A CPI da Covid, suas mazelas, nulidades, atropelos e perda de rumo

19/06/2021 às 13:06 Ler na área do assinante

Vamos voltar à chamada CPI da Pandemia, que já exterioriza sinais de parcialidade, de insensatez, de perda de rumo, de falta de equilíbrio, de quebra da liturgia que deveria nortear suas sessões e de tantos outros defeitos e males.

De cara, se vê que o senador-relator Renan Calheiros atua com sentimento vingativo. Até seu tom de voz é de irritação, quando não deveria ser. Muitas e muitas vezes se viu Renan fazer perguntas a depoentes e impondo-lhes, ao término da pergunta, a resposta que o inquirido deveria dar e que Renan queria ouvir: "sim" ou "não". A frase de Renan não sai dos meus ouvidos: "Responda sim ou não".

E não é assim que se inquire quem vai depor, seja em juízo, seja numa CPI ou em qualquer outro lugar.

Se constata que a serenidade cedeu lugar à prepotência e à arrogância. E tudo isso acontece sem o óbice da presidência da CPI.

O depoimento do ex-governador Witzel pôs à prova a sabedoria, a intelectualidade, a cultura, a independência e os poderes e prerrogativas legais dos membros da CPI, notadamente do seu presidente e vice-presidente, e de todos os seus integrantes.

No Habeas Corpus de Witzel ao STF, o ex-governador pediu para se ausentar da sessão quando quisesse. Mas o ministro-relator Nunes Marques nada respondeu a respeito deste específico pedido. Logo, Witzel, que aceitou ir à CPI, não poderia se ausentar quando lhe fosse conveniente. Era seu dever permanecer na sessão até o seu encerramento oficial e ouvir todas as perguntas que lhe fossem dirigidas, mesmo estando com a garantia do silêncio, e não precisava responder. Mas ficar até o fim da sessão, era seu dever. O salvo-conduto que obteve no STF não mencionava o direito de ir embora quando quisesse. Mas Witzel saiu. Foi embora quando quis. E nenhuma voz da CPI se levantou contra. Na edição do último dia 17 escrevemos sobre isso.

Mas o pior aconteceu nesta sexta-feira (18). Médicos e defensores de tratamento precoce e preventivo contra a Covid foram depor. E a sala da CPI ficou praticamente vazia. O presidente da Comissão pouco tempo ficou na sua cadeira e foi embora. Renan, o relator, se negou a fazer perguntas aos depoentes e também desapareceu. E a "oposição" também não compareceu.

Mas peraí, que justiça é esta que está presente e só ouve quem interessa e se ausenta e deixa prá lá quem não interessa?

Eis uma irremediável nulidade processual que desqualifica e anula todo o trabalho, todo o processo da CPI.

O que Renan vai escrever no relatório, se Renan não presenciou, não inquiriu e nem ouviu o que disseram os depoentes?

É claro que será um relatório capenga. Sem valor legal. O acontecido tem forte conotação de semelhança com o processo judicial. Que valor jurídico e legal teria um processo em que o juiz se ausenta da audiência de instrução e a testemunha é ouvida pelo Escrivão?

Que validade teria o veredicto do Tribunal do Júri se o juiz-presidente se ausentou durante a sessão, sem importar se por muito ou pouco tempo? Ou se um ou mais jurados fizesse(m) o mesmo, deixasse(m) a sessão e voltasse(m) muito ou pouco tempo depois?

Torno a dizer, tal como disse no artigo do último dia 17, que os membros desta CPI precisam ser equidistantes. Enérgicos, se necessário. Mas com serenidade, com fidalguia, com educação e civilidade. E acima de tudo, estribados na legalidade.

Vejam esta outra ignorância. De uma hora para outra a CPI decidiu transformar certos depoentes em "investigados". Saibam os senhores senadores que nas CPIs só existem duas figurações que podemos chamar de passivas, ou de alvos: testemunhas e indiciados. "Investigados" é inovação de quem não conhece a lei.

Confiram aqui e agora o que diz o artigo 2º da Lei nº 1.579, de 1952, lei que "Dispõe sobre as Comissões Parlamentares de Inquérito":

"No exercício de suas atribuições, poderão as Comissões Parlamentares de Inquérito determinar as diligências que reputarem necessárias...ouvir indiciados, inquirir testemunhas sob compromisso, requisitar de repartições públicas e autárquicas informações e documentos, e transportar-se aos lugares onde se fizer mister a sua presença".

Conclusão: se esta conturbada CPI terminasse hoje, dela pouco ou nada se aproveitaria, tantas são as nulidades até aqui verificadas.

Ainda há tempo de conserto, de endireitamento, de legalização? Creio que não.

No Direito Processual há nulidades sanáveis e insanáveis, e a maior parte delas até hoje cometidas nesta CPI são nulidades insanáveis.

A desta sexta-feira (18) foi a pior delas. As testemunhas tinham todo o direito de serem recebidas, tratadas e ouvidas por todos os integrantes da CPI, como foram todos as demais que nela depuseram, à exceção das prepotências, arrogâncias e intimidações que algumas sofreram.

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Jorge Béja

Advogado no Rio de Janeiro e especialista em Responsabilidade Civil, Pública e Privada (UFRJ e Universidade de Paris, Sorbonne). Membro Efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)

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