todo o Mundo” é lisonjeiro, e Ninguém desenganado.

Entra o Arauto e anuncia:

- “Desenganado partiu o pobre sem ter encontrado saúde,
Pois saúde nunca houve, a não ser propaganda barata
Na hora da pandemia pouco cura e muito mata.
Preocupados com isso os Demônios não estão
Seu cheiro querem que todos sintam, com muita confusão.
São Xátrias versados na arte da rapina, em plena pandemia,
Céleres como o vento, dilapidavam a pátria
Uma CPI inventaram para desviar atenção.
Espíritos malignos, sem honra, malacafentos que são
De sábios fantasiaram-se e honestos parecem hoje
Anunciam, sem pudor, que são salvadores da nação”.

Fim.

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Foto de Carlos Sampaio

Carlos Sampaio

Professor. Pós-graduação em “Língua Portuguesa com Ênfase em Produção Textual”. Universidade Federal do Amazonas (UFAM)

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